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Direitos Humanos

Histórias Raras #6 🎙️Mães neurodivergentes

Episódio gestado por mães: afinal, existe maternidade atípica?
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Patrícia Serrão e Leyberson Pedrosa
05/08/2023 - 17:15
Rio de Janeiro
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© Arte / Agência Brasil

Dentro da Semana Mundial da Amamentação, a gente traz um episódio dedicado às mães neurodivergentes. Nossas protagonistas são mães diagnosticadas com um cérebro atípico depois de adultas, que falam sobre as dificuldades e diferenças do gestar, parir e amamentar de mães nada típicas.

Ana Rosa Aguiar e Taís Gollo e se somam à Alana Yaponirah, que já apareceu o episódio de abertura desta temporada, Raros e Nada Típicos. Juntas, elas protagonizam histórias de maternagem antes e depois do diagnóstico de uma neurodivergência.

Taís Gollo têm duas meninas, a Lis de oito anos, e da Beatriz, de dois. Foi somente após o nascimento de Lis que Taís teve o diagnóstico do Transtorno do Espectro Autista (TEA) e também de uma doença rara, a Síndrome de Ehrlers-Danlos Já a Ana Rosa Aguiar é psiquiatra e mãe da Liz, de 6 anos. Ela também é autista e tem Síndrome de Savant, uma doença rara neurocognitiva.

Você pode ouvir o episódio na íntegra ou ir direto para o bloco desejado:

▶️ 00:00 Prólogo: maternidades diversas
▶️ 02:29 Abertura: mães neurodivergentes
▶️ 03:56 Parte 1: Desafios da maternagem atípica
▶️ 15:15 Aviso de utilidade pública
▶️ 16:01 Parte 2: Gestar, parir e amamentar
▶️ 27:17 Créditos

 

PRÓLOGO: MATERNIDADES

[música temática da temporada] 🎶 .

[Leyberson] No episódio anterior, que abre a segunda temporada de Histórias Raras… .

[som mais suave de rebobinar] 🎶 .

[Patrícia - episódio 5] O diagnóstico chegou para Alana bem depois dela ter feito duas faculdades, ter se casado, tido dois filhos, se divorciado. Enfim, depois de ter vivido uma vida típica e, ainda assim, inquietante. .

[som suave de (re)rebobinar] 🎶 .

[Leyberson] Alana é uma das oito pessoas entrevistadas que nos ajudam a contar histórias da descoberta e aceitação de uma neurodivergência oculta até a vida adulta. .

[Patrícia] Alana foi mãe antes de se saber neurodivergente. Uma maternidade digna de metáforas com leões e outras feras. .

[som mais suave de rebobinar] 🎶 .

[Alana - episódio 5] E eu penso hoje em tratar os meus filhos para que eles não passem pelo que eu passei, para que as cargas que eu levei, os leões, eu digo: que se uma pessoa mata um leão por dia, eu mato três por dia, no sentido figurado na metáfora. .

[som suave de (re)rebobinar] 🎶 .

[Leyberson] Dos nossos entrevistados, a maioria é mãe. Isso nos trouxe uma dúvida inicial: podemos falar em maternidade neurodivergente? .

[Patrícia] A gente ainda vai se aprofundar sobre esse conceito de neurodivergência, tema do episódio seguinte. Só que um diálogo com a Jéssica Borges, que se descobriu autista depois de buscar o diagnóstico do filho, nos ajuda a fugir de algumas armadilhas conceituais. .

[som mais suave de rebobinar] 🎶 .

[Leyberson - episódio 4] Não seria muito prudente falar o que é ser neurodiverso, mas sim o que é ser neurodivergente ou neuroatípico, né? .

[Jéssica - entrevistada] Aham, neurodiverso todos somos, então acho que o bacana é: o que é ser uma pessoa neurodivergente? Que aí você já está adentrando numa outra esfera que é, de fato, onde aborda todas essas condições da neurodiversidade, da diversidade humana. .

[som suave de (re)rebobinar] 🎶 .

[Leyberson] A sociedade só é neurodiversa porque existem pessoas com diferentes tipos de cérebro em funcionamento. Uns mais padrões, outros nem tanto. .

[Patrícia] Isso serve para a maternidade também. Afinal, cada maternidade é uma experiência única, não dá para separar em rótulos. .

