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Direitos Humanos

Realizadora, Simone Maia atua para a visibilidade dos citotécnicos

A bióloga está no 3° Ep. do podcast Ciência: Mulheres negras dão o tom
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Beatriz Arcoverde e Fran de Paula
26/11/2024 - 07:15
Brasília
Podcast Ciência: Mulheres Negras dão o tom, Simone Maia Evangelista
© Arte EBC

Neste mês de novembro a Radioagência Nacional apresenta o podcast Ciência: mulheres negras dão o tom, com histórias de cinco mulheres potentes que contribuem para a pesquisa nacional nas mais diversas áreas de conhecimento. 

E ao contar histórias de mulheres negras cientistas, percebemos um fio que conduz à um lugar de coragem. Coragem para ocupar, questionar e modificar lugares. Afinal, requer muita coragem ser pioneira, abrir caminhos e estar em posições que não foram planejadas pra nós, mulheres negras, ocuparmos. Alguns podem dizer que é um super poder. Mas é fazer o que precisa ser feito para mudar a realidade.

A realizadora, Simone Maia Evaristo, bióloga que trabalha no Inca, o Instituto Nacional do Câncer é mestre em citologia é uma dessas mulheres corajosas. No momento atua no monitoramento da qualidade dos exames citológicos e coordena um grupo de da rede de tele saúde que é um grupo de discussão de Citotecnologia nas Comunidades dos Países de Língua Portuguesa, a CPLP.

O citotécnico ou citotecnologista, trabalha na prevenção do câncer, fazendo a análise clínica dos materiais coletados em exames como o Papanicolau. Carioca, Simone tem sido fundamental para o reconhecimento profissional do citotecnologista. À frente da Anacito, Associação Nacional da Citotecnologia, ela encabeçou a inclusão da profissão na CBO, a Classificação Brasileira de Ocupações.

"Então agora a pessoa pode ser contratada na carteira, mesmo não sendo regulamentado, para você ter um número de que essa área de ocupação existe no país", destaca Simone.

Ela foca no objetivo a ser atingido e realiza, garante o sucesso em suas ações. Estuda e atua para divulgar a relevância e dos citotécnicos ou citotecnologistas. Seu trabalho é reconhecido internacionalmente. Simone é mais um exemplo para as meninas negras, que podem ser tudo o que elas quiserem.

 

Episódio 3 – Simone Maia Evaristo - Testando e realizando

FRAN: Neste mês de novembro a Radioagência Nacional traz histórias de mulheres negras incríveis que contribuem para a pesquisa nacional nas mais diversas áreas de conhecimento e ainda atuam na luta por Direitos Humanos e contra o racismo.

BEATRIZ: Eu sou Beatriz Arcoverde, jornalista negra e vamos falar, aqui, de mulheres potentes.

FRAN: Eu sou Fran de Paula, também uma jornalista negra. Juntas, nós conversamos com cinco pesquisadoras que dão o tom nas suas áreas de atuação.

VINHETA: Ciência: Mulheres negras dão o tom🎶  

FRAN: Na história das mulheres negras cientistas, percebemos um fio que nos conduz a um lugar de coragem. Coragem para ocupar lugares, coragem para questionar esses lugares e coragem para modificar esses lugares.

BEATRIZ: De fato, ser pioneira, a primeira, abrir caminhos e estar em lugares que não foram planejados para nós ocuparmos, requer uma dose de coragem. Alguns podem dizer que é um super poder. Para nós, é fazer o que precisa ser feito para mudar a realidade.

SIMONE: Aí eles estavam dizendo que eu sou poderosa. Falei não, eu não sou poderosa, eu só sinto assim: gente, pode fazer isso? Eu vou lá e vou fazendo, uai!

FRAN: Essa é a Simone Maia Evaristo, bióloga que trabalha no Inca, o Instituto Nacional do Câncer. Podemos dizer que Simone é uma realizadora.

SIMONE: Meu nome é Simone Maia Evaristo, eu sou bióloga e também tenho um mestrado e tenho uma especialização em citologia. Trabalho no Instituto Nacional do Câncer. Já trabalhei na formação do técnico em citopatologia e agora estou no monitoramento da qualidade dos exames e gosto de estar sempre promovendo alguma coisa. E atualmente também coordeno um grupo da rede de telemedicina, tele saúde, que é um grupo de discussão de citotecnologia a nível das Comunidades dos Países de Língua Portuguesa, né, a CPLP.

BEATRIZ: O citotécnico ou citotecnologista, trabalha na prevenção do câncer, fazendo a análise clínica dos materiais coletados em exames como o Papanicolau, por exemplo.

