Histórias Raras #9 🎙️Presente do futuro
Um dia raro para Histórias Raras. O podcast original da Radioagência Nacional volta em sua terceira temporada justo quando o Dia Mundial das Doenças Raras aparece no calendário: 29 de fevereiro, visível apenas em anos bissextos.
Horizontes se divide em três episódios para contar o que está sendo feito no presente com o objetivo de conquistar um futuro melhor para esse grupo populacional - que não é nada pequeno. Estima-se que existam entre 300 milhões de pessoas com doenças raras no mundo.
Entre elas, crianças. O primeiro episódio, Presente do futuro, conta como é uma infância com doença rara e como é crescer na nossa sociedade tendo essa peculiaridade. Da dificuldade para conseguir um diagnóstico precoce até o medo de exclusão e de bullying.
E com o podcast, volta também uma família que nos acompanha desde a primeira temporada: os Cizotti. Já trouxemos as histórias da mãe, Roseli, e do pai, Fábio. Desta vez, o José, de 10 anos, fala como lida com a síndrome de Tourette, que gera tiques motores ou vocais de forma frequente e involuntária na pessoa.
"Eu fico com medo de de ser zoado, por causa dos meus tiques, por causa dos barulhos que eu faço, do nada. É bem difícil ter Tourette. Eles entendem o que eu passo, só que o meu pai já foi zoado quando ele era pequeno. Eu tenho medo de acontecer a mesma coisa comigo", conta José, fazendo referência à ao pai, que tem o mesmo diagnóstico.
Fábio, o pai, que já passou por situações vexatórias em sua juventude, ensina o filho a lidar com a doença - e com os outros. "É uma coisa natural de ser humano, a gente acaba se sentindo às vezes ridicularizado, mas eu sempre falo pra ele: olha, bola pra frente, vamos tocar, você é mais que isso, não importa o que as pessoas estão pensando. Quem for amigo de verdade vai gostar de você do jeito que você é".
O apoio da mãe também foi fundamental para que Natália, de 12 anos, tivesse uma vida "normal". Ela foi diagnosticada com mucopolissacaridose tipo 6 ainda bebê. "Nós procuramos sempre socializar a Natália com as crianças da idade dela, colocamos ela na escola na época certa, ela já fez balé, já fez natação, então, assim, ela vive uma vida bem próxima do normal", lembra Maria Cláudia, que tinha muito medo da filha ser excluída e, por isso, decidiu não resumir Naty à doença dela.
"Nós nunca tratamos a Natália como uma coitadinha. Hoje ela socializa com todo mundo, nunca sofreu bullying. Só que nós também nunca escondemos da Natália a condição dela".
Luta contra o tempo
O desafio enfrentado pela pequena Liz, de 4 anos, e a mãe, Cíntia Samara, foi de outra ordem. Primeiro, Liz era Heitor, pelo diagnóstico errado que ela teve ao nascer. Atribuíram a ela o sexo masculino por uma má formação no órgão genital, um dos sintomas da hiperplasia adrenal congênita. A partir daí, elas precisaram enfrentar as burocracias estatal e privada para conseguir corrigir o registro de nascimento, fazer cirurgia e tudo o que era necessário para a filha.
"O mais difícil não é nem o diagnóstico de uma doença rara, não é você conviver com uma criança que tem a doença rara. Na verdade, o mais difícil é você fazer o mundo enxergá-los", avalia Cíntia.
Bruna Rocha aparece no final do primeiro episódio para falar de outra questão enfrentada em diagnósticos de doenças raras na juventude: a baixa expectativa de vida. Hoje ela tem 37 anos, mas descobriu que tinha esclerose múltipla na adolescência. E se deparou com uma informação sobre o tempo curto que ainda tinha para viver - e que não se concretizou.
"Pra mim foi muito difícil, porque, como eu tinha 14 anos, eu descobri que eu ia morrer em 10, no dia seguinte eu falei pra minha mãe que eu queria sair da escola. Pra mim não fazia sentido eu seguir na escola, sendo que eu tinha só 10 anos de vida. Mas, ao mesmo tempo, ter um diagnóstico muito jovem foi bom no sentido de que eu planejei a minha vida sabendo que eu tinha esclerose múltipla".
