Histórias Raras #10🎙️Estamos Presentes
Na estreia de Horizontes, a 3ª temporada de Histórias Raras, o primeiro episódio, Presente do Futuro (#9), trouxe histórias de crianças que se descobriram raras desde os primeiros anos de vida. Agora, em Estamos Presentes (#10), a gente fala sobre a importância das redes de apoio e grupos de pacientes e familiares com doenças raras para quem busca informação e acolhimento.
Este novo episódio traz a história da designer de interiores Marília Lia, que foi diagnosticada com Trombocitopenia Imune (PTI), em que o sistema imunológico da pessoa para de reconhecer as plaquetas como partículas do sangue e começa a atacá-las.
Ainda no leito do hospital, Marília deu o pontapé para a criação de um grupo de apoio que já contou com mais de três mil pacientes, e que depois viraria a Associação de Apoio aos Pacientes e Familiares com Trombocitopenia Imune.
Foi nessa internação que eu fiquei 100 dias, foram mais de 3 meses, o único acesso que eu tinha ao mundo externo era meu celular e aí eu comecei a procurar informação, por ser uma doença rara, e eu não achei informação. Não existia informação sobre PTI em português, só existia em inglês.
O fio da morte e da vida
Também conhecemos Gabrielle Gomes e sua saga. Por várias vezes, ela viu o fio da vida se desfiar por causa da mucopolissacaridose, a mesma doença da Bruna Rocha, apresentada no episódio anterior.
A Gabrielle criou uma associação chamada Anjos da Guarda para ajudar outras pessoas na mesma situação. Ela não tem a doença, mas perdeu um filho e um irmão para a "muco".
Mesmo diante de tanta dor, Gabrielle seguiu lutando e conseguiu um transplante de medula óssea, na época um procedimento ainda experimental, que salvou a vida de Marcos Vinícius, seu segundo filho. E não parou por aí:
Em 2019, eu engravidei novamente, o meu terceiro filho com mucopolissacaridose, isso já com a perda do meu irmão e do meu primeiro filho por conta da questão da doença, que se agravou muito. E o meu filho que nasceu em 2019 foi transplantado logo no início de 2020 e também deu certo o transplante.
Atualmente, Gabrielle faz advocacia em prol de políticas públicas para pessoas com doenças raras, tema do último episódio Futuro do Presente (#11), que vai ao ar no dia 14 de março.
Como ouvir
Clique aqui para ouvir o episódio na íntegra ou nos ícones abaixo ▶️ para reproduzir cada parte. Na versão videocast 🎞️, os episódios possuem interpretação em Libras).
▶️ | 00:00 | No episódio anterior |
▶️ | 04:46 | Apresentação do episódio |
▶️ | 05:24 | Parte 1: força pra compartilhar |
▶️ | 09:28 | Aviso de utilidade pública |
▶️ | 10:24 | Parte 2: a acolhida |
▶️ | 21:55 | Créditos |
Sobre a terceira temporada
Horizontes é a terceira temporada de Histórias Raras, podcast original da Radioagência Nacional, que estreou em 29 de fevereiro de 2024, quando o Dia Mundial das Doenças Raras voltou a ficar visível no calendário.
O primeiro episódio Futuro do Presente (#9), conta como é uma infância com doença rara e como é crescer na nossa sociedade tendo essa peculiaridade. Da dificuldade para conseguir um diagnóstico precoce até o medo de exclusão e de bullying.
Este segundo episódio, Estamos presentes (#10) é dedicado àquelas pessoas e organizações que acolhem, informam e lutam por pessoas com doenças raras. São os grupos de apoio e associações, fundados geralmente por quem tem ou cuida de quem tem uma doença rara.
O terceiro e último episódio Futuro do presente (#11), retoma o cenário de políticas públicas que encontramos há um ano, na primeira temporada do Histórias Raras, e detalha o que avançou de lá para cá e os problemas que ainda persistem até hoje.
Comentários, sugestões e críticas podem ser enviadas para ouvidoria@ebc.com.br, pelo site ebc.com.br/ouvidoria. As mensagens também podem ser enviadas em Libras por vídeo pelo Whatsapp (61) 99862-1971.
