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Eventos no Rio homenageiam Betinho nos 20 anos de sua morte

Flávia Villela - Repórter da Agência Brasil
Publicado em 09/08/2017 - 17:11
Rio de Janeiro

O sociólogo Herbert de Souza, o Betinho, foi homenageado hoje (9) em dois eventos no Rio de Janeiro, no ano em que completam 20 anos de sua morte. Imortalizado na música de Aldir Blanc e João Bosco, pela voz de Elis Regina, como o “irmão do Henfil”, Betinho mobilizou o país na luta pela ética na política, pelo combate à fome e à miséria e na defesa da vida, na década de 1990.

O Instituto Alberto Luiz Coimbra de Pós-graduação e Pesquisa de Engenharia, da Universidade Federal do Rio de Janeiro (Coppe/UFRJ), e o Comitê de Entidades no Combate à Fome e pela Vida (Coep), realizaram no auditório da Coppe, campus da Ilha do Fundão, o evento Celebrar Betinho.

O encontro contou com debate que teve a participação do filósofo e teólogo Leonardo Boff, que iniciou sua fala ressaltado que o legado de Betinho, de quem foi amigo íntimo, é perene e extremamente atual. “Solidariedade era uma categoria central para Betinho. Convivia com todos, agregava para além das diferenças ideológicas, desde que a centralidade fosse ter sensibilidade e compaixão por aqueles que passam fome”, disse Boff. “A coisa mais importante para o Betinho era a ação. Ele então empenhou e mobilizou a sociedade no 'fazimento' de ações voltadas para a maioria dos brasileiros”.

Boff lembrou das andanças que fez com o amigo pela redemocratização do país, após a anistia, quando o Betinho voltou do exílio em setembro de 1979. “Quando ele voltou para o Brasil, fizemos muitas viagens durante mais de um ano pelo Brasil, para falar sobre democracia. Ele dizia que a democracia é uma mesa que se apoia sobre quatro pés: participação social, igualdade, diferença e a comunicação”, lembrou. “Ele voltou com essa ideia de que nós temos condições de mudar o Brasil. Não a partir do Estado nem dos partidos, mas fundamentalmente a partir da sociedade civil. Ele dizia que o pobre que não sabe as razões de sua pobreza, nunca vai ser livre”.

Sua obstinação e luta, destacou Boff, fez com que parte do seu sonho virasse realidade, com a criação da Ação da Cidadania e da campanha Natal Sem Fome, em 1993. “De 1993 a 2005, foram distribuídos 30,351 mil toneladas de mantimentos, beneficiando mais de 3 milhões de famílias. Uma verdadeira revolução na nossa história”.

Também foram lançados o site www.celebrarbetinho.org.br em sua homenagem e a edição 2017 do Prêmio Betinho Imagens da Cidadania. O prêmio selecionará vídeos de até três minutos que celebrem cinco princípios da democracia: igualdade, diversidade, participação, solidariedade e liberdade.

Um dos coordenadores do site e presidente do Coep, André Spitz, disse que o espaço online resgata a obra de Betinho, suas publicações, artigos e sua história, para que sirvam de inspiração para mudanças sociais. “Hoje, mais do que nunca, precisamos da ousadia de Betinho para que a gente possa sair dessa situação em que a cada dia estamos dando um passo para trás. Precisamos nos organizar para avançarmos”, defendeu.

“Ele tinha essa habilidade de dialogar com os diferentes e construir uma agenda comum para a sociedade civil. A sociedade está apática, meio perdida sobre os rumos que deve tomar. Através da releitura de Betinho, talvez a sociedade civil consiga sair dessa atitude passiva que vivemos no momento.”

Também foi inaugurado o Jardim da Cidadania, no Espaço de Convivência do Centro de Tecnologia da UFRJ, com a presença de Maria Nakano, viúva de Betinho.

Outro evento em homenagem a Betinho é o ato público e vigília que será promovido a partir das 18h, nas escadarias da Câmara Municipal do Rio, pelo Grupo Pela Vidda/RJ. O evento vai lembrar a luta de Betinho, portador do vírus HIV, contra a Aids e o estigma em relação à doença e também alertar para os problemas que envolvem a saúde pública e a política brasileira de controle do HIV.

Quem tem fome, tem pressa. A frase era o lema de Betinho durante a campanha da Ação da Cidadania contra a Fome, a Miséria, e pela Vida, que colocou o combate à fome no foco das manifestações populares e das políticas públicas. Na época, o Brasil registrava mais de 30 milhões de pessoas abaixo da linha da pobreza, segundo dados do Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada (Ipea). Após décadas de mobilização da sociedade civil e avanços nos programas sociais, o Brasil, enfim, saiu do Mapa da Fome, definido no relatório da Organização das Nações Unidas para a Alimentação e a Agricultura (FAO).

De acordo com o professor da Coppe Luiz Pinguelli Rosa, que criou com Betinho o Coep, e de quem ficou muito amigo, o sociólogo era um visionário. “Ele foi um dos responsáveis pela difusão do uso da internet pelas organizações sociais. A ideia inicial do governo era que a internet fosse para fins científicos e empresariais”, lembrou, acrescentando, “ele tinha um magnetismo enorme, conseguia fazer as coisas com muita habilidade e dedicação. Se ele estivesse vivo, estaria lutando contra os cortes que estão ocorrendo nas áreas sociais. Ele faz muita falta, mas temos que manter a chama que ele ajudou a acender”, disse.

Betinho

Mineiro da cidade de Bocaiuva, Betinho graduou-se em sociologia. Engajou na luta pelas reformas de base do governo João Goulart. No apogeu da ditadura militar, em 1971, partiu para o exílio. Morou no Chile, no Canadá e no México. Após o seu regresso, em 1979, articulou a Campanha Nacional pela Reforma Agrária e, em 1981, fundou com seus colegas de exílio Carlos Afonso e Marcos Arruda, o Instituto Brasileiro de Análises Sociais e Econômicas (Ibase), uma organização autônoma, comprometida com a transição democrática para um modelo de sociedade mais justo e igualitário.

Hemofílico, assim como os irmãos, o cartunista Henfil e o músico Chico Mário, Betinho contraiu Aids em uma transfusão de sangue, diagnosticada em 1986. Logo depois, fundou a Associação Brasileira Interdisciplinar de Aids (Abia).

Na década seguinte, articulou a campanha Ação da Cidadania contra a Fome, a Miséria e pela Vida, que se tornou o movimento social mais reconhecido em todo o país.