Macri buscará diversificação de parcerias comerciais, diz especialista

Publicado em 23/11/2015 - 18:55 Por Pedro Peduzzi – Repórter da Agência Brasil - Brasília

macri eleito presidente da Argentina

Eleito em segundo turno, Mauricio Macri tomará posse no dia 10 de dezembro        Agência Télam

As eleições presidenciais argentinas, vencidas em segundo turno pelo empresário Mauricio Macri, do Proposta Republicana (PRO), podem resultar em mudanças que vão além das fronteiras daquele país, influenciando as relações com diversos outros países e com outros mercados além do Mercosul.

Prevista para o dia 10 de dezembro, a posse de Macri representa o fim de 12 anos de governos kirchner-peronistas – termo que, segundo o professor do Departamento de Relações Internacionais da Universidade de Brasília (UnB) Matias Franchini, não tem significado ideológico muito claro.

“Não há uma ideologia específica para os peronistas. Eles são bastante camaleônicos. Uma hora são de esquerda, como têm sido desde 2003; outra hora são de direita, como foram nos anos 90. Trata-se de um partido cuja ideologia é buscar sempre o poder. Historicamente, os peronistas interpretam o sentimento da sociedade e se adaptam ao estado de espírito da sociedade naquele momento. Só daqui a dois anos, com o início das eleições legislativas, poderemos ter uma ideia sobre qual será a definição da nova tendência dos peronistas”, disse o professor à Agência Brasil. Franchini é argentino e vive há cerca de sete anos no Brasil.

Segundo Franchini, o novo governo terá como ponto de partida um país bastante isolado comercialmente e com discurso político próximo dos adotados por Venezuela, Rússia e Irã. Trata-se de algo complexo para um governo de centro-direita como o que será implantado por Macri, afirmou o professor. “Ele terá o desafio de modificar a tendência de centro-esquerda que se observava na política argentina, para tentar sair do isolacionismo comercial adotado nos últimos anos”, disse Franchini, referindo-se à retração comercial de seu país com os Estados Unidos e a Europa.

“Em seguida, a Argentina provavelmente buscará se afastar do chamado eixo bolivariano, em especial da Venezuela, que, com a Rússia e o Irã, constitui os principais eixos do discurso político adotado pelo governo Kirchner". Macri já havia criticado, reiteradas vezes, a Venezuela pelo desrespeito aos direitos humanos e pelas violações à Carta Democrática da Organização dos Estados Americanos (OEA). Em diversos momentos. ele pediu a saída da Venezuela do Mercosul.

Na opinião do professor da UnB, a mudança na presidência argentina pode diminuir a relevância do Mercosul para aquele país, o que provavelmente favorecerá um processo de revisão do bloco. “Mas os vínculos permanecerão”, disse Franchini. Ele acrescentou que isso poderá colocar a Argentina “em posição de confronto político” com o Brasil, país com o qual as relações já vinham sendo bastante complexas. “Há muito conflito comercial apesar de os discursos serem sempre no sentido de alimentar a narrativa do Mercosul. Essa relação tem passado por crises, mas o vínculo é ainda muito forte e deverá ser mantido, já que a força econômica entre as empresas dos dois países independem de interesses políticos imediatos”, explicou o professor argentino.

“Imagino que, a partir do próximo governo, essas questões sejam conversadas de forma mais aberta e transparente. Ao mesmo tempo, a Argentina buscará novas parcerias comerciais. Isso, claro, poderá colocar o Mercosul em risco, mas não acredito que vá ser abandonado. Vejo, no máximo, a possibilidade de um abandono parcial, em especial da tarifa externa comum”, afirmou. Entre os mercados que provavelmente interessarão ao novo governo argentino, Franchini destacou o pretendido pelo recém-criado Acordo de Parceria Transpacífico. “Também é provável a busca por acordos com Estados Unidos, Chile e México, além de alguns países asiáticos, como Japão e Vietnã.”

Mudanças devem ser graduais

Para o especialista em relações internacionais, a transição não será rápida, nem fácil. “Esses movimentos têm de ser graduais porque, como a Argentina fechou muitas de suas relações comerciais, acabou prejudicando a competitividade de suas empresas. Muitas provavelmente quebrariam com uma abertura de mercado conduzida rapidamente”, disse Franchini.

Internamente, as dificuldades do novo governo não serão poucas, uma vez que a economia vive um momento crítico por causa da inflação, da recessão econômica, da instabilidade do preço do dólar e da piora das exportações. Haverá também problemas decorrentes da falta de transparência no governo argentino, que tem apresentado dados incertos sobre a real situação do país. “Isso tirou dos argentinos a possibilidade de uma noção real sobre a dimensão da crise econômica, que não foi plenamente percebida nem assimilada pela população, apesar de o país ter passado por várias crises nas últimas décadas. Essa falta de transparência certamente resultará em dificuldades também para o novo governo definir quais medidas serão adotadas e suscitará discussões sobre a origem dos problemas enfrentados pelo país, se são herança do governo anterior ou incompetência do atual”, destacou Franchini.

Durante a campanha eleitotal Macri relutou em dar definições políticas claras. “Por motivos eleitorais, ele não apresentou de forma clara suas propostas. Dizia apenas que reforçaria os vínculos com quem quisesse colaborar com a Argentina. Suas declarações eram sempre muito difusas, mas a tendência deverá ser a busca de espaços comerciais e políticos com outros países”. O professor disse também que Macri deverá enfrentar problemas similares aos que o governo brasileiro tem em sua relação com o Legislativo. “A falta de apoio no Congresso certamente será um obstáculo político, uma vez que há grande presença peronista no Parlamento argentino. Será uma situação bastante parecida com a brasileira.”

Franchini lembrou que, por causa dos calotes, muitos financiamentos e investimentos a serem feitos em prol da Argentina ficaram travados. Em 2001, a dívida foi renegociada com 75% dos credores internacionais. Os demais não aceitaram a proposta argentina e optaram por recorrer à Justiça nos Estados Unidos. “Imagino que Macri renegociará com esses credores, a fim de pagar essas dívidas e buscar novos financiamentos internacionais. Ainda é cedo para dizer se conseguirá recuperar a credibilidade com credores, uma vez que dependerá, também, de negociações internas. O problema é que os peronistas são famosos por sua intransigência em fazer alianças com outros partidos”. O professor destacou que a situação fica ainda mais difícil por ter sido apertada a vitória de Macri, cujo opositor, o governista Daniel Scioli, ficou com 47,8% dos votos. Macri obteve 51,4%. “A margem de vitória foi pequena, Com isso, o espaço para mudanças deverá ser pequeno.”

O PRO, partido de Macri, foi criado em Buenaos Aires, onde conquistou a prefeitura. No começo do ano, aliou-se à União Cívica Radical, que faz oposição histórica aos peronistas. “Vale lembrar que, desde a década de 30, nenhum presidente não peronista democraticamente eleito terminou seu mandato. Isso ocorreu porque os peronistas costumam praticar uma oposição desleal”, acrescentou Franchini.

Para o analista político Rosendo Fraga, apesar de ter conquistado os governos da capital, Buenos Aires, e das quatro maiores províncias argentinas, Macri terá minoria no Congresso, o que o colocará em dificuldades. A aliança governista Frente para a Vitória (FPV) tem maioria no Senado e a primeira minoria na Câmara dos Deputados. "O maior desafio de Macri vai ser armar uma coligação política para poder governar", disse ele.

Edição: Nádia Franco

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