HISTÓRIAS RARAS - 3ª TEMPORADA
EPISÓDIO 2: ESTAMOS PRESENTES
ANTES, EM HISTÓRIAS RARAS
[Trilha principal do podcast] 🎶
[PATRÍCIA] No episódio anterior, Bruna Rocha nos contou como reagiu ao receber o diagnóstico de uma doença rara quando era adolescente.
[flashback]🎶
[TRECHO EPISÓDIO 1]
[BRUNA ROCHA] Pra mim foi muito difícil, porque, como eu tinha 14 anos, eu descobri que eu ia morrer em 10, no dia seguinte eu falei pra minha mãe que eu queria sair da escola, pra mim não fazia sentido eu seguir na escola sendo que eu tinha só 10 anos de vida.
[LEYBERSON] A mãe dela não deixou a Bruna abandonar o colégio. Ela continuou estudando e criou um blog contando sua experiência para dar apoio e fornecer informações para pessoas com a mesma condição que ela.
[PATRÍCIA]. E olha que tem ajudado bastante gente, viu. Redes de apoio, grupos de pacientes e familiares com doenças raras e associações são… nossa vida.
[/flashback]🎶
[Frase do Bob Esponja]🎶 Mais tarde
[LEYBERSON] Esse trecho do episódio de estreia da terceira temporada de Histórias Raras, foi ao ar no Dia Raro, 29 de fevereiro de 2024.
[Frase do Bob Esponja]🎶 Uma semana depois…
[LEYBERSON] Chegamos a março com um novo episódio. Enquanto isso, a Bruna segue estudando e tendo uma vida bastante ativa. Ela é formada em publicidade, fez mestrado e até doutorado.
[PATRÍCIA] E agora, aos 37 anos, Bruna trabalha em associações ajudando outras pessoas com diagnósticos de doenças crônicas a terem acesso à informação de qualidade em saúde.
[LEYBERSON] É tanta coisa que ela não atualiza o blog desde 2021, mas que segue on-line pelo link esclerosemultiplaeeu.blogspot.com.
[BRUNA]
O blog foi muito desse desejo de conhecer outras pessoas com a mesma doença que eu. Eu morava no interior do Rio Grande do Sul, eu não conhecia ninguém que tivesse a mesma doença, que tivesse a mesma idade que eu, porque eu tinha 20 e poucos anos ali quando eu fiz o blog. Eu me dei conta que eu precisava contar sobre isso porque outras pessoas estavam tendo diagnóstico naquele dia.
E quando elas procurassem na internet, queria que elas encontrassem vida, eu queria que elas encontrassem uma pessoa que estava falando que elas poderiam viver, e não que elas iam morrer em 10 anos.
[Trecho da música Pulso - Titãs] 🎶 “E o pulso ainda pulsa…”
[Trilha secundária do podcast] 🎶
[PATRÍCIA] Mas peraí!
[Som de freio] 🎶
[PATRÍCIA] Tá faltando explicar o que é essa esclerose múltipla.
[LEYBERSON] Então vamos resolver isso agora. Marizete, você pode ler algum trecho do blog da Bruna que fala sobre a doença?
[MARIZETE] Bora lá! Aqui no blog tem um trecho que diz:
"Esclerose Múltipla é uma doença inflamatória crônica e degenerativa do sistema nervoso central. Ela interfere na capacidade de controlar funções como a visão, a locomoção e o equilíbrio. Os sintomas podem ser leves ou severos e podem aparecer ou desaparecer, imprevisivelmente. Não se sabe o que causa a Esclerose Múltipla e não há cura, apenas tratamento. Não é uma doença fatal, nem contagiosa.”
[LEYBERSON] Valeu, Marizete. E valeu, Bruna!
[PATRÍCIA] Rapidão. Posso fazer uma comparação bem prática para o pessoal entender melhor?
[MARIZETE] É claro!
[PATRÍCIA] Então, o nosso cérebro envia sinais elétricos para todo o corpo, dizendo, por exemplo, “mexe o braço”, “mexe a perna”, certo?