Ouça a íntegra do episódio no player do topo da página, onde também é possível fazer o download para uso gratuito. A cada semana, a Radioagência Nacional lança mais um capítulo. O conteúdo fica disponível também em plataformas de podcast.
*Episódio atualizado para correção de informação. Dados da Organização Mundial de Saúde estimam que 300 milhões de de pessoas vivem com doença rara no mundo. O número de 24 a 36 milhões se refere, na verdade, à população com doenças raras dentro da União Europeia.
Como ouvir
Clique aqui para ouvir o episódio na íntegra ou nos ícones abaixo ▶️ para reproduzir cada parte. Na versão videocast 🎞️, os episódios possuem interpretação em Libras.
▶️ | 00:00 | Prólogo: Rememorando a promessa da 3ª temporada |
▶️ | 03:18 | Parte 1: Infância |
▶️ | 10:52 | Aviso de utilidade pública |
▶️ | 12:20 | Parte 2: Crescer raro |
▶️ | 22:38 | Créditos |
Sobre a terceira temporada
Horizontes é a terceira temporada de Histórias Raras, podcast original da Radioagência Nacional, que estreou em 29 de fevereiro de 2024 quando o Dia Mundial das Doenças Raras voltou a ficar visível no calendário.
O primeiro episódio (Presente do Futuro #9) conta como é uma infância com doença. A gente fala sobre como é crescer tendo essa peculiaridade, a dificuldade para se conseguir um diagnóstico precoce e até o medo de exclusão e de bullying.
No segundo episódio (Estamos presentes #10), é dedicado àquelas pessoas e organizações que acolhem, informam e lutam por pessoas com doenças raras. São os grupos de apoio e associações, fundados geralmente por quem tem ou cuida de quem tem uma doença rara.
Neste terceiro e último episódio (Futuro do presente #11), a gente retoma o cenário de políticas públicas encontrado há um ano, na primeira temporada do Histórias Raras, detalha o que avançou de lá para cá e os problemas que ainda persistem.
Comentários, sugestões e críticas podem ser enviadas para ouvidoria@ebc.com.br, pelo site ebc.com.br/ouvidoria. As mensagens também podem ser enviadas em Libras por vídeo pelo Whatsapp (61) 99862-1971.
PODCAST HISTÓRIAS RARAS - 3ª TEMPORADA: HORIZONTES
EPISÓDIO 1: Presente do Futuro
[trecho da música do Titãs] 🎶 …E o pulso ainda pulsa.
[música tema do História Raras] 🎶
[flashback - som de rebobinar] 🎶
[TV Ratimbum] 🎶…Senta que lá vem história.
[TRECHO EPISÓDIO 4]
[Boletim da Ouvidoria EBC] Momento da Ouvidoria, um espaço que dá voz ao público da EBC. A série Histórias Raras foi destaque do jornalismo da Radioagência Nacional no primeiro bimestre deste ano…Em uma das mensagens, o ouvinte disse, excelente matéria, relevante e interessante.
[Marizete lendo mensagem] Bom dia, EBC! Gostaria de pedir para que o podcast com as doenças raras continuasse a ser exibido.
[Velocidade acelerada] 🎶
[Leyberson ] A gente agradece pelo retorno positivo e pelas sugestões.
[Patrícia] E para quem quiser pôr na agenda, a segunda temporada vai estar disponível a partir de agosto de 2023.
[Velocidade normal] 🎶
[Leyberson] Já a terceira e última temporada surgirá em 2024, ao lado do dia 29 de fevereiro, que reaparece nos calendários.
[Frases Bob Esponja] 🎶 “Muitos meses depois…mil anos depois…”
[PATRÍCIA] 366 dias depois…Voltamos! Olá, eu sou Patrícia Serrão e este é o Histórias Raras chegando a 2024. Um ano bissexto, quando o Dia Mundial das Doenças Raras está visível no calendário.
[Frase Igor Guimarães] 🎶 “Alegria!”
[LEYBERSON] Nada mais apropriado do que escolher um dia raro, que aparece a cada 4 anos, para ser o dia dedicado às pessoas raras. Olá, eu sou Leyberson Pedrosa, e estamos de volta com a prometida e super especial terceira temporada!
[PATRÍCIA] Nas duas temporadas anteriores, tivemos uma página especial, nove episódios totalizando mais de 200 minutos, 20 entrevistadas e entrevistados e muitas horas de trabalho.
