Nem altos custos, nem falta de apoio desestimulam escritoras
Entre o ato de escrever um livro e vê-lo publicado e distribuído em livrarias e bibliotecas, os escritores brasileiros têm enfrentado uma verdadeira corrida de obstáculos. Rejeição das editoras, falta de apoio governamental e altos gastos com impressão foram alguns dos problemas relatados por diversas autoras no 11º Encontro Internacional de Escritoras, que ocorre em Brasília até segunda-feira (17).
O fato de o evento ser realizado pela primeira vez em um país de língua portuguesa já é, por si, um sintoma, na análise da escritora de novelas policiais Cácia Leal. Lançando seu segundo livro, ela conta que arcou sozinha com todas as despesas, desde a contratação de uma editora para fazer a formatação e o trabalho gráfico, até as passagens aéreas para apresentar o trabalho em feiras e eventos internacionais.
Algumas editoras chegaram a apresentar propostas para publicar a obra, mas Cácia as considerou abusivas. “Eu não concordava com os contratos que as editoras apresentavam. Um deles, por exemplo, me amarrava por dois anos. Nesse período, eu seria obrigada a dar prioridade de publicação para essa editora sobre qualquer coisa que eu escrevesse. Mas, e se eu não gostasse do trabalho deles? Eu não os conhecia ainda. Eu também não poderia dar qualquer opinião sobre a capa do livro, porque as editoras, por economia, adotam capas padronizadas. A verdade é que a maioria dos editores não lê as obras e acaba colocando capas que não condizem”, acrescentou.
Diante da desconfiança sobre como sua obra seria tratada, ela preferiu pagar pelo serviço e ficar com todo o lucro que o livro dê. “Eu vou contratar uma distribuidora, serviços de divulgação. É mais difícil, mas muitos editores publicam e depois abandonam o livro, não mandam para as livrarias, não divulgam”, diz.
Diferentemente de Cácia, o que levou a escritora de livros infantis Dinorá Couto Cançado a arcar com os custos de ver sua primeira obra publicada foi a falta de oportunidades. “Quem é autor iniciante não consegue uma editora de jeito nenhum”, conta a autora mineira que mora em Brasília. “Teve um [editor] que me disse que se o livro pegasse, no segundo ele me queria. Aí, quem não vai querer mais ele sou eu”, emenda.
O livro Paçoca do Avô, de Dinorá, já foi apresentado em eventos literários em Frankfurt, Viena, Lisboa e Praga. No Brasil, apenas em Brasília e Ouro Preto, onde ela ganhou um prêmio com a obra. “É muito mais fácil lançar o livro fora do Brasil que aqui”, conta. A autora também montou artesanalmente o livro em versão braile, com figuras em relevo para deixar em uma biblioteca de Taguatinga, cidade do Distrito Federal, onde já participava de um projeto para cegos. O próximo passo será levar o livro infantil para escolas públicas e apresentá-lo a professores e alunos, em um projeto de estímulo à leitura, finalmente com apoio governamental.
Se a literatura brasileira de entretenimento não tem sido bem recebida pelas editoras, mais difícil ainda é quando o livro trata de cultura regional. A cordelista Irma Galhardo levou para o encontro suas cinco obras em verso sobre o Tocantins, estado que percorre levando leitura a escolas públicas. Todas elas foram produzidas de maneira independente, depois de participar de chamadas públicas e editais do governo federal para conseguir verba para a publicação e divulgação dos livros. “Fiz um curso de produção cultural para aprender a fazer os projetos e conseguir as verbas públicas. Só assim consigo publicar”.
Como os livros publicados com verba governamental não podem ser vendidos em livrarias, Irma precisa incluir na previsão de custos do projeto a sua própria remuneração, e é daí que ela tira o sustento. “Eu passo nas escolas, conto as histórias, ministro oficinas de cordel e é quando ocorre a distribuição. Não vendo livros. No projeto eu incluo a previsão de remuneração da conferencista, ou da pessoa responsável pela oficina, e é aí que eu ganho”, explica.
Ela reclama que leis que deveriam ser de incentivo, como a Rouanet, só têm beneficiado gente famosa, “que já está lá. “Quem está começando só consegue se tiver sangue nos olhos”, diz. Em relação aos empresários do setor, a sensação também é de abandono. “As editoras que eu procurei no início me desestimulavam completamente. Então, resolvi virar minha própria editora. Depois que participei de várias feiras internacionais é que comecei a ser convidada para participar de antologias de editoras”, diz.
Apesar disso, a ex-advogada, que largou o direito para se dedicar à poesia, não se arrepende da escolha. Para Irma Galhardo, a escrita salvou sua vida. “Quando era advogada, eu pensava em suicídio. Hoje não penso mais, isso [os livros] me preenche completamente”, conclui.