[MARIZETE] Certo.
[PATRÍCIA] Aí, pra quem tem esclerose múltipla, é como se o fio que leva esse sinal estivesse desencapado em algumas partes, porque o sistema imunológico causou lesões na mielina, que é a capa que reveste a medula.
[MARIZETE] Uhum. Continua!
[PATRÍCIA] E assim como um fio elétrico, o sinal não vai completo e o comando do corpo pode ficar prejudicado. Com medicamentos, esse sinal pode voltar por completo ou parcialmente, deixando sequelas.
[LEYBERSON] Olha, muito bacana essa analogia. Mas vem cá, a gente não é especialista no assunto e tá sempre buscando uma fonte confiável. Revela o segredo. Aposto que você pediu ajuda aos universitários.
[Frase característica do Show do Milhão] 🎶 “Vamos ver.”
[PATRÍCIA] Certa resposta! Quem tem amigos, tem tudo, né, Ley? Eu tenho meus contatinhos no zap!
[Frase característica do Show do Milhão] 🎶 “Está certo disso?”
[PATRÍCIA] Brincadeiras à parte, essa analogia do fio elétrico costuma aparecer em diferentes grupos de pessoas com doenças raras. A própria Bruna usa esse exemplo no blog dela. Aqui na EBC, Empresa Brasil de Comunicação, a gente tem um grupo de raros e pessoas com deficiência e a gente conversa sobre muitas coisas, inclusive sobre esse podcast.
E nós temos duas colegas de profissão com esclerose múltipla. Inclusive, a sugestão de entrevistar a Bruna foi de uma delas. No caso, da Raíssa, que atua nas redes sociais da EBC e teve o seu diagnóstico em 2014. O blog da Bruna foi o primeiro relato que ela encontrou de como é viver com a doença do ponto de vista do paciente.
[LEYBERSON] Por falar em apostas, valendo um milhão, o tema deste episódio é…
[Som de suspense - Show do Milhão] 🎶
[Fala do Show do Milhão] 🎶 “Ih, não dá mais, acabou seu tempo.”
[LEYBERSON] Bora pra abertura!
APRESENTAÇÃO
[Trilha secundária do podcast] 🎶
[PATRÍCIA] Olá, sou Patrícia Serrão.
[LEYBERSON] E eu sou Leyberson Pedrosa.
[PATRÍCIA] Esté é o Histórias Raras, podcast original da Radioagência Nacional que volta agora em um momento especial: um ano bissexto, quando o Dia Mundial das Doenças Raras fica visível no calendário.
[LEYBERSON] Por isso, a terceira temporada estreou bem no dia 29 de fevereiro, contando a jornada de crianças que se descobriram raras desde cedo durante os primeiros anos de vida.
[PATRÍCIA] Agora, neste segundo episódio, a gente fala sobre como essas redes de apoio surgem e a importância delas para quem busca acolhimento.
PARTE 1
[LEYBERSON] Episódio 2, Estamos presentes, parte 1: força para compartilhar
[PATRÍCIA] Nesses grupos de apoio que participo, já identifiquei diferentes reações sobre o diagnóstico de uma doença rara. Eu, por exemplo, quando tive o diagnóstico de síndrome de Ehlers-Danlos, fiquei feliz por finalmente ter um nome para definir esse monte de sintomas que eu tinha. Mas tem gente que entra em depressão e leva um tempo pra processar o diagnóstico. E tem também as pessoas que, depois do susto com o diagnóstico, encontram uma força quase inexplicável que as motiva a compartilhar suas próprias experiências.
[LEYBERSON] É o caso da designer de interiores Marília Lia. Ela tem Púrpura Trombocitopênica Idiopática, ou PTI, doença recém-batizada de Trombocitopenia Imune. A história da Marília é parecida com a da Bruna, quando a gente pensa em querer ajudar outras pessoas com a mesma doença.
[PATRÍCIA] Em 10 de novembro de 2014, Marília foi internada após aparecerem manchas roxas sem razão aparente por todo o seu corpo. Foi bem nessa crise que ela descobriu ter a PTI.
