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Direitos Humanos

Cineasta tenta desvendar própria adoção e suspeita ser vítima de tráfico

Ivan Richard - Repórter da Agência Brasil
Publicado em 08/04/2014 - 18:25
Brasília

Várias pastas com documentos nas mãos e determinação para desvendar o próprio passado. Assim Charlotte Cohen, nascida no Brasil e com cidadania francesa, prestou depoimento hoje (8) à Comissão Parlamentar de Inquérito (CPI) do Tráfico de Pessoas da Câmara dos Deputados para falar sobre o processo de adoção dela ocorrido há 26 anos, quando tinha apenas 2 meses de vida.

A suspeita é que ela tenha sido vítima de uma quadrilha especializada em tráfico internacional de crianças. Aos 2 meses de vida, ela foi levada de um orfanato, em São Paulo, pela empregada doméstica Maria das Dores Pinto da Mota para Paris. Lá foi adotada por um casal de franceses. O então sobrenome Pinto da Mota foi trocado por Cohen.

Segundo Charlotte, hoje cineasta e desde 2012 morando no Brasil, os pais adotivos nunca esconderam que ela não era filha biológica do casal, mas não revelavam as circunstâncias da adoção e diziam que não tinham documentos. Aos 14 anos, no entanto, ela encontrou no escritório do pai uma pasta com documentos que revelavam a origem brasileira.

“No meu caso, entendo que foi forjada a documentação. A empregada foi  obrigada a me levar e entregar a uma família”, disse Charlotte à CPI. Com a documentação, descobriu que pode ter um irmão gêmeo, também levado para França, mas adotado por outra família. Ela contou que conviveu com ele sem saber do grau de parentesco por um período, mas como os pais adotivos dela e do irmão se desentenderam, eles foram separados definitivamente.

Há quase dois anos vivendo no Brasil, Charlotte decidiu encontrar seus pais e reescrever sua história. Com a certidão nascimento, foi em busca da mãe. Contudo, ao chegar à casa de Maria das Dores Pinto da Mota descobriu que ela não é sua mãe, como consta no documento. Procurou a patroa da doméstica, Guiomar Morcelli, dona do orfanato onde ela foi abrigada antes da adoção.

Em reportagem do Jornal da Record, Charlotte vai a casa de Guiomar e fala com o marido dela Franco Morcelli, que fica com as perguntas da cineasta. Diante da dificuldade em obter informações, o presidente da CPI, deputado Arnaldo Jordy (PPS-PA), propôs a convocação dos dois e de mais seis pessoas envolvidas no processo de adoção.

“Todos os indicativos a partir do depoimento dessa moça é que ela foi vítima, provavelmente com outras tantas crianças, de tráfico internacional. Foi sequestrada quando bebê por uma articulação legal de adoção, leva para França por uma agenciadora dona de um orfanato”, disse o deputado.

“Desde que descobri essa pasta, tinha 14 anos, já são 12 anos que estou atrás disso, então não vou desistir. Eu sei que aqui no Brasil tem pessoas que sabem quem é a minha mãe e quem é o meu pai. Enquanto essas pessoas estiverem vivas eu não vou desistir. Elas têm que falar”, disse Charlotte.

“Espero que com o apoio da CPI, as coisas possam ir andar mais rapidamente e se resolver. Isso que espero. Tenho esperança, sempre tive esperança, sempre tive fé. Acho que vou achar minha família de um jeito ou de outro. Tenho fé nisso. Sou otimista sempre”.

Após a denúncias do Jornal da Record, a Defensoria Pública da União pediu que a Polícia Federal investigue o caso. “Agora, a gente já desarquivou uma investigação da Polícia Federal ocorrida entre 1992 e 1999 no caso de duas crianças, dois meninos, levados exatamente como eu”, disse a cineasta.

Com a abertura das investigações, foi pedido o exame de DNA de Rafael Morcelli, filho de Guiomar.  Segundo Charlotte, há a suspeita que o filho da dona da orfanato tenha tido um filho com a empregada da família. “A dona Marisa [que trabalhou na casa dos Morcelli] falou que eu seria filha de uma empregada com Franco Morcelli. Mas depois fiz umas investigações, vi fotos dos filhos do Ricardo [filho de Franco] e penso que pareço muito mais com ele. Mas são todas suposições. Quero fazer esse DNA para chegar mais perto da verdade”, disse.

A CPI tem até 30 de abril, quando se encerra o prazo de funcionamento da comissão, para investigar o caso. “Acredito que vai dar tempo [de investigar]. São oito convocados, talvez possamos ir na semana que vem a São Paulo. O caso já tem indícios suficientes e já está sendo investigado pela Polícia Federal. Creio que dará tempo de esclarecer o suficiente e indiciarmos as pessoas que consideramos responsáveis”, disse Jordy.