[Leyberson]. Em vez de recortar a maternidade em categorias, a gente prefere pensar em maternidades, no plural, compostas por diferentes mães, inclusive as neurodivergentes.

[Patrícia] Dito isso, a gente reformula a questão: [som de suspense] 🎶 Afinal, como o diagnóstico na vida adulta influencia a maternidade dessas mães neurodivergentes? .

[Leyberson] Com a questão reformulada, a gente dedica esse episódio inteiro em busca de algumas respostas. .

ABERTURA: MÃES NEURODIVERGENTES

[trilha do projeto pulsos] 🎶 .

[Patrícia] Episódio 6: Mães neurodivergentes .

[Patrícia] Olá ! Sou Patrícia Serrão, jornalista da EBC. O Leyberson segue nesta jornada, mas pediu pra ficar no banco de reserva deste episódio. .

[Leyberson] Me explico. Eu convidei a Bia Arcoverde para reforçar o time em um jogo que ainda tenho muito a aprender. .

[trilha sonora para de tocar.] 🎶 .

[Bia Arcoverde] Oi! A minha voz já apareceu no episódio bônus da última temporada para falar sobre os bastidores da edição e a busca por um podcast com mais acessibilidade. Hoje, entro em campo com a voz e a experiência de uma jornalista que também é mãe e avó. .

[Leyberson] Mas pode deixar que eu volto nos minutos finais. .

[Patrícia] E a Bia é mãe, avó e, além disso, tem a experiência de coordenar uma equipe com neurodivergentes, o que também conta aí como uma mãe de trabalho. .

[apito do início de partida] 🎶 .

[sons de torcida tocam ao fundo] 🎶 .

[Bia Arcoverde] Neurodivergentes é o tema da segunda temporada de Histórias Raras, um podcast original da Radioagência Nacional. .

[Patrícia] Neste episódio, eu compartilho o roteiro com a Bia Arcoverde. O apoio de produção é de Simone Magalhães, com sonoplastia de José Maria Pardal, design de Caroline Ramos e revisão final de Leyberson Pedrosa. .

[Bia Arcoverde] Nos acréscimos, temos a escalação completa de quem nos ajuda a distribuir o Histórias Raras nas plataformas digitais e em Libras, a Língua Brasileira de Sinais. .

[sons de torcida terminam] 🎶 .

PARTE 1: DESAFIOS DA MATERNAGEM ATÍPICA

[trilha pulsante toca ao fundo] 🎶 .

[Patrícia] Mães divergentes, parte 1: os desafios da maternagem neurodivergente. .

[Bia Arcoverde] Maternidade é um tema próximo e caro pra mim. .

[trilha pulsante para de tocar] 🎶 .

[Bia Arcoverde] Como mãe e avó, já vivenciei várias dificuldades dessa aventura materna. E ouvindo essas mães neurodivergentes, a gente começa a entender melhor como algumas rotinas podem ser ainda mais desafiadoras para quem tem uma neurodivergência. .

[Patrícia] E a gente enfatiza: as dificuldades não são exclusivas de mães neurodivergentes. Mas tem algumas questões bem objetivas que a gente precisa responder: como se faz, por exemplo, para lidar, ao mesmo tempo, com uma criança chorando e os efeitos deste choro alto e agudo em uma pessoa neurodivergente? .

[Bia Arcoverde] É o que acontece com Alana. Antes do diagnóstico de TDAH, parecia que a culpa era só dela. Agora, Alana começa a entender melhor o quanto o TDAH impacta na criação da filha Maya. .

[Alana] A maternagem ela trouxe pra mim esse olhar de como é desafiador, a maternidade por si só já é desafiadora. A maternidade sem rede de apoio, ela é três vezes, quatro vezes mais, e com a neurodivergência tem sido uma luta diária. E eu vejo na minha filha um espelho, que Maya tem questões também, é uma criança funcional, mas é uma criança que tem questões porque ela foi criada por uma mãe que tem neurodivergência. Aí vem isso, a culpa.. .