[LEYBERSON] Aliás, se você ainda não conhece o Histórias Raras, pode continuar aqui ouvindo. Você não vai deixar de entender nenhuma parte por causa dos episódios anteriores.
[PATRÍCIA] No máximo vai ter um spoilerzinho, vai.
[LEYBERSON] Coisa pouca! Mas entre um episódio e outro desta nova temporada, recomendamos que você volte e ouça o podcast desde o começo.
[PATRÍCIA] E, para não deixar dúvidas, depois de tantas histórias:
[EFEITO SONORO DE ALERTA] 🎶
[PATRÍCIA] Ninguém está comemorando o fato de se ter uma doença rara. Mas é a chance de aproveitar a visibilidade do dia 29 de fevereiro para trazer um olhar jornalístico sobre um assunto importante: como é viver ou conviver com uma doença rara, condição que afeta até 65 pessoas em cada grupo de 100 mil indivíduos.
[LEYBERSON] Pela definição, até parece pouco. Mas se a gente soma tudo dá um grupo populacional enorme. Alguns estudos nacionais dizem que há quase 13 milhões de pacientes raros só no Brasil.
[PATRÍCIA] Eu sou um desses pacientes. Contei isso no final da primeira temporada, também faço parte dessa estatística, mas não sou só um número, né?
[LEYBERSON] Bom, o podcast começou com histórias de descoberta, convívio e luta por visibilidade de mulheres com doenças raras. E nada melhor do que terminar a série com o legado e o futuro desse trabalho.
[PATRÍCIA] Serão três episódios semanais: um sobre crianças com doenças raras, outro sobre grupos de apoio e o terceiro sobre os avanços nas políticas públicas, um ano depois do começo da nossa jornada.
[LEYBERSON] Então é isso. Simbora!
[música tema do podcast] 🎶
[PATRÍCIA] Episódio 1: Presente do Futuro. Parte 1: infância
[música tema do podcast] 🎶
[som de transição entre sonoras] 🎶
[MARIA CLÁUDIA]
No primeiro ano de vida da Natália, ela foi uma criança muito esperta, teve seu desenvolvimento motor cognitivo, tudo perfeito, tudo dentro da normalidade. Nunca tinha ficado nem doentinha.
Aí, com um aninho, o perímetro cefálico dela já tinha passado do limite.
E no que eu cheguei no neurologista, antes mesmo de fazer qualquer exame, falou, não, ela tem escafocefalia, porque ela tinha a testinha um pouquinho mais, assim, protuberante, né, maiorzinha.
Fui em outro neurologista e fui num pediatra conhecido da família e foi quando ele percebeu que a Natália tinha um abaulamento na coluna, é, o baço e o fígado dela estava aumentado, com 11 meses ela desenvolveu uma hérnia umbilical.
Então foram, assim, pequenos sintomas que, pra nós, passou despercebido, mas que esse pediatra que nós a levamos percebeu. E como ele conhecia a mucopolissacaridose, ele falou para nós, né, “eu acredito que a sua filha tenha isso”.
[som de transição entre sonoras] 🎶
[CÍNTIA]
Inicialmente, eu fiz o ultrassom, né? Contou que era do sexo feminino, uma menininha, né? A gente já tinha organizado tudo, né, o enxoval. Quando tava quase no final da gravidez, fui fazer umas últimas ultrassom, me falaram que era um menino.
E aquilo já foi um baque né? Porque já tá tudo preparado pra receber a Liz, né? E aí, desde então, fizemos outros exames e tudo, não, é um menininho.
Enfim, deu as 38 semanas, certinho, nasceu o Heitor, registramos o Heitor, até então nasceu saudável.
Só que os médicos vieram me informar que ele nasceu com uma má-formaçãozinha na genitália e que foi diagnosticado com hipospádia e criptorquidia. Eu nunca tinha ouvido falar, então até aí tudo bem.
E aí recebemos alta, fomos pra casa e tudo. E aí que começou nossa luta, porque o Heitor, do nada, começou a emagrecer, não ganhava peso, a gente ia pro hospital.
Eu me sentia até constrangida porque parecia que eu não estava cuidando dele como deveria.
