Remoção de ocupações aumenta vulnerabilidade durante a pandemia em SP
Alvo de uma reintegração de posse na semana passada, parte das dezenas famílias que ocupavam um terreno em Guaianases, na zona leste paulistana, está agora em barracos à beira de um córrego. “Algumas se acomodaram provisoriamente na casa de familiares, por não ter recursos para pagar aluguel, outras foram para o Córrego do Ipê, por não terem opção”, conta a líder comunitária Dania Lima a respeito da situação. De acordo com a líder, os barracos foram montados ao lado do esgoto.
A Prefeitura de São Paulo informou que, antes de realizar a ação de reintegração de posse, ofereceu acolhimento às famílias, mas a proposta foi recusada. Após a remoção, o governo municipal também deu a opção de as pessoas afetadas se cadastrarem na fila de espera do programa de habitação da prefeitura.
Na ação judicial que resultou na retirada das famílias da área consta que o local foi ocupado em abril. O terreno, segundo a argumentação dos representantes do proprietário, já havia passado por outras ações de reintegração contra ocupantes. Dessa vez, segundo a decisão do juiz Alessander Marcondes França Ramos, o grupo se aproveitou “da balbúrdia implantada pela pandemia” para entrar no local.
Decisões semelhantes têm provocado a remoção, com uso de força policial, de famílias instaladas de forma irregular em diversos pontos do estado de São Paulo. Em maio, foram usadas bombas de gás para retirar as famílias da comunidade Taquaral, em Piracicaba, interior paulista. Na decisão que determinou a retirada, a juíza Fabíola Moretti afirmou que o grupo estava desmatando a área e erguendo barracos “com nítido propósito de apoderarem-se do patrimônio alheio”.
Pedido de suspensão
A Defensoria Pública de São Paulo chegou a enviar uma solicitação ao Conselho Superior da Magistratura do Tribunal de Justiça de São Paulo para suspender o cumprimento de ordens de remoção durante a pandemia de covid-19. O pedido não foi aceito e a argumentação dos defensores se tornou uma nota técnica, que pode ser usada para embasar as decisões dos magistrados, que continuam avaliando as situações caso a caso.
Segundo o texto, as remoções durante a pandemia de coronavírus podem aumentar a vulnerabilidade das pessoas que vivem em assentamentos precários, uma vez que não há uma política habitacional que possa garantir moradia de forma ampla. “O desamparo dessas pessoas será ainda mais agravado na atual circunstância, inclusive tendo em vista que o Estado e o Município de São Paulo, por exemplo, já divulgaram que os serviços de Assistência Social, como centros de acolhimento, serão desativados”, diz o requerimento enviado ao Tribunal de Justiça.
A defensoria não tem um levantamento de quantas ações de despejo e remoção correm atualmente no estado, mas apenas em alguns casos têm sido aceita a argumentação para evitar reintegrações durante a pandemia. “A emergência obriga que se preserve a situação tal como hoje se encontra estabilizada, especialmente porque é um impossível prático conciliar isolamento (compulsório) recomendado pela Organização Mundial de Saúde (OMS) e posto em prática nacionalmente com a eventual reintegração de posse litigiosa”, diz decisão emitida em abril pelo desembargador Paulo Barcellos Gatti que evitou a retirada de 300 famílias de uma área em São Bernardo do Campo.
Retirada iminente
Muitas famílias ainda lutam para evitar o despejo, como na ocupação de um prédio na Avenida Rio Branco, no centro da capital paulista. Desempregada, Janaína Xavier disse que foi para o local depois de não conseguir mais pagar o aluguel do imóvel onde vivia com os filhos. “Antes da pandemia a gente já passava um pouco de dificuldade, por morar no centro e o aluguel ser caro e a gente não ter muitas condições”, conta sobre a situação que se agravou com a perda de renda provocada pelas medidas de isolamento social. “Com o proprietário não teve entendimento, porque o negócio dele é só dinheiro”, acrescenta.
Agora, Janaína aguarda com apreensão o possível cumprimento da reintegração de posse concedida em favor do dono do imóvel. “A gente não quer ficar na rua com os nossos filhos”, enfatiza. Na esperança de conseguir ficar no local, o grupo chegou a fazer pequenas melhorias na infraestrutura do imóvel. “O imóvel estava abandonado há três anos. O que a gente pode arrumar para ter uma mordia digna, nós arrumamos. Colocamos portas, fechaduras. Arrumamos o elevador que não estava funcionando”, relata.
Na decisão que determinou a remoção das família, o juiz Antonio Carlos Negreiros afirma que a ocupação coloca em risco os locatários do espaço térreo do edifício. Segundo ele, “as condições de habitabilidade e segurança antes existentes” não podem ser preservadas “em uma situação de invasão generalizada do prédio por terceiros”.
O magistrado também acusa o grupo de tentar “se beneficiar da situação de calamidade para promover, impunemente, a invasão de propriedade alheia”.
A Agência Brasil entrou em contato com a Prefeitura de São Paulo e a Secretaria Municipal de Habitação para saber se será oferecida alguma assistência às famílias da ocupação da Avenida Rio Branco, assim como para outras situações na cidade de forma geral, mas não obteve resposta.