Festa Literária das Periferias reúne escritores negros no Rio
A sétima edição da Festa Literária das Periferias (Flup) começa amanhã (6), na capital fluminense, marcando a primeira vez que o evento ocorre fora de uma favela. Esta é também a primeira vez que a festa será realizada dentro de um equipamento público, que é a Biblioteca Parque Estadual, localizada na chamada Pequena África, região central do Rio de Janeiro, que se estende da Praça Mauá até a Praça Onze, onde se instalou a população negra após a abolição da escravatura.
“Nós estamos fazendo isso por conta do tipo de programação que a gente elencou, que é uma programação inteiramente negra. A negritude está no nosso DNA”, salientou hoje (5), em entrevista à Agência Brasil, o criador da Flup, Julio Ludemir. O curador lembrou que, na primeira edição da Flup, em 2012, quando o homenageado foi o escritor Lima Barreto, “havia uma percepção de que a periferia, a favela e o Brasil com o qual a gente quer dialogar é um Brasil negro”. Em 2016, todos os autores participantes da festa foram negros.
Julio Ludemir enfatizou que existe, atualmente, uma geração de autores negros interessados em produzir livros para alimentar o imaginário e a autoestima das crianças negras. Avaliou que, “não à toa, [essas crianças] não têm sido boas leitoras ao longo da história porque os livros que chegam para elas são produzidos por brancos com questões brancas, que terminam reforçando um sentimento de exclusão nessas crianças”.
Durante os seis dias da Flup 2018, haverá debates sobre questões relacionadas à negritude, dos quais participarão, entre outros, Gilberto Gil, Luciana Diogo, Heloisa Buarque de Hollanda, Giovani Xavier, Bonaventure Ndikung (Camarões), Felwine Sarr (Senegal), Paola Anacoana (França), Saul William (EUA) e Taiye Selasi (Inglaterra).
Novas populações
A presença maciça de escritores negros está sendo reforçada este ano, disse Ludemir. São, ao todo 80, escritores negros do Brasil, dos Estados Unidos, de Cuba, Trinidad e Tobago, Camarões, Haiti e de países da Europa, entre os quais França, Inglaterra e, inclusive, da Noruega. “Como a questão da negritude é central para o Brasil, a gente entendeu que deveria fazer esta Flup em um lugar que pudesse ser acessado por toda a cidade, um lugar central, até semanticamente, próximo à Central do Brasil”.
Segundo Julio Ludemir, os escritores da América e da Europa representam pessoas que se radicaram nessas regiões no meio da grande crise migratória que o mundo está vivendo. “Isso está reinventando a Europa e as grandes cidades da América por dentro, com uma nova população e com as novas gerações”, comentou.
O curador destacou que não cabe mais se olhar para a África com a visão do “coitadinho”, mas deve se reconhecer a complexidade e, acima de tudo, a qualidade e a atualidade do que está sendo produzido naquele continente.
Homenageados
Os homenageados desta edição da Flup são o escritor e músico fluminense Martinho da Vila e a escritora maranhense Maria Firmina dos Reis, considerada a primeira romancista negra brasileira, nascida em 1825 e morta aos 92 anos, em 1917. O trabalho de formação de autores da 7ª Flup foi dedicado a Martinho da Vila e resultou na elaboração de um livro com contos e crônicas criados a partir das principais letras do compositor, além de poesias que privilegiam temas ligados à negritude. O livro será lançado durante o evento.
Maria Firmina, de outro lado, está sendo redescoberta agora pela geração de intelectuais negros que surgiu a partir das políticas inclusivas e das ações afirmativas implantadas no país. Ludemir ressaltou que essas políticas reinventaram as universidades e, ao fazê-lo, “estão reinventando o mercado de trabalho, a indústria cultural, onde hoje você tem uma participação muito expressiva de jovens negros”.
Poetry slam
A 7ª Flup será encerrada no domingo (11) com as batalhas de poesia falada, ou poetry slams, que são competições onde os participantes recitam poesias criadas no momento. Divididas em slam nacional e internacional, as batalhas reunirão poetas de 16 estados brasileiros e de diversos países, “todos negros”, acentuou Ludemir.
Haverá ainda uma competição de poesias para estudantes do ensino médio da rede pública, o Slam Colegial, no dia 9, do qual participarão alunos de 14 escolas localizadas desde a Praça São Salvador, zona sul da cidade, até a Mangueira, na zona norte.
A Flup é patrocinada pelo Banco Nacional de Desenvolvimento Econômico e Social (BNDES) desde sua primeira edição, em 2012. Ao longo dos anos, a festa reuniu cerca de 500 autores e um público de mais de 100 mil pessoas. Este ano, a Flup recebeu apoio financeiro do banco no montante de R$ 600 mil. Esses recursos contam com benefício fiscal da Lei Rouanet, informou a assessoria de imprensa do BNDES.