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Política

Cobrir o rosto em cerimônia de cidadania ganha destaque em eleições no Canadá

Iara Falcão – Correspondente da Agência Brasil
Publicado em 26/09/2015 - 23:39
Montreal (Canadá)

Participar da cerimônia de concessão da cidadania canadense com o rosto descoberto passou, na última semana, de uma questão a ser decidida nos tribunais para a pauta nacional dos candidatos a primeiro-ministro do país norte-americano. A pouco menos de um mês das eleições federais, marcadas para o dia 19 de outubro, o tema foi tratado pelos candidatos dos principais partidos num debate em Montreal.

O uso do nicabe, um véu usado por algumas mulheres de religião muçulmana e que deixa apenas os olhos à mostra, ao prestar o juramento perante as autoridades para obter a cidadania canadense se tornou uma discussão sobre direitos individuais, preconceitos, e adesão aos valores nacionais canadenses.

A polêmica começou quando a paquistanesa residente no Canadá Zunera Ishaq entrou com um processo na Justiça questionando a legalidade da política do governo adotada em 2011 exigindo que, ao prestar o juramento na cerimônia de cidadania, mulheres portando o nicabe descubram a face. O Tribunal de Recursos Federal deu ganho de causa a Zunera, no dia 15 de setembro de 2015, considerando a política ilegal. O governo do atual primeiro-ministro e candidato à reeleição, Stephen Harper, reagiu de imediato, entrando com um pedido de suspensão do julgamento do Tribunal de Recurso, enquanto a questão está sendo levada à Corte Suprema do Canadá.

Para Harper mostrar o rosto durante a cerimônia de cidadania deve ser uma obrigação. “Minha posição há muito tempo é que quando a gente se junta à família canadense a gente não deve esconder a identidade, e esta é a razão pela qual a gente acredita que um novo cidadão deve prestar o juramento com o rosto descoberto”, afirmou, durante o debate de quinta-feira (24), promovido e transmitido pela Radio Canadá e o Jornal La Presse.

Justin Trudeau, candidato pelo Partido Liberal, que oscila entre o segundo e o terceiro lugar nas pesquisas de intenção de votos, defende que a exigência é desnecessária, pois a revelação da identidade deve ser feita antes da cerimônia. Para ele, a questão não deveria ser uma preocupação do Estado e fere as liberdades individuais.

“Se um homem não pode impor sua vontade sobre uma mulher, sobre como ela deve se vestir, não deveríamos ter um Estado que imponha como ela não deve se vestir”, destacou.

Homens x mulheres

O argumento de que o uso do nicabe seria uma distinção entre homens e mulheres, e que revelaria uma desvalorização do sexo feminino foi o estopim para inflamar a discussão. “Não gostaria jamais de dizer à minha filha que uma mulher deve cobrir o rosto porque ela é uma mulher. Isso não é o Canadá”, disse Stephen Harper ao concorrente Thomas Mulcair, do Novo Partido Democrático.

«Ataque o opressor, não ataque a mulher, senhor Harper. Não é privando as mulheres de sua cidadania e de seus direitos que o senhor conseguirá ajudá-las», rebateu Mulcair, que acusou Harper de tentar distrair a opinião pública com a questão do nicabe, quando o povo canadense sofre com a perda de empregos. “Quatrocentos mil empregos perdidos no setor manufatureiro, disso, ele não quer falar. Trezentos mil desempregados a mais hoje do que na crise de 2008. Disso, ele também não quer falar”. O Canadá tem uma taxa de desemprego de 7%, segundo dados de agosto do Statistics Canada, o órgão federal de estatísticas do país.

Outros participantes do debate foram Gilles Duceppe, do Partido Quebequense e Elizabeth May, do Partido Verde. O primeiro se disse a favor da proibição do nicabe. Já Elizabeth, única mulher a disputar o cargo, trata-se de um falso debate. «Qual é o impacto do nicabe sobre a enconomia? Qual é o impacto do nicabe sobre as mudanças climáticas, sobre os desempregados? É absolutamente uma forma de distração para evitar o debate sobre os verdadeiros desafios do Canadá.”

Pesquisas

Uma pesquisa de opinião realizada pela Ekos Politics divulgada ontem (25) mostrou vantagem do Partido Conservador, liderando com 35,4% as intenções de voto, os liberais em segundo, com 26,3% e o NPD em terceiro, com 24,5%. Para alguns analistas, a polêmica do nicabe teve peso sobre o arranque conservador na liderança da preferência pública. Antes, os três partidos disputavam um empate técnico com uma ligeira vantagem dos conservadores.

Uma outra pesquisa de opinião divulgada na imprensa canadense nessa sexta-feira revelou que 82% dos canadenses são contrários à cobertura do rosto durante o juramento na cerimônia de cidadania.

O Canadá é uma monarquia parlamentarista bicameral. No total, 26,4 milhões pessoas estão aptas a votar nas eleições de 19 de outubro. Apenas cidadãos canadenses podem eleger representantes para as 308 cadeiras da Câmara dos Comuns. O líder do partido que obtiver maior número de assentos será o novo primeiro-ministro, com o poder de indicar nomes para as 105 cadeiras do Senado. O Partido Conservador está no poder desde 2006.