Passeio a pé pelo centro de Fortaleza resgata histórias dos 290 anos da cidade
Um passo após o outro e parte dos 290 anos de Fortaleza é contada em meio a prédios, praças, monumentos e figuras históricas durante caminhada no centro da capital cearense, que comemora aniversário hoje (13).
A ideia de desbravar a cidade é do educador e turismólogo Gerson Linhares, que desde 1995 guia a caminhada. O roteiro Fortaleza a Pé atrai estudantes, turistas, idosos e curiosos. “A pé, você pode adentrar os locais, como igrejas e museus, tem como apreciar uma fachada. O importante é interagir com o cheiro do local, com as pessoas andando, com a zoada [barulho] do espaço. Caminhar é se apropriar da sua identidade. A cidade tem que ser sentida a pé, caminhando”.
Foi na região onde hoje está o centro da cidade que a Vila de Fortaleza de Nossa Senhora da Assunção começou a se desenvolver. Os marcos físicos desse desenvolvimento são o Riacho Pajeú e a Fortaleza de Nossa Senhora da Assunção, logo após a ocupação portuguesa. Antes, o forte se chamava Schoonenborch e era dominado pelos holandeses. A construção, onde hoje funciona a 10ª Região Militar, é uma das mais preservadas da cidade, segundo o turismólogo.
Mais alguns passos e se chega à Catedral Metropolitana, com seu estilo gótico imponente, e ao Passeio Público, batizado de Praça dos Mártires por ter sido palco do fuzilamento de Padre Mororó, Pessoa Anta e mais três personalidades que participaram da Confederação do Equador, movimento separatista e republicano que uniu Ceará, Pernambuco e Rio Grande do Norte em 1824.
Memórias do Centro
Outra breve caminhada leva o visitante até a Praça General Tibúrcio, mais conhecida como Praça dos Leões pelas esculturas de felinos que existem no local. Em um dos bancos, está uma estátua da escritora cearense Rachel de Queiroz. Nascida em Fortaleza, a então estudante, segundo Linhares, gostava de caminhar pelo Centro. Suas idas e vindas pela região com amigas da escola viraram mote para o livro As Três Marias, de 1939. “Ela já morava aqui e, assim como ela, os grandes vultos da nossa história viveram o apogeu do Centro”, contou o turismólogo.
O centro de Fortaleza hoje reúne diversos corredores comerciais, mas também abriga ainda algumas residências. O sociólogo Francisco José Júnior, 41 anos, mora no bairro desde que nasceu. “O Centro tem um lado amoroso, sempre há um pedaço que a gente vai conhecendo e amando cada vez mais.” Júnior lembra de momentos como a missa na catedral para receber o corpo de frei Tito de Alencar após o traslado da França. Torturado física e psicologicamente durante a ditadura militar, o frade passou a viver na França em 1971 e, em 1974, cometeu suicídio.
Também morador das redondezas, o jornalista Antônio Augusto Oliveira, 75 anos, lembra a movimentação do Centro em dias especiais. “Na véspera do Ano Novo, as pessoas vinham para a Praça do Ferreira e esperavam as 12 badaladas da Coluna da Hora. No Natal, também vinha todo mundo para cá e depois iam para as igrejas da região. A cidade era pacata, não tinha muita movimentação de festas, saraus.”
Segundo Linhares, o Centro concentra hoje mais de 250 edificações antigas, mas esse número poderia ser maior se não tivessem ocorrido tantas demolições. “Esse Centro fala pouco sobre os 290 anos de Fortaleza. Tínhamos muito mais coisas, mas temos ainda edificações, praças e monumentos que trazem um pouquinho dessa memória. De todos os outros bairros que considero tradicionais, o Centro ainda guarda muito dessa história e é o celeiro do patrimônio histórico e arquitetônico da cidade.”
Bode Ioiô
O passeio a pé por Fortaleza também conta histórias do Bode Ioiô, uma figura ilustre que viveu na cidade entre as décadas de 1910 e 1930 e virou mascote do roteiro turístico. Segundo relatos, o bode foi trazido a Fortaleza por retirantes que chegavam do interior do Ceará fugindo dos efeitos da seca de 1915.
Por sua sagacidade, o bicho ficou famoso pelo Centro, por onde perambulava, e atraiu a atenção de artistas e escritores da época. Bode Ioiô entrou para a história de Fortaleza ao ter sua candidatura a vereador registrada pelos intelectuais e, na brincadeira, recebeu votos e mais votos que o teriam elegido para o cargo.
Fantasiado de bode, um ator dá vida ao personagem, com direito a terno branco e chapéu e gravata vermelhos. “Fiquei impressionado com um senhor de 47 anos de idade que chegou para mim e disse que não conhecia o Bode Ioiô. Fiquei pasmo, porque falar do Bode Iôiô é a mesma coisa que falar de presidentes, prefeitos e governadores do Brasil. Eu sou uma celebridade!”, disse o ator, que prefere manter o anonimato. Após sua morte, o Bode Ioiô foi empalhado e está exposto no Museu do Ceará, também na região central.
De acordo com Linhares, a composição da população de Fortaleza explica em parte o desconhecimento de detalhes da história da cidade. “Boa parte dos cidadãos cearenses que moram na capital não nasceu aqui. A maioria das pessoas que têm acima de 40 anos nasceu no sertão, então não têm esse pertencimento. As caminhadas permitem que essas pessoas façam essa relação”.
Para o educador, o resgate e a apropriação da história de Fortaleza passam principalmente pela educação patrimonial, que também teria reflexos na vocação turística da cidade. “Se somos uma cidade turística, é necessário fazer uma campanha com os moradores para que eles saibam que uma praça bem cuidada e um prédio histórico bem preservado vão repercutir positivamente para um turismo melhor planejado. E que o próprio cidadão se aproprie de sua cidade e pratique turismo nela”.