[Patrícia] Eu também sou mãe. E essa culpa materna é algo que, pra mim, sempre foi muito difícil de lidar. Quando grávida, ouvi a frase "nasce uma mãe, nasce uma culpada" e sempre lembro dela quando fico me cobrando no que diz respeito aos meus filhos. E nessas conversas com as mães neurodivergentes, eu falei com a Taís Gollo, mãe com o transtorno do Espectro Autista (TEA) e que, assim como eu, também tem síndrome de Ehlers Danlos. Ela me trouxe uma outra perspectiva sobre essa tal culpa materna. .

[Taís Gollo] Eu não acho que culpa materna seja algo natural. Eu acho que isso é completamente introjetado na cabeça das mães. E a vantagem de eu não conseguir captar as mensagens que não são ditas de forma explícita, essas diminuições da capacidade materna… .

[Patrícia] Taís nos dá um exemplo do que seria uma dessas diminuições da capacidade materna. .

[Taís Gollo] Se o seu filho tem algum problema de saúde, você vai ao hospital e aí o médico fala: é primeiro filho? E aí você olha e fala assim: Ai, mãezinha. Tá, mas... Sim, é minha primeira filha, mas e daí? .

[Patrícia] “Ai, mãezinha…” Um aspecto comum às pessoas autistas é o seu raciocínio linear e o vocabulário literal. É dessa vantagem, entre aspas, que Taís está falando. Porque Taís pode até demorar um pouco para conectar os vários sentidos possíveis de uma mensagem. Mas quando eles se conectam, o veredito é certeiro. .

[música lenta de piano toca ao fundo] 🎶 .

[Bia Arcoverde] Esse “Ai, mãezinha” dito durante a consulta não veio para julgar a condição de neurodivergente da Taís. Julga, na verdade, a condição emocional de uma mãe de primeira viagem. .

[música para de tocar] 🎶 .

[Taís Gollo] Aí eu chego em casa e vou começar a analisar aquela situação pela qual eu passei e aí eu percebo. Gente, olha só. Na hora em que ele perguntou se era primeiro filho, ele não queria saber se era primeiro filho. Ele queria saber se eu estava sendo histérica ou por ignorância do que é o normal. Enfim. Então essas coisas geram essa dúvida, essa culpa nas mães de se sentirem incapazes. .

[Bia Arcoverde] Taís é uma pessoa prática e objetiva. Por isso, gosta que sejam claros e diretos com ela. Inteligente e bem articulada, descobriu-se com TEA depois de casada, já com uma filha e cursando mestrado. E teve que se reencontrar e estabelecer novas conexões ou, como ela mesmo diz, encontrar sua turma. .

[Taís Gollo 16'40] Quando eu descobri, na verdade, então, que era TEA, eu ressignifiquei todas essas experiências e eu percebo que não é algo de errado comigo, é diferente definitivamente, é uma uma forma de enxergar o mundo e que não é uma forma majoritária. Então eu consigo entender por exemplo as pessoas que se afastaram de mim porque elas não conseguiam de fato se conectar comigo porque eu não conseguia também me conectar com elas. E se eu olhar, por exemplo, para as pessoas com quem eu consigo interagir hoje, a maior parte dessas pessoas na verdade também está dentro do espectro de neurodivergência. Não necessariamente autismo, mas são pessoas que também têm processamento divergentes. Hoje eu consigo encontrar minha turma. .

[Patrícia] Taís realmente achou sua turma. Hoje ela é uma das moderadoras de um grupo voltado para mães que têm síndrome de Ehlers-Danlos, muitas delas neurodivergentes, autistas, superdotadas, com TDAH, entre outros. Taís usa tanto a experiência pessoal quanto o hiperfoco dela para pesquisa. Assim, encontra uma forma de auxiliar outras mães ao compartilhar um pouco de sua própria experiência. .

[Taís Gollo] Eu tenho duas experiências muito distintas, principalmente durante a gravidez, porque a primeira gravidez foi antes do diagnóstico, dos dois diagnósticos, tanto do diagnóstico da SED quanto do diagnóstico de TEA, e a segunda gravidez foi depois dos dois. A forma como eu processo as sensações e como eu relato as minhas sensações não é a forma padrão tradicional. .

[Patrícia] Taís compartilha outras dificuldades que ela tem com alguns comportamentos de crianças pequenas. De longe, alguns deles são bem típicos. Mas a neurodivergência de Taís amplifica e muito as sensações. O choro é um deles. .

