logo Agência Brasil
Geral

Negros enfrentam mais dificuldades que brancos no mercado de trabalho, diz MPT

Camila Boehm – Repórter da Agência Brasil
Publicado em 08/11/2017 - 20:07
São Paulo
A presença de haitianos em situação ilegal em Iñapari divide opiniões
© MARCELLO CASAL JR
I apari (Peru) Haitinanos vivem em condiçoes precarias, falta agua, energia eletrica, pessimas condiçoes de higiene, dormem em alojamentos amontoados,eles nao estao em condiçoes legais, ajuda vem de alguns moradore

Negros sofrem três tipos de discriminação no mercado de trabalho: ocupacional, salarial e pela imagem, diz Cleber Santos Vieira, membro da Associação Brasileira de Pesquisadores Negros Marcello Casal Jr/Arquivo/Agência Brasil

Os negros enfrentam dificuldade na progressão de carreira, na igualdade de salários e são os mais vulneráveis ao assédio moral no ambiente de trabalho, apesar da proteção constitucional contra o racismo e a discriminação. A avaliação é do Ministério Público do Trabalho (MPT).

Segundo a coordenadora da Coordigualdade do MPT e procuradora do trabalho Valdirene Silva de Assis, por causa do preconceito, os negros têm também dificuldade de ocupar cargos de maior exposição, como relações públicas, caixa bancário, secretários e recepcionistas.

“Observamos que nosso texto constitucional traz proteção – nós temos vários dispositivos, alguns específicos sobre a questão trabalhista, que versam sobre os direitos sociais e que mencionam expressamente a vedação de toda e qualquer forma de discriminação, de diferenciação de salário, e o crime de racismo também é tipificado pela Constituição Federal. Apesar disso, a sociedade nos mostra que essa estrutura legal não consegue fazer com que se caminhe em uma situação diversa [da discriminação e da exclusão racial]”, disse Valdirene na tarde desta quarta-feira (8), ao participar do Seminário Racismo no Mundo do Trabalho, na sede do MPT em São Paulo.

A procuradora destacou que o percentual de negros na população brasileira é superior a 50%, embora o índice não se reflita em uma representação no ambiente de trabalho.

O professor Cleber Santos Vieira, da Universidade Federal de São Paulo (Unifesp), que é membro da Associação Brasileira de Pesquisadores Negros, apontou três tipos de discriminação frequentes no ambiente de trabalho: a primeira é a ocupacional, que questiona a capacidade do negro de desempenhar tarefas mais complexas, mesmo que este profissional seja capacitado para tais funções.

A segunda é a discriminação salarial, com o desrespeito à equiparação na remuneração de brancos e negros, sugerindo que o trabalho feito pelo negro tem menor valor. E a terceira é a discriminação pela imagem, na qual a pele escura e os cabelos crespos são alvo de preconceito e deixam os negros de fora de diversas oportunidades de trabalho.

Problema histórico

“O trabalho foi inicialmente usado no país como ferramenta de opressão e aprisionamento da população negra. A invisibilidade dos trabalhadores negros resulta diretamente da forma como a divisão social do trabalho foi constituída entre nós”, afirmou Cleber Vieira. Segundo o professor, o sistema escravista “racializou” toda a estrutura da sociedade brasileira, e a permanência do racismo é um traço estruturante fundamental.

“No Brasil escravista, os papéis dados aos indivíduos eram determinados pela cor da pele. Enquanto o trabalho na administração pública, política, justiça, nas atividades comerciais, era reservado à população branca, o trabalho manual das matas, fazendas e minas era realizado por por negros”, disse Vieira. Ele acrescentou que os trabalhos mais qualificados, considerados nobres, eram exercidos por uma minoria branca. Já o trabalho braçal e mal remunerados cabia aos negros, primeiramente os escravos e os negros chamados livres após a abolição da escravidão no papel, enfatizou.