[sons de aparelhos em um hospitalI] 🎶
[MARÍLIA]
Foi nessa internação que eu fiquei 100 dias, foram mais de 3 meses, o único acesso que eu tinha ao mundo externo era meu celular e aí eu comecei a procurar informação, por ser uma doença rara, e eu não achei informação. Não existia informação sobre PTI em português, só existia em inglês.
[PATRÍCIA] Também não tinha nenhum grupo de apoio ou associação sobre a doença. Então a Marília pegou para ela esse papel de produzir informação sobre a PTI.
[MARÍLIA]
E aí eu comecei a traduzir pra entender o que era a doença.
Conheci grupos de apoio lá fora e aí eu falei, gente, isso não pode ser assim, tem que ter coisa em português. Quer dizer, uma pessoa que não sabe inglês, não vai saber nada da doença, vai morrer e não vai saber o que está acontecendo com ela.
[LEYBERSON] Assim, ainda no leito do hospital, a Marília pegou o computador e criou um grupo de Facebook que no futuro se tornaria a PTI Brasil: Associação de Apoio aos Pacientes e Familiares com Trombocitopenia Imune.
[MARÍLIA]
Eu já comecei a trabalhar da cama do hospital, porque eu falei, gente, isso tem que mudar. A PTI Brasil nasceu de uma lacuna que eu vi comigo, assim, e aí eu falava, nossa, eu sou uma pessoa estudada, uma pessoa com conhecimento, que fala inglês, e eu não estou conseguindo informação. Imagina as outras pessoas que não têm o privilégio que eu tive na vida. E aí eu comecei a traduzir artigo científico e pôr em grupo no Facebook. Comecei a conversar com pacientes do país todo, comecei a mandar informação, e aí eu vi que tinha que ser uma coisa mais organizada, não dava só para sair fazendo assim, solto.
[PATRÍCIA] A PTI Brasil começou em 2016 como um grupo de apoio. Reuniu 3 mil pacientes, até virar uma associação de fato em 2021. Hoje conta com 8 voluntários fixos e alguns parceiros comerciais.
[LEYBERSON] E ainda bem que a Marília já traduziu os artigos científicos, né? Facilita a nossa vida aqui no Histórias Raras... Marizete, lê a definição do que é PTI pra gente:
[MARIZETE] Ley, para essa definição, gente buscou o apoio de cientistas que pesquisam o tema há décadas. Vamos por parte:
[Fala do Show do Milhão] 🎶 “E pra quem é que você vai pedir ajuda?”
Um grupo internacional de especialistas publicou um relatório de referência sobre a PTI em 2010, quatro anos antes da Marília descobrir que tinha a doença.
[Fala do Show do Milhão] 🎶 “Ah, essa você entrou bem.”
Aí, esse grupo atualizou o documento em 2019 e a Associação que ela faz parte divulgou o link do artigo original já com um sugestão de título em português, abre aspas, Relatório de consenso internacional atualizado sobre a investigação e manejo da trombocitopenia imune primária - PTI, fecha aspas.
Esse grupo internacional também renomeou a Púrpura Trombocitopênica Imune para Trombocitopenia Imune devido ao reconhecimento do fator imunológico e pelo fato de muitos pacientes não apresentarem manchas (as púrpuras) ou manifestações de sangramento
Por isso, a Trombocitopenia Imune é descrita como uma doença de causa desconhecida, onde o sistema imunológico da pessoa para de reconhecer as plaquetas como partículas do sangue e começa a atacá-las.
Esse ataque causa uma baixa nas plaquetas, conhecida como trombocitopenia. As plaquetas são partículas do sangue responsáveis pela coagulação e pela reparação das paredes dos vasos sanguíneos.
[PATRÍCIA] Até hoje não se sabe por que o corpo cria esses “soldadinhos” para destruir as plaquetas, mas, como toda doença autoimune, a literatura científica indica uma predisposição genética, além de fatores ambientais e emocionais.
AVISO DE UTILIDADE
[Trilha do aviso de utilidade] 🎶
[PATRÍCIA] Aviso de utilidade!