SIMONE: Nós é que preparamos e lemos essas lâminas para ver como é estão as células, né? O material é colhido, né? Nós preparamos aquele material, né, com essa coloração para poder ficar evidenciada e botamos no microscópio e vamos avaliar aquelas células. Se aparece alguma célula com sinal, né, já indicando alguma coisa, porque a gente pesquisa aquela patologia que a pessoa às vezes tem, no início ou não, mas que ainda não tem sinais clínicos. Porque quando aparecem sinais clínicos é que já tá com um pouco mais tomado. Então a nossa ideia é detectar antes que se agrave, porque a chance de cura é 100%. Então a gente faz o acompanhamento para ver se tá tendo modificações que ainda não são visíveis clinicamente, que nem a pessoa está sentindo nada, mas aquela célula tá ali, que se vê. Se não for tratada pode evoluir. O pessoal dessa área, ele é invisível. Que toda vez que se fala em prevenção, ninguém sabe quem realmente é o verdadeiro ator nessa área. O pessoal fala muito do médico, “não, que os lá”, mas quem faz tudo, prepara e realmente analisa aquelas células, aquele material, a primeira leitura que diz realmente se tem ou não, né? Porque quando diz que tem, passa por uma outra leitura, porque afinal de conta você tá fazendo uma análise de olhar, né, para confirmar aquela visão do que você viu. Então eles não são muito valorizados. Nós não somos muitos valorizados.

SOBE SOM🎶  

FRAN: Só que Simone, curiosa e inquieta, se dedica a questionar esse lugar da invisibilidade, ciente do valor fundamental que o citotecnologista tem na luta contra o câncer.

SIMONE: Tem certas áreas que se sobrepõem às outras. Se faz muita propaganda, né, pessoal diz “ah, porque o médico”, sim, o médico, a gente tem parceria. É isso que deveria ser feito: ter a parceria. Quando a gente encontra alguma coisa que, “olha eu acho que isso aqui é maligno”, geralmente a gente passa para o outro profissional, e pode ser um médico, principalmente, porque ele tem aquela parte clínica dele para correlacionar, para confirmar, ou não, aquilo que eu vi.

SOBE SOM🎶  

BEATRIZ: Analisar o mundo, perceber as nuances, descobrir o que está oculto. Esse olhar para as coisas ao redor acompanha a Simone desde cedo. A escolha pela biologia veio de um desses momentos de percepção.

SIMONE: Uma vez estava vendo uma plantinha saindo no cimento, eu falei “gente, aqui tudo cimentado, essa plantinha pequenininha conseguindo sobreviver”. Achei aquilo o máximo do poder, né, de extravasar, por mais que fosse cimentado, conseguir florescer. E acabei caindo na Biologia.

FRAN: Ao ouvir a Simone, podemos dizer que o encantamento com a plantinha veio de um olhar científico, que sempre esteve ali.

SIMONE: Eu nunca precisei de ninguém para me estimular a estudar. Isso é uma coisa que eu sempre gostei de fazer. Eu sempre fui muito curiosa. A minha mãe se espantou, porque, minha família, né, na época, minha mãe, meus avós, com quem eu morava, se espantaram porque, quando viram já sabia ver as horas. “Ah, já conhece os números?” Porque eu ficava no meu cantinho, testando. Ficava, aqui na minha mente assim, se eu fizer assim, se eu fizer isso, e então eu fui ficando autodidata. Mas é uma coisa que ninguém precisou me incentivar, me dizer. É uma característica minha. Filha única, gostava de ficar nos meus cantinhos e gostava de ler. E gostava de ficar lendo histórias e sempre gostei de visitar museus. Eu sempre tive na cabeça que eu queria entender o passado, para no presente não ter que ficar reaprendendo, apenas pegar os ensinamentos e seguir em frente. Fazer coisas diferentes, né, coisas de criança nerd. E eu sempre gostava de inventar histórias na minha cabeça, nas feiras de ciências eu gostava de ficar testando aqueles negócios. Uma vez eu fui testar, resolvi cheirar, acho, não sei se foi feijão ou negócio de café, o negócio entrou no meu nariz, minha família ficou tão desesperada, quase morri sufocada. Mas essa coisa meio louca, né, de testar, “deixa eu ver como é que é isso”. Vai lá e testa.

SOBE SOM🎶  

BEATRIZ: A segurança familiar permitiu que Simone pudesse se dedicar aos estudos. Gulosa por conhecimento, como se define, até foi empregada em uma fábrica de costura, mesmo sem saber costurar. Também cantou no coral da faculdade, principalmente por causa da bolsa de estudos. Mas, o que ela queria era estudar.

