Especial Transporte: redução da oferta na pandemia afetou mais os mais pobres
Ônibus, trem, avião, barco. Não importa o veículo, o transporte de passageiros continua a ser protagonista na vida das pessoas, com ou sem coronavírus. Nenhum modal ou quem depende deles passou impunemente pela pandemia da Covid-19.
A comerciária Eliete Feitosa chegou no aeroporto de Brasília dia 27 de março – quando as primeiras medidas para inibir a propagação do vírus já entravam em vigor. Eliete veio para uma cirurgia na coluna no Hospital Sarah. Ficaria 10 dias, mas só conseguiu retornar para casa, em Fortaleza, no Ceará, dia 5 de maio.
Sonora: “Quando eu estava com uma semana que já estava feita a cirurgia, que eu precisava voltar pra Fortaleza continuava não tendo voo. Eu não tive minha alta logo uma semana depois da cirurgia por conta disso. Eu tive que ficar mais 20 dias até a gente conseguir um voo.”
Segundo a Agência Nacional de Aviação Civil, a partir de 28 de março, o número de voos semanais oferecidos pelas companhias aéreas caiu de quase 15 mil para pouco mais de 1,2 mil.
Ítalo Mamud, turismólogo, mora em Maués, no baixo amazonas. No começo da pandemia, ele foi à capital amazonense levar a única turista que recebeu no ano, no projeto de turismo comunitário que participa.
Sonora: “Dia 18 de março fui pra Manaus levar a turista e aquilo que era pra ser só uma semana de estadia em Manaus acabou se tornando em mais de dois meses, porque foram suspensas a viagens de barco.”
No dia 19 de março, um decreto do governo do Amazonas suspendeu o transporte fluvial de passageiros no estado, como medida de prevenção à Covid-19. O serviço só foi retomado quatro meses depois, em julho.
O inesperado ocorreu também com trabalhadores de serviços essenciais que dependem do transporte público para ir e voltar do trabalho.
O Distrito Federal foi a primeira unidade da Federação a suspender aulas, proibir shows e eventos esportivos. O decreto entrou em vigor no começo de março.
Mas se o objetivo era promover o distanciamento social, não funcionou. Pelo menos, não para Izabele Raierlin. Ela mora em Valparaíso, Goiás, e trabalha como auxiliar administrativa em um hospital particular de Brasília.
Com a redução do fluxo de passageiros, também diminuiu a oferta de viagens. Izabele conta que não tem carro e depende do ônibus para chegar ao trabalho. Ela relata como foi surpreendida.
Sonora: “Frota reduzida. Os ônibus muito cheios. Eles tiraram várias linhas e horários, por exemplo, eu pegava o ônibus 7h30, para chegar no trabalho às 9h. Não tem mais o de 7h30. Para voltar pra casa, eles também tiraram o ônibus da noite, só estava tendo à tarde. Pra essa questão de não ter aglomeração deveria ter mais linhas e não cortar as linhas.”
De acordo com a Rede de Pesquisa Solidária, aproximadamente 40% da população economicamente ativa que se desloca do ou para o trabalho utiliza o transporte público. Entre os mais pobres, com renda média mensal menor que R$ 600, o percentual é de 60%.
O diretor do programa de Cidades do Instituto WRI Brasil, que atua em projetos de desenvolvimento sustentável, Luis Lindau, fala sobre a importância desse serviço para a população.
Sonora: “Existe um percentual muito grande de pessoas, que a gente chama de cativos, porque dependem do transporte coletivo para poder acessar as oportunidades nas cidades, emprego, estudo e saúde.”
Em junho, a Rede de Pesquisa Solidária divulgou nota técnica na qual aponta que mudanças no transporte coletivo de grandes cidades aumentaram o risco de contágio dos grupos mais vulneráveis.
O relatório indica que, em abril, com as políticas estaduais de distanciamento físico em cidades como São Paulo e Rio de Janeiro, o número de usuários do transporte público diminuiu mais de 70% - o que levou à reorganização das linhas e a redução da frota de transporte público.
Segundo a nota técnica, mais de 300 linhas foram suspensas na Grande São Paulo e quase 600 na Grande Rio, em geral nas regiões periféricas ou metropolitanas. Nas cidades mais afetadas pela Covid-19, a frota chegou a operar com apenas 40% do usual.
A Rede Solidária, que conta com pesquisadores de diversas universidades brasileiras e de outros países, concluiu que os trabalhadores que moram nas periferias, além de se deslocarem por mais tempo, estão sujeitos a taxas mais elevadas de lotação nos ônibus e, assim, têm maior chance de contaminação pelo coronavírus.
Na próxima reportagem você vai conhecer a nova realidade dos profissionais do transporte coletivo.
Sonoplastia: Messias Melo
Produção: Marcela Rebelo e Graziele Bezerra