[LEYBERSON] Traduzir uma informação científica é coisa séria. Não basta colocar em um tradutor on-line qualquer. É preciso ter dedicação, conhecimento e metodologia para isso.
[PATRÍCIA] A gente pode até fazer algumas analogias, como fio elétrico ou soldadinhos do mal, para ajudar a explicar um conceito. Mas a definição de uma doença rara é bem mais complexa, multidisciplinar. A medicina não é uma ciência exata, como uma soma matemática. Por isso, nada de querer se autodiagnosticar utilizando inteligência artificial, ou algum resultado de buscadores, como Google ou Bing.
[LEYBERSON] É preciso uma investigação séria, baseada em evidências científicas. Se você sente que tem os mesmos sintomas relatados por alguém com uma doença rara, o primeiro passo é levar essas impressões a um médico de confiança. E, se a dúvida persistir, ir sempre atrás de mais opiniões médicas.
[PATRÍCIA] Os próprios grupos de apoio podem ajudar nisso. Em caso de qualquer suspeita, nunca se automedique ou tire conclusões precipitadas. O Instituto Vidas Raras, por exemplo, disponibiliza o telefone 0800 006 7868 para ajudar com orientações e busca desses grupos.
PARTE 2
[Trilha principal do podcast] 🎶
[LEYBERSON] Estamos presentes, parte 2: a acolhida
[PATRÍCIA] Ao longo dos episódios, o Histórias Raras escolheu falar da vida para além da doença. De como as pessoas se divertem, trabalham, se apaixonam e vivem tudo o que pessoas com c aracterísticas mais típicas fazem. Mas tem um aspecto que não pode ser deixado de lado: o fim da vida. E isso também está presente no meio raro. Bem mais do que nós gostaríamos. Nessas horas, os grupos de apoio ajudam bastante. Ou melhor, acolhem.
[GABRIELLE]
Nada como vivenciar para você saber o que realmente se precisa. E dentro dessa troca de experiência, com essas famílias, com esses grupos, eu consegui entender de todas as maneiras o que estava acontecendo com meus filhos e daí levar adiante o que que eu poderia fazer para melhorar a vida dele.
Fora o apoio psicológico, porque é de surtar qualquer um essa questão, eu até hoje enfrento problemas emocionais seríssimos por conta disso. E cada dia é um dia novo, uma nova experiência, uma nova reação. E é difícil porque, é aquele mérito, quem cuida de quem cuida?
[PATRÍCIA] Essa voz é da Gabrielle Gomes, que tem uma história capaz de reunir diferentes vivências, experiências e reações em volta de uma só pessoa. Se fosse transformada em livro, seria uma saga de vários capítulos.
[som de viola ao fundo] 🎶
[GABRIELLE]
Então, a minha história começou em 2001, quando eu descobri que meu primeiro filho tinha algumas questões que ninguém conseguia descobrir o que eram, entre hérnia, amígdalas, coisas que são consideradas normais pra idade dele para dar em algumas crianças, só que ele tinha muitas intercorrências, fora otites múltiplas, pneumonias, muita coisa acumulada. Em 2004 se descobriu que ele tinha mucopolissacaridose.
[LEYBERSON] Se a nossa entrevistada me permite uma ousada analogia, a história da Gabrielle bem que poderia ser uma versão moderna de Morte e Vida Severina, livro de poema escrito e publicado em 1955 por João Cabral de Melo Neto. Nessa saga, a dor e luto estão presentes ao longo do caminho. Mas onde há vida, há também a esperança e algum sentido para se continuar adiante.
[PATRÍCIA] No primeiro ato dessa história, a gente descobre que a Gabrielle teve três filhos e um irmão com mucopolissacaridose.
[LEYBERSON] Gustavo, o filho mais velho, faleceu em 2011, aos 11 anos, por conta de problemas causados pela doença.
[GABRIELLE]
Daí eu me reuni com algum grupo de mães e nesse grupo de mães, através da geneticista lá do hospital do Fundão, IPPMG, começamos a trocar experiências. Era um número bem, bem pequeno, de crianças com mucopolissacaridose. Mas nessa época começou o primeiro congresso do Sul de mucopolissacaridose, porque veio uma pesquisa para o Brasil de reposição enzimática. Nós fomos, participamos, até tentei colocar meu filho para participar do estudo, mas como ele era menor de cinco anos, ele não entrou.
