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Cultura

Covid-19: pesquisa revela perda nos setores cultural e criativo

Os dois segmentos movimentam R$ 171,5 bilhões por ano
Alana Gandra - Repórter da Agência Brasil
Publicado em 30/06/2020 - 07:50
Rio de Janeiro
O espetáculo cubano La Virgen Triste, da Companhia Galiano 108, faz parte da programação da mostra
© Divulgação/10ª Mostra Latino-Americana de Teatro de Grupo

Resultados preliminares da pesquisa Percepção dos Impactos da Covid-19 nos Setores Culturais e Criativos do Brasil, divulgados ontem (29), no Rio de Janeiro, em videoconferência, revelam que os setores da cultura e da economia criativa foram os mais afetados pela pandemia do novo coronavírus, “porque tendem a voltar à atividade só no fim da crise”. 

A análise foi feita pelo sociólogo Rodrigo Amaral, da Faculdade de Filosofia, Letras e Ciências Humanas da Universidade de São Paulo (USP) e um dos idealizadores do estudo. Segundo ele, a sondagem confirma o cenário de perda. “A preocupação das pessoas está muito negativa, de perda generalizada”, disse.

Como em todos os setores da economia, o impacto da pandemia sobre a cultura e a economia criativa é muito forte, afirmou. Entre as organizações ligadas aos dois setores, mais de 40% disseram ter registrado perda de receita entre 50% e 100%. 

Já para os trabalhadores, as perdas narradas ficaram na média de 35%. Os dois setores movimentam R$ 171,5 bilhões por ano, o equivalente a 2,61% de toda a riqueza nacional, empregando 837,2 mil profissionais. Antes da pandemia, esses segmentos culturais e criativos tinham previsão de gerar R$ 43,7 bilhões para o Produto Interno Bruto (PIB) até 2021. O PIB é a soma de todas as riquezas produzidas pelo país.

Rodrigo Amaral informou que o trabalho recebeu uma forte participação da Região Norte, por meio do Amazonas e, sobretudo, de Manaus, onde foi percebido um comportamento mais acentuado de perda de receita provocada pela pandemia. 

O menor impacto foi observado em São Paulo, onde 31% disseram ter perdido toda a receita entre março e abril. Em contrapartida, o maior impacto ocorreu no Rio Grande do Sul, onde 63% afirmaram que não tiveram receita no mesmo período.

Esforço conjunto

O levantamento foi concebido a partir do esforço conjunto de pesquisadores, gestores públicos, universidades e instituições culturais, interessados em registrar a visão de indivíduos e coletivos sobre os impactos da covid-19 nas suas áreas de atuação, nas cadeias de produção e distribuição. 

O trabalho foi lançado no último dia 10 e ficará aberto para coleta de dados até o dia 16 de julho. A divulgação do relatório final está prevista para 31 de julho. Os resultados serão oferecidos às secretarias de cultura, como subsídio para a formulação de políticas públicas para os setores.

Até o momento, mais de 964 organizações e trabalhadores dos setores cultural e criativo responderam ao questionário, que pode ser acessado no link. Desse total, 69% foram respondentes individuais e 31% organizações, com predominância de artes performáticas, música e celebrações. 

Entre os que responderam ao questionário, foi observada predominância de pessoas da cor branca, com ensino superior acima da média e com paridade entre homens e mulheres, na faixa etária entre 30 e 39 anos de idade (34%).

Durante a vídeoconferência, a deputada federal Jandira Feghali (PCdoB-RJ) anunciou ter recebido do ministro do Turismo, Marcelo Álvaro, a notícia da sanção presidencial à Lei Emergencial da Cultura Aldir Blanc. Ela foi relatora do projeto. A lei determina o repasse de R$ 3 bilhões para o setor cultural e foi sancionada integralmente, à exceção do prazo de 15 dias para repassse dos recursos a estados e municípios.

Meio digital

Rodrigo Amaral salientou que, embora todos estejam sofrendo igualmente, algumas áreas da cultura e da economia criativa não conseguem fazer uma transição muito simples para as plataformas digitais. A exceção é o setor da música. Afirmou que o meio digital pode ser uma porta de saída que oferece disponibilidade de infraestrutura a um preço adequado.

A ideia agora é fazer um aprofundamento mais qualitativo da pesquisa, que conta com apoio do Serviço Social do Comércio (Sesc), da representação da Organização das Nações Unidas para a Educação, a Ciência e a Cultura (Unesco) no Brasil, do Fórum dos Secretários e Dirigentes de Cultura Estadual e das secretarias de Cultura de Alagoas, Amazonas, Bahia, Ceará, Espírito Santo, Maranhão, Pará, Paraná, Pernambuco e Sergipe. 

O pesquisador André Lira, também idealizador do projeto, disse que vai se procurar ampliar o número de parceiros para permitir ter dados que contemplem todo o país e permitam pensar soluções e implementá-las.

Interiorização

A pesquisa busca interiorizar a captura de dados nas diferentes regiões brasileiras, contemplando profissionais que residem em cidades distantes dos grandes centros, incluindo comunidades indígenas, ribeirinhas, quilombolas e ciganas, entre outras. No âmbito das secretarias municipais, Amaral indicou que os respondentes informaram que a maior parte das ações de apoio aos setores culturais e criativos na pandemia tem se dado por meio da criação de editais e na distribuição de auxílios de pequena monta e cestas básicas, “na forma de socorro emergencial”.

A diretora de Programas Sociais do Departamento Nacional do Sesc, Lúcia Prado, disse que o Sesc acredita muito na possibilidade de promover essa capilaridade e interiorização, foco da pesquisa e da instituição. Lembrou que o Sesc conta atualmente com 600 unidades espalhadas pelo Brasil, totalizando dois mil municípios. Segundo ela, o Sesc pode ajudar a promover a pesquisa em todo o país.

Para a presidente do Fórum dos Secretários e Dirigentes de Cultura Estadual, Ursula Vidal, o estudo vem em um momento oportuno, porque entra como instrumemto auxiliar muito importante no processo de mapeamento da cultura, da arte e da economia criativa. “Será uma ferramenta muito importante para essa radiografia e instrumentalização de estados e municípios”.

A coordenadora de Cultura da Unesco no Brasil, Isabel de Paula, não tem dúvidas da importância do levantamento para mapear o setor cultural que sofre com a pandemia e vai encontrar caminhos para o desenvolvimento de políticas públicas para o setor. “Teremos que pensar em uma nova maneira de construir esse trabalho”, disse Isabel, garantindo o apoio da Unesco a esse esforço. 

A diretora da Faculdade de Filosofia, Letras e Ciências Humanas da USP, Maria Arminda do Nascimento Arruda, ponderou que a crise do financiamento no setor da cultura já se arrasta desde 2016, e propôs a organização de um amplo debate, qualitativo, a respeito dos dados obtidos na pesquisa.

*Matéria alterada às 13h59 para acréscimo de informações