SIMONE: No último ano da faculdade, como eu tinha meu avô ainda, que pagava a casa, eu falei “eu vou arriscar, eu preciso fazer um estágio para melhorar minha parte”. Então, larguei o emprego, uma coisa bem louca assim, nessa época eu tinha essa de arriscar. Larguei o emprego, fui fazer um estágio no Instituto de Biologia do Exército e lá eu conheci uma pessoa que me apresentou essa área que estou hoje, que eu não sabia que existia. Então eu trabalhei muito no laboratório de análises, né, clínicas, assim que eu terminei a faculdade, mas fiquei pouco tempo, que aí passei para fazer o curso do Inca, que era um concurso, né? Eu já tinha, antes de terminar o curso, eu já tinha arranjado emprego, já tinham me oferecido emprego, no laboratório, para trabalhar com essa área. Aí depois passei para o concurso público, antes do Incra, que foi do, eu era do Ministério da Educação, pra trabalhar nessa área, e acabei não saindo da área. Fiz um fiz um concurso que não era público ainda, fiquei trabalhando nos dois, no Inca e nesse serviço, e depois passei como nível superior pro Inca e tô até hoje.

SOBE SOM🎶  

FRAN: Carioca, Simone tem sido fundamental para o reconhecimento do citotecnologista. À frente da Anacito, Associação Nacional da Citotecnologia, ela encabeçou a inclusão da profissão na CBO, a Classificação Brasileira de Ocupações.

SIMONE: Então agora a pessoa pode ser contratada na carteira, mesmo não sendo regulamentado, mas você tem um número de que essa área, essa ocupação existe no país, né? Acho que só essa é a parte mais interessante e eu nem me ligava, né, que isso era um grande projeto. Olha só, passo por tanta, assim, com vontade de fazer, só por curiosidade, por querer resolver, que eu nunca paro pra pensar no quão isso foi importante. Pessoal fala que sou humilde demais, mas não. Pra mim é tão natural, tentar resolver os problemas, que eu não levo isso pro ‘ai nossa, que grande feito’. Não acho que é uma coisa que tem que ser feita, tá tão óbvio, por que ninguém fez?

BEATRIZ: Essa pergunta, ‘por que ninguém fez?’ parece muito simples, quando dita pela Simone. Mas não é bem assim. O fato é que a bióloga é comprometida com a sua ocupação e com seus pares, e tem marcado seu nome na história de toda uma classe profissional, se tornando referência, inclusive, internacional no tema. Da invisibilidade, para a regulamentação. Como uma desbravadora mesmo.

SOBE SOM🎶  

FRAN: Um caminho semelhante com o que o foi traçado por Virgínia Leone Bicudo, que também foi uma desbravadora. Primeira pessoa não médica a ser reconhecida como psicanalista no Brasil, Virginia é considerada uma das figuras mais emblemáticas na implantação e desenvolvimento da psicanálise no país. Educadora sanitária formada na Escola de Higiene e Saúde Pública do Estado de São Paulo, Virginia atuou com o médico e professor Durval Marcondes na fundação da Sociedade Brasileira de Psicanálise. Ela lecionava as disciplinas de higiene mental e psicanálise.

BEATRIZ: No mestrado, sua dissertação “Atitudes raciais de pretos e mulatos em São Paulo” foi a primeira na área de psicanálise a investigar as questões raciais. E, segundo a “enciclopédia negra”, ao mesmo tempo em que desenvolvia pesquisas sobre racismo, atuava na divulgação da psicanálise, com artigos jornalísticos e programas de rádio. Também participou do projeto Unesco-Anhembi que, em 1955, questionava o mito da democracia racial vigente no Brasil. Ainda segundo a enciclopédia negra, Virginia, por estar cansada das hostilidades que enfrentava aqui, passou um tempo em Londres, onde se especializou em atendimento infantil. De volta ao Brasil, fundou o Instituto de Psicanálise de Brasília.

FRAN: Falar em hostilidades soa como um eufemismo. Virginia teve sua imagem embranquecida em muitos registros em que aparece com colegas da Sociedade Brasileira de Psicanálise. Um exemplo do epistemicídio que discutimos no segundo episódio deste podcast. Virgínia, em suas pesquisas, afirmava que o racismo adoece e que o adoecimento psíquico é ainda mais eficiente, como forma de opressão, do que a segregação e a discriminação.

BEATRIZ: Diversas pesquisas atuais, na área de saúde mental e racismo, discutem o adoecimento psíquico causado pelo racismo. E talvez uma das principais maneiras de não se deixar adoecer seja criando estratégias de autopreservação. Simone fala um pouco sobre isso.