[música tema do podcast] 🎶
[PATRÍCIA] Como deve ser crescer com uma síndrome que quase ninguém conhece?
Nos trechos que acabamos de tocar, você ouviu a Maria Cláudia, mãe da Nathália. Sua filha foi diagnosticada com mucopolissacaridose.
Em seguida, foi a história da Liz Cecília contada pela mãe Cíntia Samara. Liz nasceu com hiperplasia adrenal congênita e genitália ambígua.
[LEYBERSON] A gente vai conhecer melhor todas elas e explicar mais pra frente o que significam esses termos todos. Antes, vamos fechar um ciclo do podcast com uma família que nos ensina sobre a vida com doenças raras desde a primeira temporada.
[PATRÍCIA] A gente trouxe de volta a família Cizotti, agora com mais uma voz: a do filho deles.
[JOSÉ]
Oi, eu sou o José, tenho 10 anos, gosto de futebol e tenho uma doença rara.
[LEYBERSON] Na primeira temporada, conversamos com a mãe do José, a Roseli. Ela é diretora de comunicação do Instituto Vidas Raras e não tem doença rara, mas está totalmente envolvida nesse mundo.
[PATRÍCIA] Quando tinha só 10 anos, a mesma idade do José agora, a Roseli acompanhou a batalha da irmã para cuidar do filho recém-nascido diagnosticado com mucopolissacaridose, doença de condição genética que afeta a produção de enzimas.
[efeito sonoro de nota mental] 🎶
[LEYBERSON] Mucopolissacaridose é a mesma doença da Naty. Guarde esse nome, voltaremos a falar dele depois.
[PATRÍCIA] Anos mais tarde e já imersa no meio raro, Roseli descobriu que o marido Fábio e o filho José também eram raros. Ambos tinham a síndrome de Tourette, que gera tiques motores ou vocais de forma frequente e involuntária na pessoa.
[LEYBERSON] Na segunda temporada, sobre neurodivergentes, o pai, Fábio Cizotti, nos contou mais sobre a sua condição rara, que costuma estar associada ao Transtorno do Déficit de Atenção (TDAH).
[PATRÍCIA] Primeiro, foi a mãe. Depois, o pai. Hora de ouvir o filho sobre como é conviver com uma doença rara.
Mais do que incômodo pela forma como a doença se manifesta, ele tem é receio de como as pessoas podem lidar com isso.
[JOSÉ]
É meio difícil ter Tourette porque tem muita dificuldade na vida.
Por exemplo, o meu pai já teve muitas dificuldades. Eu fico com medo de ter muitas dificuldades na vida, de ser zoado, por causa dos meus tiques, por causa dos barulhos que eu faço, do nada.
É bem difícil ter Tourette. Eles entendem o que eu passo, só que o meu pai já foi zoado quando ele era pequeno. Eu tenho medo de acontecer a mesma coisa comigo.
Alguns deles sabem, mas só que a maioria não sabe. Mas eles me respeitam.
[LEYBERSON] Como uma criança esperta, ele não curte muito ficar falando sobre a doença. O José prefere se preocupar mais em jogar bola. Por isso, a gente deixa a conversa mais chata, entre aspas, com os pais dele.
[PATRÍCIA] Conversa chata, mas necessária, que o próprio Fábio tem direto com o José. Nessa troca, o pai também revive a própria experiência com a doença, e pode, inclusive, acolher melhor os sentimentos do filho.
[FÁBIO]
Converso com ele, explico, mas falo pra ele tentar não ligar pra isso, né? Mas eu sei que no fundo a gente acaba ligando, essa é uma coisa natural assim nossa de ser humano, a gente acaba se sentindo às vezes meio fracassado, né?
Às vezes, se sentindo ridicularizado, mas eu sempre falo pra ele: olha, bola pra frente, vamos tocar, você é mais que isso, não importa o que as pessoas estão pensando. Eu tento falar pra ele pra ele tentar focar nisso, pra ele pensar nele e bola pra frente. Quem for amigo de verdade vai gostar de você do jeito que você é.
Então, a gente tenta incentivar o máximo possível pra que ele consiga sair quando ele tem as crises dele, quando ele fica muito mal com as coisas, tal, a gente tenta incentivar pra que ele não passe pelo que eu passei, né?
[PATRÍCIA] “Quem for amigo vai gostar de você do jeito que você é”.
