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Direitos Humanos

Declaração Universal dos Direitos Humanos: defensores em risco

Entre 2019 e 2022, o Brasil registrou 169 assassinatos de defensores
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Eliane Gonçalves - Repórter da Rádio Nacionar
12/12/2023 - 07:15
São Paulo
Brasília (DF), 27/04/2023 - Acampamento Terra livre reúne milhares de indígenas de centenas de etnias de todas as regiões do país e tem como tema
© Marcelo Camargo/Agência Brasil

No primeiro episódio da série sobre os 75 anos da Declaração Universal dos Direitos Humanos mostramos como é importante a luta de ativistas e movimentos sociais para que os direitos e garantias fundamentais saiam do papel. Mas ser um defensor de direitos no Brasil significa correr riscos e é isso que a segunda reportagem da Série sobre os Direitos Humanos vai mostrar. 

Eu sofri uma tentativa de homicídio dentro desse território. No começo desse ano. E aí eu passei a sofrer ameaças. Eu passei a sofrer agressões físicas. Pessoas passar na frente da aldeia e ameaçar com arma. Apontar. A falar na região que minha cabeça estava a prêmio.  E isso é o que vem trazendo essa dificuldade de eu conseguir... viver mesmo, né?

Eu sou Tiago Henrique Karai  Djekupê. Sou um   xondaro ruwixa [uixá] da Terra Indígena Jaraguá. Estudante de arquitetura e urbanismo da Escola da Cidade, lutando por uma desurbanização.

Karai  Djekupê é o nome guarani de Thiago. Xondaro Ruwixa significa um líder entre os guerreiros. Apesar de bem jovem, ele tem 29 anos, Karai Djekupé é porta-voz de uma história ancestral. 

Eu sou nascido nesse território, Terra Indígena Jaraguá, que a gente chama [incompreensível]. Nosso território. Que foi invadido em 1.580 pelo bandeirante Afonso Sardinha, traficante de escravo angolano e conhecido como matador de Carijós. Carijós que chamava nós, o povo Mbya Guarani.

É. A história é antiga... e complexa. Um relatório da Funai de 2013 faz um resumo. E eu vou fazer um resumo do resumo pra explicar em que contexto Karai Djekupe passou a correr risco de vida. 

Bom...  A Terra Indígena Jaraguá fazia parte de um aldeamento do século 17, o Barueri. Depois de séculos de colonização, muitos indígenas morreram. Alguns adotaram a cultura dos colonizadores. Outros resistiram. Nos anos de 1960, a família de Djekupe foi expulsa de outro aldeamento guarani, no sul do Brasil. Os avós seguiram, a força, para São Paulo. Onde se encontraram com guaranis remanescentes do Barueri, no Pico do Jaraguá. Um pedacinho preservado de Mata Atlântica, em plena cidade de São Paulo.

O território foi demarcado em 1987 com apenas 1,7 hectare. A menor reserva indígena do Brasil. Em 2015 foi ampliada. Passou a ter 532 hectares. Era o último ano do governo de Dilma Rousseff. Veio o golpe e em 2016, uma portaria do então presidente Michel Temer voltou a reduzir o território. Agora para 3 hectares. Os indígenas recorreram à justiça e uma liminar suspendeu a vigência da portaria. Mas o texto de 2016 nunca foi, de fato, revogado e o fantasma da redução do território segue assombrando os guaranis do Jaraguá.

A reserva indígena é cercada por grandes rodovias. Lugar estratégico para os serviços de logística e cobiçado pelo mercado imobiliário. Karaí Djekupe aprendeu cedo que os interesses econômicos de gente poderosa alimentam a disputa. 

Quando eu tinha por volta de uns 9 anos de idade, 8 anos de idade chegou aqui a família Pereira Leite. A família de Joaquim Pereira Leite que foi ministro do Meio Ambiente do Bolsonaro. Ele veio reivindicando uma das áreas que estavam se formando a aldeia, que chama de Tekoa. Tekoa Pyau. A Tekoa Pyau fica encostada na rodovia dos Bandeirantes e aí ele chegou falando que queria fazer ali uma transportadora, acesso pra rodovia... Que ali a área era dele, era uma gleba. E ele queria que nosso xeramõi  ["meu avô"] aceitasse um punhado de dinheiro em troca de sair da terra. nosso xeramõi falou que não se trocava terra por papel e que a gente ia ficar ali. Que aquela terra era sagrada pra nós. 

A família Pereira Leite é apenas uma das 15 famílias que reivindicam a propriedade de partes da terra indígena Jaraguá. Já Karaí Djekupe entrou para a lista de defensores de direitos humanos vítimas de violência no Brasil. 

Um levantamento das organizações Terra de Direitos e Justiça Global mostrou que entre 2019 e 2022, o Brasil registrou 1.171 casos de violência contra defensores de direitos humanos. 169 pessoas foram assassinadas. Uma marca que coloca o Brasil entre os países mais perigosos do mundo para quem defende os direitos Humanos. 

Corre ainda mais risco quem luta pelo direito à terra  ou defende o meio ambiente, como é o caso dos Guarani, em São Paulo. De cada 10 casos de agressões, 8 foram de pessoas envolvidas em conflitos fundiários. Do total, 140 defensores e defensoras foram assassinados por defenderem seus territórios. 

O indigenista Bruno Pereira e o jornalista Dom Philips, mortos no Vale do Javari, em 2022, entram nessa estatística. 

Mas esse número não inclui o assassinato de Maria Bernadete Pacífico, a Mãe Bernadete, liderança do Quilombo de Pitanga dos Palmares, na Bahia, assassinada na frente dos netos no dia 17 de agosto deste ano. 

Não é por acaso que indígenas e quilombolas estejam entre as principais vítimas na luta por direitos. 

Christian Dunker é psicanalista e professor do Instituto de Psicologia da USP.

Foi com lágrimas nos olhos e voz embargada que Karaí Djekupe disse que o significa ser uma pessoa alcançada pelos direitos humanos. 

Nós tentamos uma resposta do ex-ministro do meio Ambiente, Joaquim Pereira Leite, citado na reportagem. Mas não conseguimos entrar em contato. O espaço está aberto para atualizações. 

* Com a produção e colaboração de Thiago Padovan, sonoplastia de José Maria Pardal.

Ouça a primeira reportagem da série: Declaração Universal dos Direitos Humanos: onde ela está na prática?

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