Reflorestamento na bacia do Rio Doce usa mudas de pequenos produtores
Recuperar 5 mil nascentes e 40 mil hectares de áreas de preservação ambiental na bacia do Rio Doce foi um dos compromissos assumidos pela Samarco e por suas acionistas Vale e BHP Billiton, em acordo firmado em março de 2016 entre o governo federal e os de Minas Gerais e do Espírito Santo. A medida, de caráter compensatório, visa a restaurar a mata nativa além da área que foi degradada após o rompimento da barragem da mineradora em Mariana (MG). Passados quatros anos da tragédia, esse trabalho é reforçado por famílias de trabalhadores rurais.
O acordo entre as mineradoras e os governos também levou à criação da Fundação Renova para gerir todas as medidas reparatórias e compensatórias dos danos causados. A entidade firmou com o Movimento dos Trabalhadores Rurais sem Terra (MST) um convênio para produzir, este ano, 150 mil mudas. As famílias também participam do plantio, que foi planejado para o início do período chuvoso e teve início na última semana. A meta é recuperar 180 hectares mas, como o trabalho vem sendo bem avaliado, já se estuda uma expansão para 340 hectares, com a demanda por mais mudas e a consolidação da parceria.
"São 11 espécies, entre elas pau d’alho, farinha seca, angico vermelho, trema micrantha, gurindiba, goiaba e araçá, todas nativas de Mata Atlântica Elas são divididas em duas funções ecossistêmicas: as de recobrimento para crescer rápido em solos pobres e formar copas para combater o capim, que é uma espécie exótica e invasora, e as espécies de diversidade, que vão durar mais tempo, chegando a 100, 200 ou mais anos e garantindo a perpetuação da floresta", explica Leandro Abrahão, engenheiro florestal da Fundação Renova. Ele elogia a capacidade de organização das famílias e a agilidade do trabalho.
As mudas são produzidas no assentamento Liberdade, no município de Periquito (MG). Vivem no local 33 famílias assentadas pelo Instituto Nacional de Colonização e Reforma Agrária (Incra) e mais seis que aguardam a conclusão de seus processos.
"A parceria com a Fundação Renova fortalece o desejo do MST de produzir e, ao mesmo tempo, proteger a natureza. Produzir água e comida de forma sustentável. Aqui na bacia do Rio Doce, são 200 anos de degradação ambiental causada por um processo equivocado de exploração, usando de forma predatória áreas de preservação, e a situação se agravou com o rompimento da barragem", afirma Agnaldo Batista, coordenador do setor de produção do movimento em Minas.
Eles buscam entidades e empresas que têm passivo ambiental ou iniciativas de recuperação ambiental e que possam se interessar em firmar convênio. "Temos um potencial grande. Atualmente possuímos em torno de 700 mil mudas nos seis viveiros espalhados pelo estado".
Um exemplo é o convênio com a Companhia Energética de Minas Gerais (Cemig) para reduzir o passivo ambiental acumulado pela estatal mineira. Serão reflorestadas áreas em diferentes regiões do estado, somando 116 hectares. Parcerias também são firmadas para o desenvolvimento dos viveiros.
Sementes
Dos 40 mil hectares a serem recuperados pela Fundação Renova, 30 mil serão por regeneração natural e outros 10 mil de plantio direto. O acordo de 2016 fixou um prazo de 10 anos para cumprimento dessas metas e a estimativa é de um investimento aproximado de R$ 1,1 bilhão. Um estudo com os viveiros da região revelou alguns desafios para a conclusão dessa tarefa.
"A aquisição de sementes é feita com poucos fornecedores. Então, há pouca variabilidade genética e isso é um grande problema para a restauração. Por isso, estamos criando a rede de sementes e mudas da bacia do Rio Doce. Vislumbramos um horizonte de 500 coletores de semente espalhados na bacia", diz Leandro Abrahão. Essa rede deverá ser responsável pelo abastecimento de pelo menos 50% da demanda da Fundação Renova, incentivado o desenvolvimento da cadeia produtiva, ampliando esse mercado na região e gerando emprego. A expectativa é de que, somente em 2019, sejam incubadas cerca de 3,5 tonoeladas de sementes.
Em setembro, o programa de reflorestamento deu início à fase de plantio. As variadas frentes que compõem essa primeira fase somam 800 hectares em áreas dos municípios de Governador Valadares, Coimbra, Periquito e Galileia, no estado de Minas Gerais, além de Colatina, Marilândia e Pancas, no Espírito Santo. Pesquisadores da Universidade Federal de Minas Gerais (UFMG) e da Universidade Federal de Viçosa (UFV) atuam como parceiros, ajudando na definição de áreas prioritárias e testando técnicas que permitam resultados melhores.
Um relatório da consultoria Ramboll, divulgado nesta semana, registra que, até julho deste ano, das florestas e áreas de proteção permanente atingidas pelos rejeitos, foram reflorestadas 79 dos 664 hectares. De acordo com a consultoria, isso significa que apenas 12% da meta foi atingida, passados 91% do prazo estipulado para a medida. O reflorestamento dessa área deveria ser concluído em março de 2020. "É possível concluir que a restauração florestal está apenas começando, e há grande chance de que o compromisso não seja cumprido no prazo", diz a Ramboll.
A Ramboll é uma das empresas que foram contratadas conforme acordo firmado em janeiro de 2017 entre o Ministério Público Federal (MPF) e as mineradoras, no qual ficou definida que perícias especializadas avaliariam os impactos da tragédia e o andamento das ações de reparação. A consultoria também avaliou a qualidade da restauração após o último período chuvoso de 2019 e constatou que a mortalidade das mudas foi de 50%. "A Fundação Renova não executou a reposição das mudas mortas. Verificou-se que foram plantadas mudas de espécies de árvores exóticas em locais onde só deveriam haver espécies nativas", acrescenta a consultoria.
O reflorestamento também será desenvolvido a partir do método de Pagamento por Serviços Ambientais (PSA). A iniciativa, recomendada pela Agência Nacional da Águas (ANA), envolve a remuneração dos produtores rurais que adotem medidas por cinco anos para proteger áreas de preservação ambiental e nascentes existentes em sua propriedade. A expectativa é que o PSA permita recuperar mil hectares degradados e 500 nascentes.
Em julho deste ano, um primeiro edital lançado pela Fundação Renova contemplou todos os 270 proprietários que se candidataram. Além de proteger mananciais em seus terrenos, eles precisarão realizar o plantio de espécies florestais nativas e implementar projetos de conservação do solo e água em áreas produtivas. Os recursos devem ser pagos a partir deste mês. Serão repassados anualmente R$ 252 por hectare. Isso significa que um produtor que disponibilize, por exemplo, quatro hectares receberá R$ 1.008 anualmente, ao longo de cinco anos. Um segundo edital está aberto desde o dia 5 de agosto e se encerra em 1º de dezembro.
Além das ações de reflorestamento, está previsto um aporte de R$ 63 milhões para melhorias no Parque Estadual do Rio Doce. Criado em 1944 como a primeira unidade de conservação vinculada ao estado de Minas Gerais, ele é hoje o maior maciço florestal contínuo de Mata Atlântica do país. Trata-se de outra ação compensatória prevista no acordo entre as mineradoras e o Poder Público. Os recursos serão voltados para realizar diagnóstico estrutural, georreferenciamento, revisão do plano de manejo, pesquisas sobre biodiversidade, entre outras medidas.
*Léo Rodrigues e Tania Rego viajaram a convite da Fundação Renova