[sample de música do Milton Nascimento] 🎶
[PATRÍCIA] É boa essa frase, porque de fato, o que se espera não é que um amigo ignore a doença, e sim que compreenda que essa é só uma parte de quem a gente é. E que sim, vai haver diferenças e podem existir dificuldades.
Roseli sabe bem o que é o dia a dia de uma família com dois raros em casa. “Ooo, se sabe”.
[SONORA ROSELY 1]
É uma verdadeira loucura. Primeiro que, antes de descobrir o diagnóstico do Fabinho, muita coisa era difícil porque eu não entendia como ele esquecia tanto as coisas, fazia tudo pela metade e aquilo me consumia, por mais que a gente sabia que tinha alguma coisa errada.
É confundido, sim, com preguiça, é confundido com procrastinação e é muito triste porque a gente ama, julga e se sente culpado depois. Quando teve o diagnóstico, foi um alívio gigante pra ele e pra mim.
E tudo começou a ficar mais claro, e mais fácil. E, ao invés de julgar, eu pude ajudar de uma maneira correta, porque antes eu não sabia como ajudar.
Então, é uma luta porque a gente tem que aprender tanta coisa, tem que saber lidar com tanta coisa que a gente acaba fazendo parte do tratamento.
[trilha de aviso para utilidade] 🎶
[PATRÍCIA] Aviso de utilidade!
[LEYBERSON] Criança tem o direito de ser criança e não deve ser exposta a situações constrangedoras. O Estatuto da Criança e do Adolescente (ECA) vai completar 34 anos e nos chama atenção para isso.
[MARIZETE] Artigo 18 do ECA: “é dever de todos velar pela dignidade da criança e do adolescente, pondo-os a salvo de qualquer tratamento desumano, violento, aterrorizante, vexatório ou constrangedor”.
[PATRÍCIA] Por isso, a gente pediu autorização dos pais para falar sobre o assunto e deixou a parte mais séria com eles. Afinal as crianças são sujeitos importantes de suas próprias histórias, mas elas não têm a obrigação de saber todos os detalhes das suas doenças, por enquanto.
[LEYBERSON] Mesmo assim, fica o alerta: nenhuma fala das crianças deve ser reproduzida fora de contexto por serem, talvez, sensíveis nessa fase de vida.
[PATRÍCIA] Exato. Cuidar dos pequenos é um dever de todo mundo.
E um segundo aviso: quando a gente fala de doenças raras, mesmo em crianças, é importante repetir o recado das temporadas anteriores, de que há diferentes transtornos com sintomas parecidos.
[LEYBERSON] Por isso, é preciso uma investigação séria, baseada em evidências científicas. Se você sente que um sobrinho, filho ou conhecido tem os sintomas relatados, o primeiro passo é conversar com um médico de confiança. E, se a dúvida persistir, ir sempre atrás de mais opiniões médicas.
[música tema] 🎶
[PATRÍCIA] Presente do Futuro, parte 2: crescer raro
[LEYBERSON] Lembram da mucopolissacaridose, que falamos ali atrás? Ela é a síndrome da Naty, que tem mucopolissacaridose do tipo 6 e mantém um perfil no Instagram, criado por sua mãe, a Maria Cláudia, como forma de incentivar a pequena no tratamento.
[NATÁLIA] Eu sou a Natália, eu tenho 12 anos e eu gosto um pouco de tudo. Cantar, passear com meus amigos, maquiagem. Desde pequenininha eu gostava de gravar receitinha e pôr no Facebook da minha mãe.
Aí às vezes eu não estava querendo tomar remédio, minha mãe, ah, vamos gravar vídeo para postar? Aí eu tomava o remédio, né. Aí depois de um tempo eles criaram o Instagram pra mim.
Pra mim foi normal, porque como eu comecei cedo o tratamento, eu não tenho muitos limites, né, a única coisa que tem de diferente é o tratamento. Eu falo, tenham sonhos para realizar, porque a doença é só um detalhe na vida, que não vai mudar. Depende de você, não da doença. Você tem que ser mais forte que a doença.
