Especial mostra a rica cultura dos povos indígenas de São Paulo
Cidade fundada por Jesuítas em 1554, São Paulo tem uma história e cultura rica dos povos indígenas que viviam antes da colonização. Uma das marcas disso estão em nomes de ruas e locais de diversos pontos da cidade: Ibirapuera, Pacaembu, Anhanguera, Tamanduateí. Viviam aqui no estado diversas etnias indígenas, como os Tamoios, Guaianás, Kaigan, Carijós, Xavantes, Guarani Mbya. E muitas dessas etnias foram extintas após a colonização.
Para os Guarani Mbya, a região da cidade de São Paulo era conhecida como Nhe’Ery, que significa “local onde os espíritos se banham”. No menor território indígena do país, situado aqui na cidade de São Paulo, o TI Jaraguá, os líderes da comunidade Tekoa Pyau, Natalício Karai e Claudio Verá falaram conosco de suas historias e cultura.
O território indígena do Jaraguá tem uma extensão de menos de 2 hectares e a comunidade indígena aguarda desde os anos 80 a homologação de um território maior de 530 hectares. Nesses protestos, os Guarani Mbya chegaram a fechar duas rodovias próximas da aldeia: a rodovia Bandeirantes e a rodovia Anhanguera e ocuparam também a área da antena de transmissão de diversas emissoras de TV e rádio, que fica no Pico do Jaraguá.
Dentro da casa de reza, Natalício já começou lembrando de uma grande diferença cultural entre os Guarani Mbya e os não indígenas. O contraste da correria urbana dos não-indígenas e do momento de respiro. E calma para acender o seu cachimbo. Pausa para uma reflexão antes dele começar a compartilhar seu conhecimento.
Natalício Karai.
Era maravilhoso. Eu gostava mais de viver na mata mesmo. Onde eu morava, onde eu nasci, tem uma mata bem fechada mesmo, onde tem caça, tem fruta, tudo isso. Então, a minha vó, a minha mãe, me ensinava como que pegava fruta. A fruta que vem da mata é vitamina. Sempre falava isso, né? Que é saudável. E sempre nós plantava planta mesmo, a gente não plantava assim pra vender e ganhar dinheiro com essas coisas. Não.
Cláudio Vera.
Começou o centro da terra, pra visão do Guarani, é no Paraguai, aonde tudo começou. Por isso, que hoje se fala muito dessa palavra em busca da terra sem mal. Então por isso que o Guarani ele sempre caminhava nesse centro, né? Em busca da terra sem mal. O Guarani sempre foi um povo de muitas caminhadas. Por isso que a gente chama de Guataporá, é uma boa caminhada.
Era tudo lixo, né? E eu acompanhei desde o começo. Não foi fácil pra nós manter esse tecoar, essa aldeia. É uma tristeza lembrar, desse tecoar. Pra nós se manter até hoje. Então, por exemplo, a gente luta por um espaço, né? Não é que eu vou fazer um lote pra vender pro outro parente. Então é um espaço coletivo. Coletivo, né? Então aqui nesse espaço pode vir um Guarani do Paraguai, pode vir um Guarani lá da Argentina, pode vir um Guarani da Bolívia, pode vir um Guarani lá do Uruguai. Ele sempre vai ter seu espacinho ali. Ele vai construir sua casa, vai ficar ali naquele cantinho. No dia que ele for embora de novo, aquela casinha fica pra outra família, que vem de outros lugares.
Se a gente não existisse, os povos indígena, hoje esse pico do Jaraguá já não existiria mais não. Porque nós protegemos a natureza. Por exemplo, estão vendo esse parque, os mato que sobrou um pouquinho, a natureza, é proteção nossa. Se não existisse nós aqui no Jaraguá, esse espaço só estaria tudo virado cidade.
A cidade de São Paulo foi construída no cemitério indígenas, né? Por isso que hoje, nós aqui, na comunidade, dificilmente a gente sofre quando acontece temporais, quando tem ventania, a gente se sente protegido, a gente quando vê essas coisas a gente fica alegre, né? Porque faz parte da natureza.
Mas aqui na cidade de São Paulo a população, a sociedade conhece o bandeirante como herói. E pra nós ele não é um herói. É um ser que matou bastante, né? Ele quase dizimou nosso povo. Na verdade, eles dizimaram alguns povos que moravam aqui.
Não queremos assim uma área pra destruir. Nós queremos uma área pra viver em paz, com nossas crianças, com nossos netos. Isso que a gente quer, porque nós, indígenas, somos muito pacíficos.
Este Rádiodocumentário foi feito em parceria com o Radiojornalismo EBC e a Radioagência Nacional. Ouça os outros episódios da série sobre os 470 anos de São Paulo.
* A reportagem é de Nelson Lin, a produção de Guilherme Strozzi, coordenação de processos de Beatriz Arcoverde e sonoplastia de José Maria Pardal.