Aí começou a história da minha família e a luta para conseguir tratamento. Fui uma das primeiras mães no Brasil que conseguiu judicializar para requerer essa medicação, em 2007. E daí foi onde começou o grupo de apoio das famílias. Outras famílias de outros estados começaram a me procurar para saber como é que fazia.
[PATRÍCIA] A próxima cena acontece em 2016. Três anos depois, quem partia era o irmão da Gabrielle, o Gabriel Felipe, por conta de complicações da Mucopolissacaridose.
[som de viola ao fundo] 🎶
[LEYBERSON] Mesmo diante das perdas, ela seguiu lutando.
Com uma força extraordinária, Gabrielle conseguiu um transplante de medula óssea, na época um procedimento ainda experimental, e que salvou a vida de Marcos Vinícius, seu segundo filho.
Aí quando descobriu que Davi, o caçulinha, também tinha “muco”, a técnica de transplante já estava consolidada e foi mais fácil ter acesso ao procedimento. Hoje, os dois são considerados curados da Mucopolissacaridose.
[PATRÍCIA] Seria justo que esse auto de natal da Gabrielle terminasse com ela comemorando as vitórias e cuidando das feridas que as perdas deixaram pelo caminho.
[GABRIELLE]
Tem horas que a gente não aguenta, mas não pode parar. Imagina quem vive na pele, que tem aquela questão que a doença acomete de uma maneira que te impede de tudo. Então é muito complicado, e esses grupos de apoio te ajudam um pouquinho nessa parte psicológica e emocional.
[LEYBERSON] Mas a jornada da Gabrielle não acabou com a cura dos filhos. Como um anjo da guarda, ela estendeu os braços a pacientes e mães na mesma situação.
[GABRIELLE]
Daí começou a minha luta como Associação, até mesmo porque eu me tornei referência por conta do transplante. E daí nós fundamos uma associação de mães com filhos com mucopolissacaridose. Em 2019 eu engravidei novamente, o meu terceiro filho com mucopolissacaridose, isso já com a perda do meu irmão e do meu primeiro filho por conta da questão da doença, que se agravou muito. E o meu filho que nasceu em 2019 foi transplantado logo no início de 2020 e também deu certo o transplante.
[PATRÍCIA] Anjo da Guarda não foi uma licença poética. É o nome que ela deu à associação que criou. Se fosse filme, ainda dava tempo de mostrá-la se juntando a outros grupos de raros cariocas.
[GABRIELLE]
Intermédio disso, com a criação da Anjo da Guarda, nós juntamos com outras associações de outras doenças raras. Em 2016 para 2017, nós fundamos a Aliança Rara Rio, onde reuniu essas associações justamente para dar mais voz e corpo, para juntos conseguirmos alcançar políticas públicas mais e fetivas ali pras doenças raras.
[LEYBERSON] Pois bem, dos versos de João Cabral de Melo Neto, a gente vai de Paralamas do Sucesso para dizer que vida não é filme.
[Patrícia] Ou cantar: “A vida não é filme, você não entendeu / Ninguém foi ao seu quarto quando escureceu”.
[Trecho da música Ska - Paralamas do Sucesso] 🎶 “A vida não é filme, você não entendeu. / Ninguém foi ao seu quarto quando escureceu.
[LEYBERSON] Ou seja, a história da Gabrielle talvez não caiba num livro, ou em uma adaptação para o cinema e muito menos em uma estrofe de música. E ela também ficou no quarto esperando a solução chegar // Atualmente, Gabrielle continua sua luta fazendo advocacy.
[GABRIELLE]
Em 2022 eu retornei mais ativamente, com um grupo de mulheres que veio lutando de forma mais política, que é a Equipe Raras, para mudar um pouquinho esse cenário do Rio de Janeiro. Eu acho que hoje é primordial a gente construir novas políticas públicas, torná-la efetiva, ter a garantia de direitos. Então aquela questão do advocacy para empoderar, explicar pras famílias como adquirir seus direitos, e daí começou uma nova trajetória e em 2023 eu consegui trazer a associação de volta.