[PATRÍCIA] Mucopolissacaridose. A gente ainda não definiu a doença. Marizete, vou te pedir uma ajuda. Em vez do dicionário tradicional, confere o que o Código Internacional de Doenças diz pra gente, por favor:
[Marizete] Oi, gente. Um novo desafio. Deixa eu consultar no portal Orphanet, que cataloga essas definições já em português.
[Frase Bob Esponja] 🎶…Alguns momentos depois
[Marizete] Vixe, parece que tem vários tipos. Deixa eu procurar a tipo 6, que a Natália tem.
[Frase Bob Esponja] 🎶…2000 mil anos depois.
[Marizete] Aqui diz:
A mucopolissacaridose tipo 6 (MPS 6) é uma doença do armazenamento lisossomal com envolvimento multissistêmico progressivo, associado à deficiência de uma enzima, levando à acumulação de sulfato de dermatano. A doença tem um amplo espectro de sintomas, como baixa estatura, alterações no esqueleto e problemas articulares degenerativos.
[PATRÍCIA] Valeu pela pesquisa Mari. É tanto detalhe que é melhor deixar pro pessoal especializado mesmo. Mas, na prática, como é o dia a dia da Natália? Isso a mãe, Maria Cláudia, consegue contar de uma forma bem simples:
[MARIA CLÁUDIA] Nós procuramos sempre socializar a Natália com as crianças da idade dela, colocamos ela na escola na época certa, ela já fez balé, já fez natação, então, assim, ela vive uma vida bem próxima do normal.
[LEYBERSON] Essa vida “normal” que a Natália consegue ter veio de uma posição que a mãe teve diante de um medo que ela sentia: a exclusão social da filha.
[MARIA CLÁUDIA]
Nós moramos numa cidadezinha muito pequena, eu tinha muito medo da Natália sofrer bullying, eu perguntei, falei eu tenho muito medo de como vão tratar a Natália, quando ela entrar na escola, quando ela ficar mocinha.
Falou assim, olha, vão tratar ela, a Natália, da forma como você tratar. Se você tratar ela como uma coitadinha, assim vai ser.
E assim foi. Nós nunca tratamos a Natália como uma coitadinha. Hoje ela é muito conhecida na cidade, se socializa com todo mundo, nunca sofreu bullying, né? Só que nós também nunca escondemos da Natália a condição dela.
[PATRÍCIA] A Natália e o José já são “crianças grandes”, naquela fase entre a infância e a adolescência, e já entendem a própria condição de saúde. E os pequenininhos, como é ter uma doença rara pra eles?
[LEYBERSON] A Pati pediu aos pais da Liz Cecília que gravassem um trechinho e mandassem o áudio pra gente, pelo Whatsapp mesmo. Ela tem hiperplasia adrenal congênita perdedora de sal, a forma mais grave da doença. E olha que legal o recado da Liz:
[LIZ]
Oi eu sou a Liz, eu tenho 4 anos.
Eu gosto de comer sal, assistir, é...
Eu gosto do Simba. Beijo.
[PATRÍCIA] Muito fofa a Liz, né?
Bom, o Simba quase todo mundo conhece, né. Do Rei Leão. O que pouca gente pode ter entendido é… como assim comer sal?
[LEYBERSON] É que a indicação para pacientes de hiperplasia adrenal congênita é consumir de um a dois gramas de sal por dia, já que, na forma grave da doença, há justamente a perda de sal do organismo. E a mãe dela, a Cíntia Samara, explicou pra gente que ela sente essa necessidade e pede para comer sal.
[PATRÍCIA] A Liz tem uma doença rara que atinge cerca de 150 mil pessoas no Brasil, e também é conhecida pela sigla HAC. A doença tem origem genética e, quando não diagnosticada e tratada, provoca a chamada crise adrenal, com vômitos, diarreia, hipoglicemia e hipovolemia, que é a perda de líquidos do sangue. Ou seja, há risco de morrer.
[LEYBERSON] Outra característica grave dessa doença é que ela causa excesso da produção de hormônios masculinos ainda no desenvolvimento intrauterino. Com isso, o bebê do sexo feminino pode nascer com uma alteração na aparência do órgão genital. Essa alteração tem o nome de atipia genital, onde há crescimento do clítoris e fusão da pele dos grandes lábios, podendo causar confusão na identificação visual do sexo do bebê ao nascimento.
