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Direitos Humanos

Em declínio, Dnocs espera por reestruturação e renovação do quadro de pessoal

Edwirges Nogueira – Enviada Especial da Agência Brasil/EBC
Publicado em 19/03/2015 - 06:48
Fortaleza
Quixadá - Símbolo das obras de combate aos efeitos da seca, o Açude Cedro, que começou a ser construído em 1890, não abastece mais a cidade (Fernando Frazão/Agência Brasil)

Quixadá - Símbolo das obras de combate aos efeitos da seca, o Açude Cedro, que começou a ser construído em 1890, não abastece mais a cidadeFernando Frazão/Agência Brasil

O Açude Cedro, em Quixadá, no Sertão Central, é considerado um símbolo das obras de combate aos efeitos da seca. O projeto foi iniciado durante o Império, movido pelo impacto da chamada Grande Seca de 1877, que provocou intenso êxodo rural e milhares de mortes por doenças, fome e sede. A obra do açude teve início em 1890 e só foi concluída em 1906.

Hoje, o açude é somente um símbolo. As águas do Cedro não abastecem mais a cidade de Quixadá há pelo menos seis anos. Dos 126 milhões de metros cúbicos da capacidade total, hoje restam cerca de 4,3 milhões. E o nível das águas, segundo o administrador do açude, José Almir Benício, vem caindo ao longo dos anos.

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Quixadá - O agricultor Francisco Elzo Pinheiro da Silva, 68 anos, conhecido como Chico Preto, mora na vila às margens do Açude Cedro (Fernando Frazão/Agência Brasil)

Quixadá - O agricultor Francisco Elzo Pinheiro da Silva, 68 anos, conhecido como Chico Preto, mora na vila às margens do Açude Cedro Fernando Frazão/Agência Brasil

As famílias que moram às margens do Cedro não se servem mais das águas, a não ser para pescar o cará-tilápia. O vigilante Erasmo dos Santos, 42 anos, diz que a última vez que viu o açude transbordar foi em 1989. O agricultor Francisco Elzo Pinheiro da Silva, o “Chico Preto”, contou que viu as águas em seu volume máximo há mais de 40 anos.

O Cedro foi o primeiro açude público do Brasil e hoje é um dos 327 administrados pelo Departamento Nacional de Obras contra as Secas (Dnocs), cuja atuação abrange os estados do Nordeste e o norte de Minas Gerais.

“A grande dificuldade é água para o consumo humano, para os animais e nos perímetros irrigados. A água é um item sobre o qual não temos comando. O que podemos fazer é tentar construir mais e mais açudes para que supram, na emergência da seca, o abastecimento das populações”, afirma o diretor-geral do Dnocs, Walter Gomes de Sousa.

Criado em 1909 como Inspetoria de Obras contra as Secas (Iocs), o órgão tem uma longa história de ações que envolveram a construção de estradas de ferro e de rodagem e de outras obras públicas.

O diretor-geral lembra a importância do departamento ao longo dos anos, citando a cooperação com prefeituras para a construção de mais de 600 reservatórios e de perímetros irrigados (área onde há sistema de fornecimento de água vendida para a agricultura) em todos os estados em que atua - o Ceará conta com 14.

Segundo o historiador José Weyne, professor da Universidade da Integração Internacional da Lusofonia Afro-Brasileira (Unilab), a inspetoria fazia açudes para enfrentar os efeitos da seca, mas a principal preocupação, segundo ele, não era essa.

“O projeto político da época não estava preocupado em evitar os efeitos da seca, mas em obrigar a migração dos sertanejos. A seca em si era um impedimento ao progresso. Boa parte dos açudes era construída em terras particulares de coronéis e a população não conseguia ter acesso. Os açudes eram inúteis para a população.”

No livro A fantasia desfeita (1989), o economista Celso Furtado resume a realidade que alimentava a chamada “indústria da seca”: “As máquinas e equipamentos do Dnocs eram utilizados por fazendeiros ao seu bel-prazer. Nas terras irrigadas com água dos açudes construídos e mantidos pelo governo federal, produzia-se para o mercado do litoral úmido e em benefício de alguns fazendeiros que pagavam salários de fome [...] Em síntese, a seca era um grande negócio para muita gente.”

De acordo com o professor José Weyne, Furtado fez duras críticas ao órgão no início dos anos 60. “Nessa década, o Dnocs continua fazendo açudes que não servem para nada. Os recursos chegam cada vez menos, pois são canalizados para a Sudene [Superintendência de Desenvolvimento do Nordeste, criada em 1959], que vira a 'menina dos olhos' do governo federal, e o Dnocs entra em declínio”, lembra o professor. Segundo ele, o economista sugere que o órgão se dedique a explorar a capacidade dos reservatórios hídricos para a geração de energia e para o desenvolvimento da piscicultura e de perímetros irrigados. O Dnocs acaba incorporando essas sugestões em nome da própria sobrevivência.

Quixadá - Símbolo das obras de combate aos efeitos da seca, o Açude Cedro, que começou a ser construído em 1890, não abastece mais a cidade (Fernando Frazão/Agência Brasil)

Quixadá - Símbolo das obras de combate aos efeitos da seca, o Açude Cedro, que começou a ser construído em 1890, não abastece mais a cidadeFernando Frazão/Agência Brasil

Mais de cem anos depois de sua criação, o Dnocs espera por uma reestruturação e pela renovação do quadro de pessoal. Segundo o diretor-geral, o projeto depende da aprovação do Ministério da Integração Nacional, ao qual o órgão está vinculado.

“Temos uma empresa na qual a maioria dos funcionários está com idade avançada, com perspectivas de aposentadoria em curto prazo. Grande parte dos profissionais técnicos tem, em média, acima de 65 anos. Aos 70 anos, eles são obrigados a se aposentar. Estamos na dependência dessa reestruturação e de um novo concurso que permita a entrada de pessoas jovens, e que elas possam absorver a cultura e o conhecimento dos que aqui estão”, disse Walter Gomes de Sousa.

Para o especialista em Políticas Públicas André Pomponet, o processo de reestruturação do Dnocs deve levar em conta o conjunto de políticas para o desenvolvimento do semiárido, que também são desenvolvidas por outros órgãos, como a Superintendência de Desenvolvimento do Nordeste (Sudene). “Em vez de cada órgão pensar a sua política setorialmente, e às vezes caminhar em direções opostas ou até contraditórias, seria importante pensar o conjunto das políticas de forma global.”

Ele lamenta que ainda exista uma “pulverização” das ações do Dnocs que beneficiam pequeno número de pessoas, em geral atores da política. “Em vez de concentrar investimentos que contribuam para resolver o problema de forma mais consistente, é feita uma série de intervenções pontuais que acabam não se traduzindo em resultado mais efetivo para a sociedade”, disse.

“O patrimonialismo que existia no passado, muito mais frequente, foi reduzido, mas ainda há o uso político de uma determinada intervenção do Estado”, completou.

Enquanto não sai a reestruturação, o Dnocs organiza o planejamento estratégico para os próximos cinco anos, propondo o seu reconhecimento, até 2020, como instituição de referência nacional em ações para a harmoniosa convivência com os efeitos da seca.”

De acordo com o diretor, as críticas ao órgão devem ser levadas em conta. “Estamos sujeitos a críticas. Se tivéssemos conhecimento de todas elas, seriam bons elementos para a análise das nossas fraquezas. A reação da sociedade a respeito do que estamos fazendo será levada em consideração.”



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