[Taís Gollo] Nem eu nem meu marido conseguimos tolerar o som de criança chorando. .

[Patrícia] Como é que faz? (Risos) .

[sons de bebê chorando] 🎶 .

[Taís Gollo] Fica no colo, a criança fica no colo o dia todo, dorme no colo, passa o tempo inteiro. .

[Patrícia] E esse jeito atípico dela gera causos até engraçados de contar, mas não tão divertidos assim na vida real. É o caso do tal biririririri. .

[Taís Gollo] Eu não consigo processar um tom de voz que seja muito agudo. E aí, então, quando minha filha, minhas filhas em geral, quando elas estão nervosas, e aí vai começando a falar... [Taís imita som indistinguível alto e agudo] 🎶 O que eu ouço é biririririririri. Eu não consigo entender que palavra que a criança está dizendo naquele momento. Então, eu explico pra minha filha: respira fundo. Voz de peito, coloco a mão no peito da criança, e falo: sua voz tem que vibrar bem aqui. Agora, me fala, o que você disse? Porque eu não entendi. .

[Patrícia] Não é só o barulho que cria incômodos desproporcionais em Taís. Tocar na orelha dela? Nem pensar. E na hora de dar abraços, esses incômodos também surgem. .

[Taís Gollo] - NOVA SONORA NA PASTA Eu começo abraços. Eu não tolero ser abraçada. É muito desconfortável se alguém chega e me dá um abraço. Meu marido sabe disso, mas ele é um homem adulto que consegue entender e me respeitar. Um bebê de dois anos não é muito, muito tranquilo para ela. Ela naquele momento, ela precisa ser abraçada. Só que eu estou tendo uma crise aqui agora porque a criança está gritando e eu vou ter uma certa dificuldade para abraçá-la naquele momento. Eu tenho que abraçar, ela precisa desse conforto, desse acolhimento. Então eu tenho que segurar o que quer que eu esteja sentindo e abraçar ela. .

[Patrícia] Por isso, Taís e a filha mais velha foram construindo um pacto para que as duas possam perceber quando um abraço se torna acolhimento ou gatilho. .

[Taís Gollo] Agora no momento em que eu estou, no meu momento em que eu preciso não ser abraçada e ela quer um abraço sem precisar mesmo, certo? Ela só quer, porque ela gosta do contato físico. Eu ensinei pra ela com cerca de dois, três anos que existem momentos em que a mamãe precisa de um braço de mamãe de distância de qualquer pessoa. Eu preciso preservar o meu espaço pessoal. .

[Bia Arcoverde] Esses combinados ajudam no diálogo entre mães e filhos e surgem também nos relatos da Ana Rosa, que é mãe, psiquiatra, autista e tem síndrome de Savant. Ela não perde a oportunidade de fazer um listão de elogios sobre a filha: .

que a filha é sua melhor amiga; que a filha é quem a melhor entende; e que a filha ajuda Ana Rosa a se entender no mundo.

[Bia Arcoverde] Mas antes de fazermos o giro para outra história, a gente faz aquele tempo técnico para explicar o que é síndrome de Savant e a sua relação com o autismo. .

[trilha do extinto telecurso 2000] 🎶 .

[Patrícia] A Síndrome de Savant é uma situação rara na qual uma pessoa tem um grande grau de genialidade e sabedoria, tendo muitas habilidades. O artigo “Transtorno do Espectro Autista e Síndrome de Savant: Um paradoxo real entre déficit cognitivo e genialidade” explica que: .

[Marizete lendo conceito] “Uma pequena parcela de pessoas com transtorno do espectro autista (TEA) desenvolve uma espécie de genialismo, ou seja, pessoas muito inteligentes que possuem habilidades extraordinárias. Acredita-se que a disfunção de determinadas regiões cerebrais (como o TEA) provoque uma resposta paradoxal com a super ativação e potencialização de outras áreas do cérebro.“ .

[trilha do extinto telecurso 2000] 🎶 .

[Bia Arcoverde] Pronto, voltando. Na relação entre Ana Rosa e a filha, o barulho volta a ser o elemento sensível. .