A representante da Organização Internacional do Trabalho (OIT) no evento, Thaís Faria, apresentou dados que mostram a continuidade desse modelo de discriminação e racismo. “Quando olhamos os dados sobre salários e sobre informalidade, vemos como a situação é extremamente real e cruel. A média de salário do homem branco é R$ 2.507; a da mulher branca, R$ 1.810; a do homem negro, R$ 1.458; e a da mulher negra, R$ 1.071”, disse Thaís, que é  oficial técnica em princípios e direitos fundamentais no trabalho da OIT.

Quando o recorte é o trabalho informal, a mulher negra tem a maior taxa de informalidade no mercado de trabalho no Brasil. “Vemos, por exemplo, que, na categoria das trabalhadoras domésticas, quase 90% são mulheres negras”, ressaltou a representante da OIT. Ela acrescentou que grande dessas mulheres é chefe de família e que a categoria das domésticas é uma das que mais sofrem de depressão, inclusive pela instabilidade no trabalho.

“Porque, se ela é chefe de família, tem filhos para criar e está na informalidade, se adoecer, não recebe dinheiro. Como é que cria sua própria família? Qualquer crise que a pessoa tenha e perca o emprego, como é que vai criar a família? São pessoas que têm um número muito grande acidentes de trabalho e que também estão envolvidas em casos de assédio sexual e outros tipos de violência”, disse Thaís.

A representante da OIT destacou que não existe desenvolvimento econômico sem justiça social. “[É preciso] promover a justiça social e a diminuição da pobreza. Não se diminui a pobreza sem dar condições iguais a  todas as pessoas, para que possam produzir, ter um trabalho decente, um trabalho digno. Por fim, é um tema de desenvolvimento social e econômico, porque estamos falando de força de trabalho de igual valor. E quando excluímos essa juventude [negra] de participar da força de trabalho e produtividade do Brasil, perdemos dinheiro, perdemos na economia, perdemos no desenvolvimento econômico, perdemos na promoção da justiça social.”

Setor bancário

A discriminação, como mostra a história do Brasil, ocorre em diversos setores, inclusive no bancário, destacou a secretária-geral do Sindicato dos Bancários de São Paulo, Osasco e Região, Neiva Santos. O sindicato realizou dois censos, em 2008 e 2014, para avaliar a discriminação de gênero e cor no setor bancário. “No topo da pirâmide [cargos mais altos] não tem mulheres, não tem negros nem mulher negra. De forma alguma. Porque não haverá ascensão enquanto não quebrarmos o preconceito e o racismo no setor financeiro”, afirmou a sindicalista.

Segundo as informações mais atualizadas, do censo de 2014, as mulheres no setor bancário ganham 77% da remuneração dos homens. “Melhoramos esse indicador desde 2008 em 1,5%. Conforme cálculo do Dieese [Departamento Intersindical de Estatística e Estudos Socioeconômicos], se a cada seis anos conseguirmos melhorar 1,5%, vamos demorar 88 anos para ter salários iguais aos dos homens, se continuar neste ritmo.”

“Se olharmos o rendimento médio dos bancários por cor, a média mensal dos negros é 84% em relação ao dos brancos. No mesmo ritmo [considerado entre 2008 e 2014], nós demoraríamos 23 anos para ter equiparação salarial entre negros e brancos”, acrescentou Neiva.

Para a sindicalista, outra questão grave é que as mulheres negras recebem o equivalente a 68% do rendimento dos homens brancos. “Se você olhar o setor financeiro, é muito raro você ver uma gerente negra. Então os bancos, vão contratar [negras] para áreas invisíveis.”

No censo de 2008, os negros representavam em torno de 18% da categoria dos bancários. No último levantamento, em 2014, o percentual passou para 24,7% (21,3% pardos e 3,4% pretos), o que ainda não reflete o presença dos negros na sociedade brasileira. Apesar desse aumento na participação em cargos no setor bancário, Neiva afirmou que a ascensão na carreira continua difícil.