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Interrogados, policiais acusados pela maior chacina de SP se dizem inocentes

Elaine Patricia Cruz – Repórter da Agência Brasil
Publicado em 21/09/2017 - 00:15
São Paulo

Os dois policiais militares e o guarda-civil, réus no processo em que são acusados de serem responsáveis pela Chacina de Osasco, considerada a maior ocorrida em São Paulo, foram interrogados hoje (20) pela juíza Élia Kinosita Bulman. Durante os interrogatórios, eles disseram ser inocentes.

Os dois policiais militares acusados são Fabrício Emmanuel Eleutério e Thiago Barbosa Henklain. Segundo o Ministério Público, eles teriam efetivamente feito os disparos que mataram 17 pessoas e deixou mais sete feridos nas cidades de Osasco e Barueri no dia 13 de agosto de 2015. Os PMs vão responder pelas 17 mortes e pelas sete tentativas de homicídio. Eles estão presos desde o início das investigações, assim como o guarda-civil Sérgio Manhanhã.

Os assassinatos aconteceram em um intervalo de aproximadamente duas horas. Eleutério e Henklain respondem por todas as mortes, enquanto Manhanhã, que teria atuado para desviar viaturas dos locais onde os crimes ocorreriam, foi denunciado por 11 mortes.

Na casa da namorada

O primeiro a ser interrogado foi Fabrício Emmanuel Eleutério, 32 anos. Seu depoimento foi o mais longo, com duras horas de duração. Eleutério, já respondeu a processos na Justiça Militar e na Justiça Civil por participação em outras chacinas. Ele disse que estava com a namorada no dia 13 de agosto, descumprindo uma determinação anterior, da mesma juíza que preside o julgamento da chacina de Osasco. O policial descumpriu ordem da juíza para que não saísse de sua casa à noite por conta de um crime anterior ao qual ele é acusado.

“Graças a Deus descumpri a medida [restritiva] porque estava na casa da minha namorada naquela hora em que deveria estar em casa. Porque elas [a namorada e a sogra] são minhas únicas testemunhas”, disse. “Tenho minhas provas de que sou inocente. Não tirei a vida de nenhuma dessas vítimas. Não sou o autor desses delitos”, disse durante o interrogatório. “Sou cristão evangélico. Desde criança meu sonho era ser policial. Arrisquei minha vida pela sociedade. Sempre fui legalista. Sou chato no requisito de gostar das coisas certas”.

Eleutério disse ter chegado à casa da namorada as 19h15, após desistir de ver um filme no cinema com ela. “Naquela semana, passei todos os dias na casa dela [da namorada]. Naquele dia, minha sogra me ofereceu um congelado”, disse ele, dizendo que se equivocou em depoimentos anteriores, quando tinha afirmado que tinha pedido uma pizza naquele dia.

O policial disse que sua advogada à época mandou uma mensagem para ele, enquanto ele estava na casa da namorada, por volta das 22h, alertando sobre as várias mortes que estavam ocorrendo na região e pedindo para que ele fosse dormir em casa e ele foi para sua residência. No dia seguinte, ele conta que recebeu uma ligação do comandante de seu batalhão pedindo para que fosse ao trabalho porque a Corregedoria tinha uma ordem de busca e apreensão para cumprir no seu armário do trabalho.

“Nada de ilícito foi encontrado no armário e então fui levado para a Corregedoria”, disse. Eleutério ficou sabendo que estava sendo acusado pela chacina e que uma testemunha o havia reconhecido. A mesma testemunha o reconheceu diversas vezes tanto em investigações conduzidas pela Corregedoria da Polícia quanto pelo Departamento Estadual de Homicídios e de Proteção à Pessoa (DHPP).

Foi então que ele entregou ao corregedor um celular em que havia conversas mantidas entre policiais, em um grupo de WhatsApp, falando sobre a chacina. No grupo, segundo ele, havia policiais que afirmavam que participaram da chacina.

Eleutério também contou, para surpresa da juíza e de várias pessoas que acompanhavam o julgamento, algumas delas parentes das vítimas, que teve acesso aos autos do processo. A juíza disse a ele que só os advogados dele poderiam ter acesso aos documentos.

Segundo réu

O segundo réu a depor foi o policial Henklain. Seu depoimento foi rápido: começou por volta das 18h55 e terminou às 19h25. No interrogatório, Henklain disse que estava em casa no horário dos crimes. Naquele dia, contou, ele tinha saído do trabalho às 18h e então foi para casa, onde chegou por volta das 21h. Sua esposa não estava em casa e então ele foi para a casa da sogra, que fica ao lado da sua, onde ficou conversando com seu cunhado, que foi uma das testemunhas de defesa que depôs hoje e confirmou sua história.