[Ana Rosa] Eu sou uma pessoa muito sensível do ponto de vista auditivo, né? Eu sou muito sensível a ruídos muito altos. Então, eu precisei mudar algumas coisas em casa, pedir que baixe um pouco o som. Tem momentos em que, de fato, eu preciso ficar sozinha. .

[Bia Arcoverde] E conversando as famílias se entendem. Mas as receitas são individuais. Diferente do caso da Taís, a Ana Rosa tem um pouco mais de resistência ao toque. .

[Ana] E eu falo com a minha filha, eu preciso ficar um pouquinho sozinha. Ela, tudo bem mamãe, eu te amo. E eu digo: também te amo. Eu não tenho muito problema com o toque, a não ser que eu esteja muito, muito, muito tomada, de algo muito grave acontecendo. Aí eu sinto o toque como algo doloroso. Mas isso não é um problema pra mim. Eu adoro abraços, adoro beijos. Olha como eu tô quebrando o estigma. .

[Patrícia] E esse estigma só pôde ser quebrado após o diagnóstico da neurodivergência da Ana Rosa. A filha Liz, hoje com 6 anos, lida bem com a mãe neurodivergente. Mas antes, e perdão pelo clichê e trocadilhos, apesar dos nomes das duas, nem tudo eram flores. Quando Liz ainda era um broto e Ana não sabia do seu próprio autismo, a situação era bem complicada. .

[Ana] Ela bebê, a dificuldade que eu tinha era o choro prolongado, não era o choro curto. O chorinho pra pegar o peito pra mim não era o problema, né? O problema é o choro que não passava, aquele choro de cólica. É muito difícil, muito difícil. Mas eu suplantei isso sem saber. Eu tomava banho, eu esfriava a cabeça ali no banho, eu me regulava. Eu me regulava como psiquiatra pensando que eu estava com stress, do bursério, entendeu? Se eu soubesse hoje, por isso a minha raiva, meu Deus, como é que eu não me vi como uma pessoa atípica? Eu me regulava como uma pessoa que tivesse ansiosa, passando por um momento complicado e retornava pra ela. .

AVISO DE UTILIDADE

[música agitada toca brevemente] 🎶 .

[Bia Arcoverde] Cada história aqui pra gente é rara, e cita uma série de doenças e sintomas que não podem ser banalizados. .

[Patrícia] Ainda mais quando o responsável é o cérebro, esse grande labirinto neurocognitivo. Autismo, Síndrome de Savant, Tourette , TDAH não são doenças que você ganha quando completa um bingo dos sintomas narrados. .

[Bia Arcoverde] Há diferentes transtornos com sintomas parecidos. Por isso, é preciso uma investigação médica séria, baseada em evidências científicas. Se você se sente identificado com os sintomas relatados, o primeiro passo é conversar com seu médico de confiança. .

[Patrícia] E se a dúvida persistir, ir atrás de mais opiniões médicas. .

PARTE 2: GESTAR, PARIR E AMAMENTAR

[trilha temática do Projeto Pulsos] 🎶 .

[Patrícia] Mães neurodivergentes, parte 2: gestar e amamentar .

[Patrícia] Entre desafios, o medo do desconhecido, e muitas descobertas que quase toda mãe passa, o gestar e parir uma criança tendo neurodivergência, diagnosticada ou não, não é nada trivial. .

[Bia Arcoverde] A Taís já falou um pouco sobre as dificuldades que sofreu na primeira gestação, quando não sabia do autismo. Agora, ela nos conta sobre a segunda gravidez e suas escolhas. Afinal, ela já tinha o diagnóstico da neurodivergência e da Síndrome de Ehlers-Danlos. .

[Taís] Na minha segunda gravidez, então eu já tinha os dois diagnósticos. Quando eu relatava isso, apesar de TEA ter especificamente sido excluído do meu cartão de gestante, eu fiquei com medo, na verdade, de quando eu falo que eu tenho TEA para algum profissional de saúde, aí de repente o profissional muda o tom de voz, muda todo o padrão de comportamento. Mas eles passam a me explicar as coisas como se eu não fosse capaz de entender. Eu preciso que efetivamente me expliquem as coisas, eu não suporto passar por um tratamento médico sem saber o que é que está acontecendo ali. E eu fiquei com medo de colocar o TEA nesses documentos porque eu não duvido que alguém que passasse por algum profissional que simplesmente fosse encarar que eu não tinha menor capacidade de entender qualquer coisa, especialmente num momento como parto, que é um momento em que eu não fico particularmente falativa, falante. Mas os profissionais que estavam me atendendo no pré-natal, eles sabiam. E eu pedi pra eles pra não colocarem essa informação no pré-natal. Eu expliquei e todo mundo ficou bem tranquilo com isso. .