[MARIZETE] Ei…
[som de freio] 🎶
[MARIZETE] \Agora eu que faço questão em dizer PERA AÍ e pedir ao sonoplasta aquele som de freio.
[som de buzina] 🎶
[MARIZETE] Até agora, eu já li tanta definição de doença que faço questão de definir advocacy.
[som do Telecurso 2000] 🎶
[MARIZETE] A palavra Advocacy vem do inglês, não é nome de doença. Numa tradução livre do dicionário Cambridge seria algo como: forma de apoio público a uma ideia, plano ou forma de se fazer algo. Normalmente, é usado como sinônimo de defesa de uma causa ou como ações que reivindicam direitos e que tem por objetivo exercer influência na formulação de regras, leis, políticas públicas etc.
[PATRÍCIA] E como a gente acabou de testemunhar, a Gabrielle criou algumas associações para dar apoio não só às pessoas com a mesma síndrome dos seus filhos, como também de outras doenças raras. E agora se dedica à luta por políticas públicas para toda a população rara.
[GABRIELLE]
Então, hoje nós não somos mais a Anjo da Guarda, somos Cuidados Raros e abri também para outras patologias que não tem uma instituição ou um grupo que presta essa assistência. Esse ano eu tô iniciando uma nova etapa que é de levar essas informações a toda a comunidade, à sociedade em geral, até mesmo por conta de uma lei que foi sancionada ano passado, a lei 9.991 que institui que tanto a Secretaria Estadual de Educação como de Saúde devem capacitar os profissionais sobre doenças raras, então eu tô focada nisso.
[PATRÍCIA] Ela faz parte, como colaboradora, da Diretoria da Pessoa com Deficiência na OAB/RJ, justamente para buscar essa incidência política para melhorar a qualidade de vida e garantir os direitos das pessoas com doença rara.
[GABRIELLE]
Eu acho que o que precisa para os raros dentro das políticas públicas é principalmente informação, capacitação profissional. Os profissionais não sabem lidar com as doenças raras e isso dificulta também que as famílias consigam lidar. Tem que ter ampliação do diagnóstico, eu acho que um diagnóstico precoce é primordial, e um aconselhamento genético mais efetivo para dar informações para as famílias, bem como a capacitação dos profissionais para atender as pessoas com doenças raras.
[LEYBERSON] Nossa protagonista não é heroína de filme e nem super humana. Afinal, ela não está sozinha nessa luta. Por isso, a gente termina por aqui deixando algumas questões em aberto para o último episódio: como andam as políticas públicas para os pacientes raros?
[PATRÍCIA] O que será que avançou no Brasil desde o primeiro episódio do podcast, veiculado lá no longínquo dia 28 de fevereiro de 2023?
[LEYBERSON] Bom, no próximo e último episódio da temporada a gente tenta trazer algumas respostas. Enquanto isso, por que não terminar o dia com um verso, não é mesmo?
[PATRÍCIA] O Ley deu a ideia e pedi ao José, da nossa família Cizotti, para recitar alguns versinhos.
[LEYBERSON] Citado desde a primeira temporada, a gente finalmente ouviu o José no episódio anterior. Ele nos contou sobre seus 10 anos, os medos do futuro e do apoio familiar que recebe. Agora, a gente queria mesmo é uma ajudinha literária dele.
[PATRÍCIA] Um pouco tímido, mas com sua primeira e maior “rede de apoio” ao lado, a mãe Roseli, ele topou ler o finalzinho de Morte e Vida Severina:
[LEYBERSON] Esse José é corajoso! Manda ver:
[som de viola ao fundo] 🎶
[JOSÉ]
Somos muitos Severinos
iguais em tudo e na sina:
a de abrandar estas pedras
suando-se muito em cima,
a de tentar despertar
terra sempre mais extinta.
