Bloqueio de verbas não consegue mais conter aumento da dívida pública
A queda da arrecadação nos últimos anos e o crescimento dos gastos obrigatórios levaram as contas públicas federais a um impasse. Os contingenciamentos (bloqueio de verbas para gastos não obrigatórios) são insuficientes para conter o déficit primário. Mesmo que o governo corte 100% dos gastos não obrigatórios, as contas públicas continuarão a registrar resultados negativos, acelerando a alta da dívida pública.
Nos 12 meses terminados em agosto, segundo os dados mais recentes do Tesouro Nacional, os gastos obrigatórios, que não podem ser cortados pela equipe econômica, equivaleram a 104,3% das receitas líquidas correntes. Nessa situação, mesmo se o governo cortasse todos os gastos discricionários (não obrigatórios), o déficit primário perduraria porque a arrecadação é insuficiente para cobrir as despesas obrigatórias, como mínimos constitucionais com educação e saúde, pagamento do funcionalismo público e benefícios da Previdência Social.
A diferença entre a arrecadação e os gastos obrigatórios é compensada com o déficit primário, resultado negativo das contas do governo antes do pagamento dos juros da dívida pública. Na prática, o governo emite títulos, pegando recursos emprestados no mercado financeiro, para cobrir as despesas, comprometendo-se a devolver o dinheiro com juros daqui a alguns anos. Como o déficit primário se soma aos juros, a dívida pública cresce no médio e no longo prazo.
Em 2016, as despesas obrigatórias tinham fechado o ano valendo 101,3% da arrecadação líquida. Nos oito primeiros meses de 2017, a tendência não foi contida. De acordo com a secretária do Tesouro Nacional, Ana Paula Vescovi, os números mostram que o contingenciamento como ferramenta para o governo economizar recursos esgotou-se e que são necessárias reformas nos gastos obrigatórios.
“Esse é um problema que a sociedade tem de debater. Chegamos a um ponto em que não dá mais para conter o crescimento da dívida pública apenas contingenciando investimentos [obras públicas e compras de equipamentos] e demais gastos não obrigatórios. A gente precisa aprovar reformas estruturais, principalmente a reforma da Previdência, que consigam conter o crescimento dos gastos obrigatórios”, advertiu a secretária do Tesouro no fim de setembro.
Problemas estruturais
A solução para o problema também poderia estar na retomada do crescimento da economia brasileira. Em tese, o aumento da produção e do consumo elevaria o pagamento de tributos e impulsionaria a arrecadação. No entanto, a professora Vilma Pinto, do Núcleo de Economia do Setor Público do Instituto Brasileiro de Economia da Fundação Getulio Vargas (FGV), diz que a recuperação não é tão simples por causa de mudanças na estrutura da economia brasileira.
“A maior parte da arrecadação brasileira vem da indústria, mas o problema é que a economia do país está cada vez mais se tornando um país de serviços. Então, quando o PIB [Produto Interno Bruto] se recuperar, o setor de serviços, que não arrecada tanto, vai crescer mais que a indústria. Está havendo uma quebra estrutural entre o nível de receita e o nível de produto”, explica.
Segundo Vilma, esse processo não vai permitir que a arrecadação aumente tanto como durante o crescimento econômico dos anos 2000. Para ela, o país não tem como escapar de mudanças nas leis que contenham o crescimento dos gastos obrigatórios, que continuarão a subir mesmo com o teto para o total dos gastos públicos.
“O governo fala mais da reforma da Previdência por causa do peso dos benefícios no Orçamento, mas as mudanças nas aposentadorias e pensões só surgem efeitos no médio prazo. Também são necessárias mudanças em outras despesas obrigatórias, como subsídios e subvenções, abono salarial e seguro-desemprego. O país não tem como escapar dessas questões”, diz a professora.
Liberação
Por causa da frustração seguida de arrecadações, o governo tinha contingenciado R$ 44,9 bilhões de despesas não obrigatórias do Orçamento. Com a mudança da meta de déficit primário para R$ 159 bilhões, o governo liberou R$ 12,8 bilhões, reduzindo o total bloqueado para R$ 32,1 bilhões. A liberação está sendo feita aos poucos, à medida que o dinheiro entra no caixa do governo.
Por causa do contingenciamento, diversos órgãos federais passam por dificuldades. As emissões de passaportes pela Polícia Federal ficaram suspensas por quase um mês, por exemplo. Já a Polícia Rodoviária Federal reduziu o patrulhamento e diversas universidades federais anunciaram que só tinham orçamento para se manterem até o fim de setembro.