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Internacional

Cotidiano no Antigo Egito é inscrito em fragmentos cerâmicos

Inscrições foram atribuídas por arqueólogos a registros em cacos
Carla Quirino - Repórter da RTP*
Publicado em 02/02/2022 - 09:02
Cairo
RTP - Rádio e Televisão de Portugal

Listas de nomes, compras de alimentos e objetos do dia a dia, ou até mesmo escritos de uma escola, incluindo linhas grafadas por alunos como punição, são algumas interpretações atribuídas por arqueólogos às inscrições em cacos de cerâmica encontradas no Egito. A antiga Athribis, a 200 quilômetros (km) ao norte de Luxor, revelou aos investigadores um conjunto expressivo de fragmentos de vasos e jarros que serviam como suporte de escrita há pelo menos 2 mil anos. Estes tipo de caco é conhecido como óstraco e documenta o dia a dia das populações que por ali passaram.

O rei Ptolomeu XII, pai de Cleópatra VII, que governou entre 81-58 e 55-51 aC o Antigo Egito, mandou construir o templo em Athribis, dedicado aos deuses leão Repit e Min. Com dimensão de 75 por 45 metros, o rei da dinastia ptolomaica ainda determinou a decoração das salas interiores do santuário.

Com a queda da dinastia egípcia, o território passou às mãos de Roma. Os Imperadores romanos Tibério, Calígula e Cláudio foram acrescentando colunas e outras estruturas externas a gosto, durante o século I depois de Cristo.

A interação de populações que cruzaram o lugar antigo ficou registrada nos milhares de fragmentos cerâmicos de louça partida, que usavam para inscrever pequenas mensagens, substituindo o suporte de escrita em papiro, provavelmente por ser mais barato. Os óstracos eram grafados com tinta e uma cana ou bastão oco (cálamo).

Os mais de 18 mil fragmentos com anotações ou rascunhos agora revelados fornecem variedade de indícios sobre a vida cotidiana do antigo assentamento de Athibis.

"Cerca de 80% dos cacos de potes cerâmicos partidos estão grafados em demótico, a escrita administrativa comum nos períodos ptolomaico e romano, que se desenvolveu a partir do hierático após 600 a.C.", explicam os arqueólogos na página da Universidade de Tübingen dedicada à investigação. Acrescentam que é muito raro encontrar conjunto tão vasto de óstracos.

Entre os testemunhos mais comuns estão os óstracos com escrita grega, mas os arqueólogos também encontraram inscrições em escrita hierática, hieroglífica e alguma copta e árabe.

Os pesquisadores descobriram óstracos pictóricos, uma categoria especial, conta Christian Leitz, arqueólogo que lidera a equipe de investigação: "Esses fragmentos mostram várias representações figurativas, incluindo animais como escorpiões e andorinhas, humanos, deuses do templo próximo, até figuras geométricas".

"O conteúdo dos óstracos varia entre listas de vários nomes, relatos de diferentes alimentos e itens de uso diário" explica o pesquisador

"Um número surpreendentemente grande de fragmentos pode ser atribuído a uma escola antiga", destaca Leitz.

"Existem listas de meses, números, problemas de aritmética, exercícios de gramática e um alfabeto de pássaro - cada letra recebeu um pássaro cujo nome começou com essa letra", acrescenta.

Centenas de óstracos testemunham exercícios de escrita que os arqueólogos interpretam como punição: "Os fragmentos são inscritos com o mesmo um ou dois caracteres de cada vez, tanto na frente quanto no verso".

O sítio arqueológico de Athribis estende-se por 30 hectares e é composto por área com dois templos, zona urbana, necrópole e pedreiras. Um dos santuários ainda permanece debaixo de um metro de areia.

O segundo templo está sendo escavado em grande escala, desde 2012, por equipes de arqueólogos alemães liderados por Christian Leitz, professor do Instituto de Estudos do Antigo Oriente Próximo (Ianes), da Universidade de Tübingen, em cooperação com Mohamed Abdelbadia e sua equipe do Ministério de Turismo e Antiguidades do Egito.

Os trabalhos arqueológicos estão mostrando edifícios de vários andares, com escadarias e abóbadas. O restante área foi preenchido com escombros ao longo dos séculos.

A análise dos óstracos é feita por uma equipe internacional, que inclui principalmente franceses e alemães, coordenada por Sandra Lippert, do Centre National de La Recherche Scientifique, em Paris.

Quantidade tão grande de fragmentos cerâmicos com inscrições só foi descoberta uma vez no Egito, no assentamento operário de Deir el-Medineh, perto do Vale dos Reis, em Luxor.

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