[Patrícia] A sensibilidade ao toque, a dor e até mesmo às contrações podem provocar sensações inesperadas que podem causar sofrimentos que com planejamento certo, podem ser evitados. A Ana Rosa, por exemplo, compara o parto a uma viagem só de ida. .

[Bia Arcoverde] E ela deixa claro que fica mais tranquila se está preparada para o que vai acontecer. .

[Ana Rosa] É muito importante pela previsibilidade, né, porque a gente precisa de previsibilidade. E a gravidez, eu digo, que é um tipo de viagem que você pega o ticket de ida e não sabe pra onde vai, né? É importante que a gente faça um plano de parto muito bem feito e, pelo menos, assim, uns quatro ou cinco opções pra que essa mãe, ela fique tão tranquila quanto a obstetra fique tranquila. Porque se essa mãe sente extrema dor na hora do parto, extrema dor, e ela entra em shutdown, a gente tem que ter um bom plano. E quem está falando isso é uma pessoa que fez um parto transvaginal e não fez uma cesária, tá? .

[Patrícia] Aqui a gente faz um parênteses bem importante. Quando pensamos em autistas em crise em geral pensamos no Meltdown, que é aquela crise clássica, de gritos e fúria. O Shutdown ou desligamento seria o oposto, interno. É quando o comportamento do autista passa a ser vazio, muitas vezes não conseguindo se comunicar ou até andar. .

[Ana Rosa] Então é muito importante que a gente tenha esse plano bem delineado, né, para que a gente possa diminuir a mortalidade das mães que são autistas. Isso é vital. Inclusive, eu levanto a possibilidade de a gente ser equipe de saúde mental, pelo menos o que for possível lá dentro para dar suporte. Porque às vezes o obstetra está tão focado no trabalho de parto, o pediatra está tão focado na criança, que ninguém percebe que essa mãe está entrando em shutdown. .

[Bia Arcoverde] O parto é só o começo dessa viagem. O próximo desafio é a amamentação, não é mesmo? E muitas vezes a gente se prepara tanto para o parto que esquece o período seguinte. .

[Patrícia] Pois é, Bia! E se a amamentação para mulheres típicas já pode causar transtornos, para mulheres atípicas, muitas vezes com sensibilidade a toques e barulhos, pode ser muito mais complexo. A Alana conta que teve dificuldades na amamentação do primeiro filho. A falta do diagnóstico também não explicava o que ela sentia. .

[Alana] Então, na amamentação, eu sentia muita dor, e eu continuava amamentando. Mesmo assim, do João Vitor. Eu era muito inexperiente, muito jovem, e eu me angustiava muito. Às vezes o pai dele chegava e eu tava chorando em casa, tava eu e o neném chorando, porque eu não sabia lidar, as emoções são muito intensas, era muito desafiador. A maternidade foi muito intensa pra mim, claro que pra toda mulher é, obviamente a gente tá com muitos hormônios, uma bomba hormonal, mas o João Vitor e eu consegui aleitá-lo por três meses, isso pra mim era uma dor terrível, não só física, porque tive tudo que eu tive mastite, eu tive febre com convulsão, porque eu simplesmente achei que eu não deveria mais amamentar em um seio, eu dava só no outro. A gente sabe que o leite tem que ser ordenhado. E muita coisa aconteceu nesse período, na primeira infância de João Vitor, devido à minha neurodivergência, que não foi diagnosticada. .

[Patrícia] Taís também teve problemas com sensibilidade na amamentação das filhas, especialmente da Lis, que é a primeira e nasceu quando ainda não tinha o diagnóstico de autismo. .