SIMONE: Pessoal sempre fala essa parte da mulher negra. Eu acho que eu tomei mais consciência agora. Como eu vi que eu ficava muito só, eu gostava muito de estudar, na escola eu, geralmente, era a mim que pediam as informações, eu nunca precisei pedir nada para ninguém, e eu acho que eu passei meio, sem querer, a prestar atenção em tudo. Mas eu acho que teve um momento que eu percebi, que eu parei no espelho, quando era criança, tinha essas manias, eu parei no espelho, toda vez que eu tenho algum problema eu tenho que resolver sem pedir ajuda, é coisa de ficar testando, né? Eu cheguei pro espelho e olhei assim “bom sou negra, sou mulher, sou pobre e sou gorda”. O pior é, a primeira coisa que eles veem em mim, eu sempre sofri muito bullying... sofri não, sempre tentaram me fazer bullying por ser gorda. Então não tive tempo de sentir por outras coisas, que só o fato de você chegar e ser uma pessoa gorda já era um horror, né? Totalmente fora do padrão. Mas isso eu nunca esquentei minha cabeça, eu respirava fundo e seguia assim, não vou deixar de ir a lugar nenhum, nem deixava de comer merenda por causa disso. Pensei “não vou me enlouquecer pela opinião alheia”. Isso eu sempre tive na minha cabeça. Então eu parei assim, você, “deixa eu ver”, bom cabelo a gente pode mudar, mas a cor eu não posso, engordar, isso eu posso, emagrecer e engordar de novo. Ah, quer saber, eu olhei no espelho, “que se dane”. Não quer chegar perto de mim, não chega, até melhor, eu até agradeço, que é menos uma pessoa falsa do seu lado, então sempre foi esse meu pensamento. Não sei se é auto proteção ou não.

SOBE SOM🎶  

FRAN: O que percebemos é que Simone foca no objetivo a ser atingido e realiza, garante o sucesso nas suas ações. Quando buscamos na internet “mulheres negras na área de pesquisa e prevenção do câncer” Simone Maia Evaristo é a primeira a aparecer, o principal destaque na área.

BEATRIZ: E ela não perde de vista que o seu trabalho depende também do acolhimento que as mulheres, em especial as mulheres negras, recebem nos serviços médicos. Segundo estudo do Inca, as mulheres negras têm 57% de chance a mais de morrer de câncer de mama do que as brancas.

SIMONE: A gente começa não é nem no final das análises clínica, é no seu, no chegar no hospital, como você é tratada. É as perguntas que se faz, aquela anamnese, né, que às vezes as pessoas não percebem, tão invisíveis, E vai auxiliar depois, quando você ver o resultado. Lá no Inca, tá se fazendo agora um trabalho, sobre, principalmente no câncer, né? A grande maioria que tem essa coisa, que aparece os riscos dos câncer mais severos, tem muito nas mulheres negras. Mas acho que isso tem muito a ver com o próprio tratamento, com a demora no tratamento e como ela é recebida numa clínica. Como é o olhar do médico para ela. Eu, uma vez, eu eu tenho uma pressão alta, e eu sou a pessoa que sinto pressão, eu tenho a pressão alta, mas eu não tenho, não apresento muitos sintomas. E eu fui pra uma emergência, onde eu tomei os remédios, eu fui assim, eu sou uma pessoa calma, quem olha pra mim pensa que eu não tô passando mal. E eu cheguei nessa emergência, né? Verificaram a minha pressão, tomei comprimido, tive que tomar injeção e mesmo assim a pressão ainda tava 19. E a médica não quis me dar o dia, me liberou para trabalhar. A impressão que dá, a sensação que dá que você tá fingindo, que sua dor não é nada. Então não é nem análises clínicas, é esse começo, esse recebimento.

SOBE SOM🎶  

BEATRIZ: Em sua modéstia, Simone estuda e atua para divulgar a relevância e dos citotécnicos ou citotecnologistas. Seu trabalho é reconhecido internacionalmente. Simone é mais um exemplo para as meninas negras, que podem ser tudo o que elas quiserem.

FRAN: Gostou do conteúdo, comente e avalie nas plataformas de áudio e confira os outros podcasts da Radioagência Nacional, como o Imprensa Negra no Brasil, Histórias Raras, Crianças Sabidas e 50 anos do Hip Hop.

BEATRIZ: A produção, entrevista, roteiro, apresentação e montagem e edição foram feitas a quatro mãos, por mim, Beatriz Arcoverde e pela Fran de Paula.

A sonorização foi feita por mim e por Jaime Batista

Cibele Tenório gravou a vinheta

Gravação de áudio e entrevistas de Jaime Batista

Interpretação em Libras da equipe de tradução da EBC.

SOBE SOM🎶  

Em breve
 

Apresentação, produção, entrevistas, roteiro, edição e montagem 

Beatriz Arcoverde e Fran de Paula
Sonorização Beatriz Arcoverde e Jaime Batista
Voz da Vinheta Cibele Tenório
Arte   Caroline Ramos
Interpretação em Libras: Equipe EBC
Implementação na web:: Beatriz Arcoverde e Lincoln Araújo

 

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