[trilha infantil para marcar ritmo] 🎶
[PATRÍCIA] Por esse motivo, Liz Cecília, que é do sexo feminino, foi registrada inicialmente como Heitor. O sexo foi comprovado pelo cariótipo, que é o exame dos cromossomos, e também por exames de imagem que identificaram a presença do útero e dos ovários. A mãe de Liz, Cíntia Samara, levou 3 meses para conseguir o diagnóstico e a identificação correta do sexo da criança.
[LEYBERSON] A HAC é uma das doenças que aparecem no teste do pezinho. Porém, o pediatra de plantão descartou o diagnóstico, pois não achou que as características eram compatíveis.
Foi preciso refazer o teste e buscar ajuda especializada para, aí sim, ter o diagnóstico formal e começar tanto o tratamento quanto a luta judicial pelo registro do sexo e do nome correto da menina. Levou quase um ano para, enfim, Liz ter os novos documentos.
[CÍNTIA]
O mais difícil não é nem o diagnóstico de uma doença rara, não é você conviver com uma criança que tem a doença rara. Na verdade, o mais difícil é você fazer o mundo enxergá-los, né?
Eu entrei com um processo e levei todos os exames que precisa, a gente teve que esperar sair os resultados dos exames, que demora, né, mais de meses, por exemplo, o cariótipo, né, que comprova que é X X, né, os cromossomos.
Ressonância, tomografia, então, eu tive esse período em hospital o tempo todo e sempre tendo que dar a mesma explicação do que tava acontecendo.
E até então para fazer a cirurgia de genitália ambígua. Eu dei entrada para fazer um exame, o plano não aceitou porque não coincidia com o sexo que está no plano, né? É um exame feminino e o plano é masculino, né, o nome.
Então eu tive todo esse período nesse ano de 2020 para poder esperar para fazer a cirurgia, tem esse processo de espera. Depois que eu consegui mudar o nome, foi um processo mais ou menos de cinco meses que eu passei.
[LEYBERSON] A mãe conta que a Liz é muito alegre, ativa, amorosa, inteligente e faladeira. E ela entende que precisa tomar remédios e tem certo trauma de hospitais. Começou a ir pra escola este ano, mas ficou com medo porque os professores estavam de máscara, lembrando médicos.
[PATRÍCIA] Olha, Liz, professores são legais - e médicos também, viu. Mas eu te entendo. É difícil saber o que se passa na cabeça da gente que tem uma doença rara.
[LEYBERSON] E essa relação com a escola, os deveres e a rotina de uma vida “típica” trazem desafios não só pelo medo que pessoas com doenças raras podem sentir dos outros, mas pelo medo do tempo perdido.
[PATRÍCIA] A expectativa de vida de pessoas com algumas doenças raras é menor do que a média da sociedade. Às vezes acaba na infância ou adolescência.
[LEYBERSON] É aqui que Bruna Rocha entra. A gente não apresentou ela lá no comecinho, e de fato só a conheceremos meeeesmo no próximo episódio. Mas o início da relação da Bruna com a condição rara dela nos dá uma boa reflexão para fechar por aqui.
[PATRÍCIA] A Bruna hoje tem 37 anos, mas se descobriu com esclerose múltipla ainda na adolescência. Depois de pesquisar sobre a doença por conta própria, a primeira reação dela foi querer deixar os estudos de lado.
[BRUNA]
Pra mim foi muito difícil, porque, como eu tinha 14 anos, eu descobri que eu ia morrer em 10, no dia seguinte eu falei pra minha mãe que eu queria sair da escola, pra mim não fazia sentido eu seguir na escola sendo que eu tinha só 10 anos de vida.
Mas, ao mesmo tempo, ter um diagnóstico muito jovem foi bom no sentido de que eu planejei a minha vida sabendo que eu tinha esclerose múltipla. Então quando eu converso com pessoas que tiveram diagnóstico lá pelos 20 e poucos, 30 anos, é muito mais difícil para essas pessoas, porque elas já estão construindo uma carreira, elas já têm uma família formada, elas já têm tudo isso, e elas têm que readaptar tudo isso depois de adultos.
E eu não precisei disso, porque eu sempre soube que eu tinha esclerose múltipla, né? Então, assim, eu comecei, por exemplo, eu comecei uma vida sexual com esclerose múltipla, todos os meus namoros foi com esclerose múltipla, todos os meus trabalhos foi com esclerose múltipla, toda a minha carreira foi planejada com a esclerose múltipla.