[Taís Gollo] Eu tô bastante acostumada com ignorar uma série de necessidades minhas. Então, por exemplo, eu amamentei minha filha por cerca de quatro anos, sendo que eu tive perturbação na amamentação durante a maior parte desse tempo. E perturbação na amamentação é uma das grandes causas de desmame, mas dentro da minha rigidez cognitiva, eu cismei que eu não iria desmamar, então eu não desmamei. Então fui lá eu estudar fisiologia da amamentação, fisiologia da lactação, para entender o que estava acontecendo, para saber qual a emoção que eu tinha que estar sentindo. Enfim, é um negócio meio maluco. .

[Patrícia] Já a Ana Rosa mostra que não somos todas iguais. Ela não teve problemas para amamentar a Liz dela. .

[Ana Rosa] A amamentação que é um momento muito difícil, né? De toque, um momento que machuca. Não foi pra mim. Mas normalmente isso não é uma regra. A regra é de ser um momento difícil, muito difícil mesmo. .

[Bia Arcoverde] Eu tive a mesma dificuldade que a Ana Rosa. A criança escolheu desmamar e eu não estava preparada pra isso. Foi muito difícil pra mim e para a Ana também. .

[Ana Rosa] Então, ela foi até um ano, né? E aí, tipo, parou mesmo, geral.Mas hoje ela tem uma coisa com peito. Assim, sabe, de pegar, fica pegando, ela se sente meio culpada de ter parado cedo, entendeu? Mas ela é toda carinhosinha, assim, de querer ficar perto do peito, e às vezes não, e às vezes ela quer ficar sozinha no canto dela. E nisso a gente se respeita. No início foi difícil pra mim, mas nisso a gente se respeita muito bem, sabe? Agora, ela parar de mamar foi um grande impacto pra mim. Foi muito difícil. Eu tinha um objetivo muito rígido de amamentar até dois anos. E também era muito prazeroso pra mim estar com ela ali. Era o melhor lugar do mundo, sabe? Então, depois eu entendi que ela também já estava colocando ali os limites pra mim, né? .

[Patrícia] São muitos os desafios e limites que a neurodivergência acrescenta ao papel de mãe. O fato é que a chegada do diagnóstico, mesmo que tardio, traz consigo a consciência do que é possível ser feito. .

[Bia Arcoverde] Sem dúvidas, o diagnóstico é fundamental para entender as reações, as dores, os incômodos e garantir o autocuidado. .

[Patrícia] Às vezes com menos toque, com menos barulho, mas sempre com muita parceria e paciência. .

[Patrícia] É possível ser uma ótima mãe sendo autista, né? .

[Taís] Eu não sinto essa culpa materna, eu sei o que eu tenho capacidade de fazer, eu sei o que eu não tenho capacidade de fazer. Eu efetivamente faço o melhor que eu puder. Eu busco as informações que preciso e se não chegar no resultado, paciência. .

[Patrícia] Compreensão, carinho, cuidado e gentileza são palavras maternais que a mulher deve ter com ela mesma. Por isso, a gente tem que agradecer as mães, típicas ou atípicas. E também a outros papéis maternos possíveis que vão além de rótulos. .

[Bia Arcoverde] Mais do que rótulos, inclusive, é o tema do próximo episódio, quando a gente vai olhar para o termo neurodivergente a partir dessas mentes ditas atípicas. .

[Patrícia] A gente deixa também um abraço carinhoso com um braço de distância para a Taís, Alana e a Ana Rosa, por terem compartilhado suas histórias. E aproveito para deixar uma dedicatória especial à minha Tia Marceli, que se foi recentemente. .

[Bia Arcoverde] E o que é uma tia a não ser uma mãe atípica, não é mesmo? .

[Patrícia]… Pelo visto, agora sou eu que preciso daquele fôlego como mãe neurodivergente, sobrinha e filha para me recuperar melhor. Leyberson, reaparece, pois o roteiro do próximo episódio tá nas tuas mãos. Algum spoiler?

[Leyberson] Opa, tô aqui. Tem coisa que não dá pra roteirizar mesmo. Faz parte da vida e eu vou tentar aqui assumir com o máximo de zelo possível. No próximo episódio a gente literalmente mistura vozes em diferentes tons para explicar melhor esse conceito chamado neurodivergência cognitiva. Algumas vozes vocês já conheceram no primeiro episódio, e outras, aqui. E novas virão. .

