Novo governo terá desafio de garantir cumprimento das metas climáticas
O período eleitoral brasileiro é visto com expectativa e preocupação por ambientalistas e pesquisadores internacionais e brasileiros que trabalham pela redução do aquecimento global. Além do presidente da República, o pleito de outubro vai definir os próximos legisladores e gestores estaduais que vão conduzir as políticas ambientais que visam reduzir o volume de emissão de gases de efeito estufa e atingir as metas do chamado Acordo de Paris.
Apesar de ser reconhecido em nível global como um protagonista nas discussões climáticas, o Brasil também tem chamado atenção no cenário internacional pelo quadro de incerteza política e econômica. O secretário-executivo do Programa das Nações Unidas para o Meio Ambiente (Pnuma), Erik Solheim, pondera que a tendência de redução do desmatamento no Brasil e do alcance das outras metas ambientais depende agora do resultado das eleições de outubro.
“Vamos ver como vão proceder depois das eleições presidenciais de outubro. Apesar da enorme crise, uma das mais profundas da nação nos últimos anos, e do número alto de processos e escândalos de corrupção, de uma forma geral, eu acho que é notável o quão forte a política ambiental se manteve no Brasil. Mas, vai depender da eleição do próximo presidente”, comentou Erik à Agência Brasil, durante o Global Climate Action Summit, um encontro de ação global pelo clima realizado em setembro na cidade de São Francisco, Califórnia (EUA).
A percepção é compartilhada por especialistas brasileiros, que reafirmam a importância dos esforços e progressos vistos na redução do desmatamento desde 2004, mas preferem aguardar a definição do cenário eleitoral para avaliar melhor o potencial brasileiro de alcançar as metas climáticas.
“O desmatamento ainda não está sob controle e nem está em taxas residuais. Continuamos destruindo, só na Amazônia, 7 mil quilômetros quadrados de floresta, 78% acima da meta para daqui a dois anos. No Cerrado, foram devastados quase 7,5 mil quilômetros no ano passado. São 14 mil quilômetros quadrados só nas duas regiões. Estamos em um momento muito preocupante e não poderíamos dizer taxativamente que, em 2019, estaremos em um caminho de maior responsabilidade”, destaca Carlos Rittl, secretário-executivo do Observatório do Clima.
O pesquisador alerta que algumas medidas recentes adotadas na área ambiental, como isenção tributária de setores da economia que emitem muito carbono, anistia a crimes ambientais, como ocupação ilegal de terras preservadas por grileiros, redução de áreas de proteção e tentativa de enfraquecimento das leis que garantem a delimitação de terras indígenas, seguem na contramão dos compromissos internacionais de mitigação das alterações climáticas.
O Instituto de Pesquisa Ambiental da Amazônia (Ipam) também manifesta preocupação com a tendência de afrouxamento da legislação de proteção ambiental e espera que as metas climáticas sejam mantidas. “Estamos falando de ações que dependem do governo federal, em grande parte. Algumas ações, como mudanças de lei e ajustes em políticas públicas também dependem eventualmente do Congresso Nacional. Então, tudo vai depender do que vamos ter depois das eleições”, avaliou o agrônomo André Guimarães, diretor executivo do Ipam.
Para o Ministério do Meio Ambiente, as políticas ambientais e de estímulo à produção de energias renováveis são políticas de Estado, e instrumentos como o Código Florestal e o Cadastro Ambiental Rural já estão consolidados entre pesquisadores e considerados como exigências por instituições bancárias, por exemplo, na concessão de crédito para produtores.
“Combater o desmatamento ilegal no Brasil já não é mais uma questão partidária, é uma questão de política de Estado, porque qualquer espectro político consegue confirmar que trabalhar na ilegalidade, para o setor privado, é um negócio inviável”, afirma o secretário de Mudança do Clima e Florestas, Thiago Mendes.
O secretário acrescenta que a política de biocombustível é uma questão de segurança nacional e de redução da vulnerabilidade em relação às variações de preço do petróleo, além de contribuir para a geração de empregos e atração de recursos.
“Essas políticas são estruturantes e de Estado, independentes do processo eleitoral. E acreditamos que tanto o setor empresarial, quanto o financeiro reconhecem como políticas estruturantes. Há expectativa baixa de que esses programas sejam desativados em uma mudança de governo”, completa.
Mendes ressalta, no entanto, que o resultado eleitoral pode afetar a intenção do país em sediar a Conferência das Partes sobre Mudanças Climáticas (COP) do ano que vem. O Brasil é o único país da América Latina e Caribe a apresentar candidatura, mas depende de aprovação dos outros países da região, que podem mudar sua posição a depender da conjuntura política.
“Esse pleito continua sobre a mesa. Não temos nenhuma indicação de que ele tenha sido rechaçado ou retirado. No entanto, temos algumas dificuldades diplomáticas, porque, para que a gente possa realizar a conferência, é necessário ter consenso na região, e o Brasil tem o aval da América Latina e Caribe. É preciso que a gente confirme esse consenso.”, explicou o secretário.
A expectativa é que a decisão seja tomada na COP 24, que será realizada em dezembro, na Polônia. O MMA está formatando um projeto para envolver o setor privado e a sociedade civil para auxiliar financeiramente na realização da Conferência do ano que vem no Brasil. Rio de Janeiro, Salvador, cidades do Paraná e São Paulo sinalizaram interesse em sediar o evento.
*A repórter participou do evento em São Francisco a convite do International Center for Journalists (ICFJ) e da Fundação das Nações Unidas (UN Foundation).