[LEYBERSON] A mãe dela não deixou a Bruna abandonar o colégio. Ela continuou estudando e criou um blog contando sua experiência para dar apoio e fornecer informações para pessoas com a mesma condição que ela.
[PATRÍCIA]. E olha que tem ajudado bastante gente, viu. Redes de apoio, grupos de pacientes e familiares com doenças raras e associações são… nossa vida. É nosso apoio, é nossa rede de troca, onde a gente se ajuda e se completa. É onde a gente acha informação quando muitas vezes não tem nem médico que entende nossa condição de saúde peculiar.
É de onde pode vir uma força a mais contra os tantos medos que ouvimos ao longo deste episódio. E de onde vem dicas e sugestões, como a gente pode aprender a lidar melhor com a nossa doença rara, onde a gente tem quem nos ouça e acolha.
[LEYBERSON] É sobre essa rede de apoio o tema do próximo episódio. Até lá, que tal ouvir as temporadas anteriores de Histórias Raras?
[PATRÍCIA] E claro, compartilhar esse episódio com os amigos.
[LEYBERSON] É isso. A gente volta semana que vem. Até lá!
[PATRÍCIA] Tchau!
CRÉDITOS
[música-tema da temporada] 🎶.
[PATRÍCIA] Histórias Raras é idealizado e apresentado por mim, Patrícia Serrão, e Leyberson Pedrosa.
[LEYBERSON] A Patrícia foi responsável pela concepção de pauta, produção e entrevistas. A idealização do podcast seriado é minha. Também faço a formatação final do roteiro, implementação web e participo do processo de montagem.
[PATRÍCIA] Nesta terceira temporada, o roteiro ficou por conta da Akemi Nitahara com edição de Sumaia Villela, que fez ainda a montagem, a pós-produção e a implementação web do primeiro episódio. A coordenação é de Beatriz Arcoverde. A sonoplastia e a identidade sonora são de José Maria Pardal.
[LEYBERSON] Na operação de áudio no Rio temos Tony Godoy. Simone Magalhães colaborou na produção dos episódios. Já Marizete de Souza volta a emprestar a sua voz na leitura dos textos.
[PATRÍCIA] A identidade visual tem concepção e design de Caroline Ramos. A equipe da EBC faz a interpretação na Língua Brasileira de Sinais, Libras.
[LEYBERSON] Esta série tem finalidade jornalística e utilizou trechos da música "O Pulso", da banda Titãs, do Castelo Rá-Tim-Bum, do desenho Bob Esponja e do humorista Igor Guimarães para o contexto dos episódios. Também citou dados do CID-11, Código Internacional de Doenças, publicado pela Organização Mundial de Saúde.
[PATRÍCIA] O Histórias Raras é um podcast original da Radioagência Nacional. Ouça outros de nossos projetos no perfil da Radioagência aqui nesta plataforma de podcast.
[LEYBERSON] E por favor, nos conte o que achou deixando uma mensagem em ouvidoria@ebc.com.br ou no site ebc.com.br/ouvidoria.
[PATRÍCIA] Ainda é possível fazer sua manifestação em Libras, por vídeo, para o número (61) 99862-1971.
[PATRÍCIA] Tchau!
Apresentação e pesquisa | Leyberson Pedrosa e Patrícia Serrão |
Concepção de pauta, produção e entrevistas | Patrícia Serrão |
Roteiro | Akemi Nitahara |
Roteiro final, montagem e idealização do formato: | Leyberson Pedrosa |
Edição de texto, montagem de áudio e pós | Sumaia Villela |
Identidade sonora e sonoplastia: | José Maria Pardal |
Identidade visual e design gráfico | Caroline Ramos |
Implementação web | Sumaia Villela* |
Operação de áudio |
Tony Godoy (RJ) e equipe EBC (DF) |
Leitura das definições | Marizete Cardoso |
Apoio à produção | Simone Magalhães |
Coordenação de processos e distribuição em redes: | Beatriz Arcoverde |
Interpretação em Libras | Lorraine Costa |
Montagem da versão em vídeo | Mateus Araújo |
* com atualizações de Leyberson Pedrosa sob código do Especial Histórias Raras.