[som de viola ao fundo] 🎶
“Eu não sei bem a resposta
da pergunta que fazia,
se não vale mais saltar
fora da ponte e da vida
nem conheço essa resposta,
se quer mesmo que lhe diga
é difícil defender,
só com palavras, a vida,
ainda mais quando ela é
esta que vê, severina
mas se responder não pude
à pergunta que fazia,
ela, a vida, a respondeu
com sua presença viva.
E não há melhor resposta que o espetáculo da vida:
vê-la desfiar seu fio,
que também se chama vida,
ver a fábrica que ela mesma,
teimosamente, se fabrica,
vê-la brotar como há pouco
em nova vida explodida
mesmo quando é assim pequena
a explosão, como a ocorrida
mesmo quando é uma explosão como a de há pouco, franzina
mesmo quando é a explosão de uma vida severina.”
[LEYBERSON] Bem melhor terminar assim do que a gente cantando, né.
[PATRÍCIA] Sem dúvida. Beijinho e a gente se vê na semana que vem.
[LEYBERSON] Tchau!
CRÉDITOS
[música-tema da temporada] 🎶.
[PATRÍCIA] Histórias Raras é idealizado e apresentado por mim, Patrícia Serrão, e Leyberson Pedrosa.
[LEYBERSON] A Patrícia foi responsável pela concepção de pauta, produção e entrevistas. A idealização deste podcast seriado é minha.
[PATRÍCIA] Neste segundo episódio, a base do roteiro ficou por conta da Akemi Nitahara. O Leyberson fez a redação final, implementação web e a montagem do áudio.
[LEYBERSON] A Patrícia também deu várias sugestões e me ajudou na pesquisa sobre a definição das doenças.
[PATRÍCIA] A edição do texto é da Sumaia Villela, que separou pra gente aquele trechinho lido pelo José Cizotti entre os versos de Morte e Vida Severina.
[LEYBERSON] A sonoplastia e a identidade sonora são de José Maria, mais conhecido como Pardal. Contamos ainda com a operação de áudio de Tony Godoy, Thiago Coelho e Josemar França.
[PATRÍCIA] A identidade visual tem concepção e design de Caroline Ramos.
[LEYBERSON] A Simone Magalhães colaborou na produção dos episódios. A coordenação de processos e distribuição em redes é de Beatriz Arcoverde. Já Marizete de Souza volta a emprestar a sua voz na leitura dos textos.
[PATRÍCIA] A equipe da EBC faz a interpretação na Língua Brasileira de Sinais, a Libras.
[LEYBERSON] Esta série tem finalidade jornalística e utilizou trechos da música "O Pulso", da banda Titãs e Ska dos Paralamas do Sucesso para o contexto dos episódios, e trilhas de domínio público. E para ambientar, a gente também usou trechos de memes clássicos como sons do Show do Milhão e do desenho Bob Esponja.
[PATRÍCIA] O Histórias Raras é um podcast original da Radioagência Nacional. Ouça outros de nossos projetos no perfil da Radioagência aqui nesta plataforma de podcast.
[LEYBERSON] E por favor, nos conte o que achou deixando uma mensagem em ouvidoria@ebc.com.br ou, então, pelo site ebc.com.br/ouvidoria.
[PATRÍCIA] E você pode mandar sua mensagem também em Libras, por vídeo pelo número (61) 99862-1971.
Apresentação e pesquisa | Leyberson Pedrosa e Patrícia Serrão |
Concepção de pauta, produção e entrevistas | Patrícia Serrão |
Roteiro | Akemi Nitahara |
Roteiro final, montagem e idealização do formato: | Leyberson Pedrosa |
Edição de texto: | Sumaia Villela |
Identidade sonora e sonoplastia: | José Maria Pardal |
Identidade visual e design gráfico | Caroline Ramos |
Implementação web | Leyberson Pedrosa |
Operação de áudio |
Tony Godoy (RJ) e equipe EBC (DF) |
Leitura das definições | Marizete Cardoso |
Apoio à produção | Simone Magalhães |
Coordenação de processos e distribuição em redes: | Beatriz Arcoverde |
Interpretação em Libras | Equipe EBC (DF) |
Montagem da versão em vídeo | Mateus Araújo |