[Patrícia] E pra fechar com a voz de uma outra mãe neurodivergente, eu queria reproduzir aqui a fala da Jéssica, que lá no começo deste episódio nos ajudou a entender como todos somos neurodiversos, com cérebros típicos ou não, mas que a experiência da maternagem neurodivergente bem valeria mais do que um episódio, quem sabe um podcast inteiro. .

[Jéssica] Eu gosto muito de falar da minha maternidade porque foi a partir da minha maternidade que eu pude me encontrar no local onde eu estou hoje. A minha maternidade ela é um ponto de partida assim crucial na minha vivência enquanto mulher e a gente é uma maternidade atípica na nossa comunidade né? As mães de pessoas com alguma condição que exerce uma maternidade que é diferente da maternidade padrão, da maternidade mais conhecida. E é bacana falar disso porque a maternidade atípica é muito solitária. Então, é importante ocuparmos esses espaços para falarmos das nossas histórias, das nossas dores, mas também encontrar pessoas que estão vivenciando as mesmas experiências que a gente, em uma sociedade que tenta nos negar direitos a todo tempo. .

CRÉDITOS

[trilha temática do Projeto Pulsos] 🎶 .

[Leyberson Pedrosa] Histórias Raras é um podcast original da Radioagência Nacional apresentado por mim e pela Patrícia Serrão, responsável pela concepção de pauta, produção e entrevistas. Nos bastidores, a Simone Magalhães colabora no apoio de produção e revisão dos dados. .

[Patrícia] Os episódios podem ser encontrados no site da Agência Brasil. Lá você acessa a transcrição do episódio e conteúdos complementares. .

[Leyberson] Nos canais da Rádio Nacional no Spotify e Youtube, o Histórias Raras também é videocast e traz a interpretação simultânea do áudio para a Língua Brasileira de Sinais (Libras). .

[Leyberson] Neste episódio o roteiro é de Patrícia Serrão com colaboração de Bia Arcoverde. A Bia é responsável pela coordenação de equipe e aparece agora como apresentadora convidada. .

[Patrícia] A Direção e roteiro final são do Leyberson Pedrosa, idealizador do formato. Ele também participa das entrevistas e montagem dos episódios. .

[Leyberson] A sonoplastia e identidade sonora são de José Maria, o Pardal. E que nos dá o apoio na operação de áudio é toda essa equipe da EBC, tanto do Rio quanto de Brasília. A Marizete de Souza faz as vozes das leituras de textos e conceitos. .

[Patrícia] Liliane Farias e Raíssa Saraiva atuam nas estratégias de publicação e distribuição em redes. A identidade visual e design nesta temporada é de Caroline Ramos. .

[Leyberson] O Youtube tem direção de vídeo de Lorena Veras e captação de imagens de Daniel Hiroshi. A edição do vídeo ficou por conta de Felipe Leite e Fernando Miranda. .

[Patrícia] Esta série tem finalidade jornalística e utilizou trechos de artigos científicos. Os links do material estão disponíveis em bit.ly/historiasraras6. A gente também usa dados do CID-11, Classificação Internacional de Doenças, publicado pela Organização Mundial de Saúde. .

[Fim. Até o próximo episódio!] 🎶.

 

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Apresentação e entrevistas:Leyberson Pedrosa e Patrícia Serrão
Roteiro deste episódio:Patrícia Serrão e Bia Arcoverde
Roteiro final, direção, idealizador do formato e montagem: Leyberson Pedrosa
Concepção de pauta e produção: Patrícia e Simone Magalhães (apoio)
Edição de texto e coordenação: Bia Arcoverde
Identidade sonora e sonoplastia: José Maria Pardal
Operação de áudio:Equipe de operação de áudio EBC DF e RJ.
Leitura do resumo: Marizete Cardoso
Distribuição em redes: Liliane Farias e Raíssa Saraiva
Identidade visual e design gráfico: Caroline Ramos
Versão em Libras: Neide Lins (intérprete); Lorena Veras (direção de vídeo); Daniel Hiroshi (captação de imagem)e Felipe Leite e Fernando Miranda (montagem em vídeo).

A implementação web desta página foi feita por Leyberson Pedrosa sob código desenvolvido por Renata Haerdy para o especial Histórias Raras.
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