Depois da conversa com o cunhado, Henklain disse que foi para casa e, às 22h, saiu para fumar, momento em que seu cunhado o viu. O cunhado mora perto do policial. Mais tarde, às 23h, ele saiu de casa para buscar a sogra em um terminal de ônibus próximo. Segundo o policial, a sogra sabia dos crimes por meio de um grupo de família no WhatsApp e pediu para que ele fosse buscá-la.

Henklain negou ter discutido com a esposa naquele dia. A acusação sustenta que uma testemunha protegida, de nome não identificado porque ela teme falar sobre o caso, presenciou a discussão, que ocorreu, segundo a testemunha, porque a esposa o reconheceu como um dos assassinos em uma das imagens sobre o crime.

Nesse momento, o promotor do caso, Marcelo Alexandre de Oliveira, perguntou ao réu se ele tinha alguma divergência com um tio de sua esposa ou com a avó dela: Henklain respondeu que apenas com o tio. A pergunta do promotor provocou reações na plateia que acompanhava o julgamento e nos sete jurados porque provocou a suspeita sobre quem seria a testemunha protegida, que delatou Henklain.

“Diante de todas as acusações, tenho a dizer que sou inocente. As famílias das vítimas estão sofrendo, mas minha família também tem sofrido muito, principalmente minha esposa e filho”, neste momento, Henklain começou a chorar e soluçar alto e teve que ser retirado do tribunal por alguns segundos. Os jurados não tiveram reação, mas o outro réu do processo, que já tinha sido interrogado, chorou muito também neste momento. Na volta ao julgamento, ele mandou uma mensagem aos parentes das vítimas. “Meus sinceros sentimentos a todos. Tenho orado a Deus todos os dias por eles”, disse. “Se eu cometesse esses crimes, teria minha vida ceifada também”.

Terceiro réu

O terceiro e último réu a depor nesta quarta-feira foi o guarda-civil Sérgio Manhanhã. O depoimento começou por volta das 19h30 e às 20h já tinha acabado sem o guarda-civil ser interrogado pelos promotores ou por seus advogados, apenas pela juíza. No interrogatório, Manhanhã contou que, em 13 de agosto, ele foi ao enterro de um amigo, um guarda-civil que foi assassinado e que a Corregedoria aponta como o motivo para a chacina (a chacina teria ocorrido em vingança pela morte deste guarda-civil e também pela morte de um policial militar na região metropolitana naquele mesmo ano).

Ele disse que, naquele dia, os guardas solicitaram ao comandante do batalhão para que pudessem ir ao velório, o que foi autorizado. Terminando o velório, em Carapicuíba, ele se foi para o cemitério, onde o amigo de trabalho foi sepultado. “Retornei ao batalhão por volta das 17h. Dali fui para o Jardim Silveira”, disse o guarda. Ele contou que só foi a um dos locais do crime por volta das 23h para atender a ocorrência.

Manhanhã também negou que a troca de mensagens pelo celular que a investigação descobriu entre ele e um policial militar, naquela noite, se tratasse sobre a chacina. Segundo ele, os emojis [elementos com significado ou carinhas que representam expressões no WhatsApp] trocados entre ele e o policial, principalmente com sinal que indica a palavra “joia”, se tratava sobre o empréstimo de livro. Segundo o guarda, o policial tinha lhe emprestado um livro e eles combinaram um encontro para a devolução, que não foi efetivada.

Testemunhas de defesa

Antes do interrogatório dos policiais, oito testemunhas de defesa foram ouvidas hoje, duas delas pela manhã, de forma protegida, ou seja, sem a presença da plateia e dos réus. Três foram dispensadas pelos advogados de defesa dos militares. Com isso, 21 pessoas foram ouvidas no total desde segunda-feira, quando teve início o julgamento da chacina: quatro testemunhas de acusação foram ouvidas na segunda-feira, nove ontem [uma delas de defesa] e mais oito hoje.

Durante três depoimentos ocorridos hoje, os advogados dos réus pediram para que as testemunhas olhassem para os jurados para falar. Uma delas é um policial militar que ficou preso no Presídio Militar Romão Gomes acusado de ter participado da mesma chacina.

A juíza foi informada sobre o desconforto dos jurados sobre o fato de serem encarados pelas testemunhas e, na terceira vez que o advogado pediu para que isso ocorresse, foi repreendido pela juíza.

Houve divergência entre algumas das testemunhas que falaram hoje. Três delas disseram que não havia qualquer cooperação entre policiais militares e guardas-civis na época, como prega a defesa (a acusação acredita que policiais e guardas combinaram sair pelas ruas matando pessoas naquele dia), enquanto uma delas disse que sempre existiu cooperação entre as duas forças. Também houve divergência quanto ao horário de trabalho dos guardas-civis naquele dia.

Os nomes das testemunhas não foi divulgado oficialmente porque o processo corre sob sigilo para preservação das fontes.