Rio: famílias de baixa renda despejadas buscam solução em Maricá

Ordem de reintegração de posse foi cumprida nesta quarta

Publicado em 08/02/2023 - 21:41 Por Léo Rodrigues - Repórter da Agência Brasil - Rio de Janeiro

O cumprimento de uma ordem de reintegração de posse hoje (8) em Maricá (RJ) levou 17 famílias de baixa renda para a porta da Secretaria Municipal de Agricultura, Pecuária e Pesca. Afirmando não ter para onde ir, elas se dirigiram ao local em busca de uma solução. Desde o ano passado, o caso gerava preocupação da seccional fluminense da Ordem dos Advogados do Brasil (OAB-RJ), que empreendeu esforços para uma mediação tanto no âmbito judicial como no âmbito administrativo para evitar o despejo.

A reintegração de posse foi cumprida em uma área da fazenda pertencente à empresa Rio Fundo Agropecuária, no distrito de Ubatiba. No local, há um imóvel chamado de Casa Grande, onde as famílias se alojaram há cerca de cinco meses, dando início à Ocupação Ecovila Maricá. Elas sustentam que o lugar estava abandonado e o imóvel vazio. Nos autos do processo em que pediu a reintegração de posse, a Rio Fundo Agropecuária afirma que explora atividade comercial no local. A Agência Brasil tentou sem sucesso contato com a empresa.

A prefeitura de Maricá, por meio da sua Secretaria de Habitação e Assentamentos Humanos, informou em nota que cadastrou 14 famílias no programa de Aluguel Social, benefício cujo objetivo é viabilizar o aluguel de quartos ou casas temporariamente. Segundo o município, a primeira parcela já foi paga.

O município informou também que um levantamento realizado em novembro do ano passado apontava que 28 famílias ocupavam a fazenda, das quais 12 possuíam residência fixa na cidade. "É importante esclarecer que a reforma agrária é atribuição exclusiva da União, por meio do Instituto Nacional de Colonização e Reforma Agrária (Incra)", acrescentou a prefeitura.

Um relatório da Comissão de Direitos Humanos da OAB-RJ chegou a apontar que os ocupantes encontravam-se em estado de extrema vulnerabilidade socioeconômica e eram compostos majoritariamente por pessoas desempregadas e mulheres, incluindo várias mães solo que passaram por situação de violência doméstica e não obtiveram o benefício do auxílio-aluguel, uma das medidas protetivas previstas na Lei Maria da Penha.

Movimento

Segundo o Movimento Nacional de Luta por Moradia (MNLM), que responde pela coordenação da ocupação, as famílias passaram a viver no local porque o município não destinou um terreno para a construção da Ecovila Maricá, o que estaria em consonância com a legislação municipal. Um projeto chegou a ser apresentado, mas não foi adiante.

O movimento se refere à Lei Municipal 2.864/2019, que cria o Centro de Tecnologia Agrofamiliar, voltado para a formação de produtores rurais, e o Programa Comunas Agroecológicas, em apoio ao desenvolvimento de atividades econômicas de base comunitária em benefício de inscritos no Cadastro Único para Programas Sociais (CadÚnico). A lei estabelece que o município poderá disponibilizar terras para assentar as famílias e, inclusive, propor desapropriações para fins de interesse público.

Desocupação

De acordo com Telma Martins, integrante do MNLM e uma das pessoas despejadas, os ocupantes receberam a visita de um oficial de Justiça acompanhado de quatro viaturas da Polícia Militar e precisaram deixar o local sem acompanhamento e amparo de órgãos públicos e de assistentes sociais. Ela se queixou também que um dos caminhões usados para retirar os pertences dos ocupantes não era fechado, o que preocupava as famílias diante da previsão de chuva.

"Estamos pleiteando um terreno onde possamos ter moradia, trabalho e renda. Só queremos uma vida saudável. Poder produzir e comer um alimento limpo. Não se trata de uma invasão. Invasão acontece em espaço em uso. É uma ocupação de um imóvel que estava vazio. E só estamos pedindo algo que está na Constituição. Todo cidadão tem direito à moradia", disse ela.

Telma afirmou ainda que a Casa Grande é um imóvel do final do século 18 e que se encontrava deteriorado. "Quando nós ocupamos, também buscamos denunciar a falta de cuidado. Essa casa tem que ser tombada. Ela faz parte da história de Maricá", disse.

OAB-RJ

Em meio a uma tentativa de reintegração de posse que acabou suspensa em novembro do ano passado, a OAB-RJ chegou a divulgar uma nota apontando que o conflito não seria solucionado com inércia e omissão por parte do poder público. Na época, a advogada Anna Cecília Faro Bonan, integrante da Comissão de Direitos Humanos da entidade, disse à Agência Brasil que o Cadastro Nacional da Pessoa Jurídica (CNPJ) da Rio Fundo Agropecuária estava inativo na Receita Federal. "Se estão produzindo alguma coisa, estão sonegando impostos".

Nos autos do processo que discutiu o caso, a Defensoria Pública do Rio de Janeiro informou à Justiça que realizou uma vistoria no local e encontrou de 20 a 30 cabeças de gado. Ainda de acordo com o órgão, o imóvel estava completamente vazio antes da ocupação e, em um levantamento, foi constatado que ele está penhorado por força de decisões proferidas em três diferentes ações judiciais.

Matéria alterada no dia 9 de fevereiro de 2023, às 9h, para acrescentar o terceiro parágrafo.

Edição: Fábio Massalli

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