Refugiados venezuelanos podem contribuir para desenvolvimento do país
Os venezuelanos que buscam refúgio no Brasil, deixando seu país devido à instabilidade política e à crise econômica, podem oferecer importante contribuição para o desenvolvimento brasileiro. Além dos aspectos culturais e políticos, eles podem atuar com mão de obra especializada em vários setores ou abrir seus próprios negócios.
A conclusão é de um grupo de pesquisadores ligados à Universidade de Brasília (UnB). Com o apoio da Agência das Nações Unidas para os Refugiados (Acnur) e da delegação da União Europeia no Brasil, eles analisaram o perfil de alguns refugiados e imigrantes venezuelanos que conseguiram abrir seus próprios negócios no Brasil.
É o caso da terapeuta ocupacional Yilmary de Perdomo, 38 anos. Em 2016, ela e o marido decidiram se mudar para o Brasil, junto com os filhos. Especialista em educação inclusiva e em ergonomia industrial, Yilmary conta que não conseguiu validar o diploma venezuelano e, portanto, não arranjava emprego em sua área de atuação.
“Como eu tinha que ajudar meu marido a levar o sustento para casa, comecei a vender café da manhã na rua. Assim surgiu a ideia de criar alguma coisa minha”, conta Yilmary, explicando que muitos de seus primeiros fregueses tinham curiosidade sobre a culinária venezuelana, o que a motivou a se reinventar e apostar na gastronomia. A terapeuta procurou aperfeiçoar os conhecimentos culinários, ao mesmo tempo em que começou a aprender um pouco sobre a legislação brasileira.
“Comecei a pesquisar como abrir um negócio no Brasil – o que não é nada fácil. E a pesquisar o que era necessário para ter um CNPJ. Aos poucos, comecei a fazer eventos, participar de atividades gastronômicas e, hoje, tenho meu próprio negócio”, acrescentou, orgulhosa, a dona de uma barraca de comidas típicas, a Tentaciones da Venezuela, em São Caetano do Sul (SP).
A pesquisa, que está sendo divulgada hoje (23), mostra que a maioria dos entrevistados já tinha administrado seu próprio negócio antes de deixar a Venezuela. Apesar disso, boa parte deles revelou que, assim como Yilmary, enfrentou algum tipo de dificuldade para se adaptar ao novo contexto. Em muitos casos, isso os motivou, ou mesmo os forçou a partir para atividades diferentes daquelas com que já estavam habituados. Para os pesquisadores, essas iniciativas demonstram percepção estratégica e senso de oportunidade, qualidades importantes no mundo dos negócios.
As entrevistas com os empreendedores venezuelanos foram feitas ao longo de 2019, em Boa Vista e em São Paulo. A capital de Roraima foi escolhida por ser a cidade brasileira que concentra o maior número de pessoas procedentes do país vizinho, e a capital paulista por ser o principal destino dos venezuelanos que deixam Boa Vista com destino a outras partes do território brasileiro.
Para abrir seus negócios, alguns dos entrevistados investiram quantias significativas – o que, pelos critérios da pesquisa, significam valores entre R$ 5 mil e R$ 120 mil. A maioria dos imigrantes ou refugiados venezuelanos trouxe a maior parte do dinheiro investido, fruto de economias pessoais ou da venda de bens dos quais se desfizeram ao deixar a terra natal. Outros entrevistados, no entanto, disseram não ter investido nada, ou muito pouco. Nesses casos, há aqueles que apenas se inscreveram como microempreendedores individuais (MEIs) e passaram a prestar serviços a quem os contratasse.
O setor onde os imigrantes e refugiados venezuelanos entrevistados mais investiram foi o de alimentos (restaurantes, venda de alimentos, produtos alimentícios), seguido por serviços pessoais, com destaque para cabeleireiro, barbearia e manicure. No setor de alimentação e bebidas, os próprios venezuelanos são seus clientes mais assíduos – o que, para parte dos entrevistados, se explica pelo desconhecimento brasileiro sobre a culinária e os hábitos gastronômicos da Venezuela.
A maioria dos negócios analisados pode ser classificada como pequenas empresas, familiares e com baixos rendimentos. Em São Paulo, os entrevistados informaram que faturam entre R$ 4,5 mil e R$ 25 mil mensais. A situação é bem diferente da de seus conterrâneos estabelecidos em Boa Vista, onde a maioria dos empreendedores venezuelanos fatura, por mês, pouco menos que o salário mínimo de R$ 1.045.
Para os responsáveis pela pesquisa, os negócios tocados por imigrantes venezuelanos ainda são, em sua maioria, “precários”. O que se percebe, entre outras coisas, é o fato de que muitos trabalham como ambulantes, sem endereço fixo, enquanto outros atendem única e exclusivamente pela internet ou por aplicativos, trabalhando apenas com entrega (delivery). Em parte, por isso, a clientela é diversificada. Poucos são os empreendimentos voltados para um público específico.
Em São Paulo, a maioria dos entrevistados que contrata pessoas para ajudá-los recorre a trabalhadores informais, embora manifeste a intenção de, se possível, oferecer emprego a outros imigrantes venezuelanos a fim de ajudar seus conterrâneos e, ao mesmo tempo, “dar mais identidade a seus negócios”. Já em Boa Vista, todos os entrevistados informaram não ter qualquer funcionário, seja formal ou informal.
Segundo os entrevistados, os maiores empecilhos à concretização de seus projetos em território brasileiro foram a falta de informação em relação à documentação necessária para abrir e manter um empreendimento, dificuldades de acesso ao crédito ou ao microcrédito, diferença do idioma, o alto custo de vida, principalmente de aluguéis.
Outra questão recorrente é a preocupação com os parentes que ficaram na Venezuela. Os entrevistados revelaram ter dificuldade para poupar e até mesmo para reinvestir no negócio uma parcela de seus lucros, já que mandam parte do dinheiro para ajudar a família.
Bancos
Paralelamente às entrevistas com refugiados e imigrantes venezuelanos, os pesquisadores também consultaram alguns dos principais bancos públicos e privados brasileiros, incluindo o Banco do Brasil e a Caixa. O objetivo era saber se as instituições financeiras têm ações específicas para esse público.
Os bancos ouvidos (Bradesco, Itaú, Santander, além de Caixa e BB) informaram que não têm linha de crédito específica para o atendimento a refugiados ou imigrantes de qualquer nacionalidade, nem ação específica para a promoção do empreendedorismo entre o grupo. Os bancos, portanto, exigem dos recém-chegados ao país as mesmas garantias solicitadas a brasileiros, o que torna difícil, quando não inviabiliza, o acesso a crédito.
De acordo com os pesquisadores, para promover o empreendedorismo entre esses imigrantes, seria importante implementar políticas públicas que facilitem a obtenção de empréstimos financeiros, oferecer aos venezuelanos que já vivem no país cursos de formação e capacitação, bem como do idioma. Os pesquisadores também destacam a importância da promoção de feiras especializadas em produtos venezuelanos, onde essas pessoas possam expor seus produtos e serviços, e a divulgação de serviços e espaços onde os interessados possam obter informações sobre empreendedorismo.
Em Boa Vista, os entrevistados foram unânimes em destacar a importância do governo federal no apoio ao processo de interiorização de quem cruza a fronteira para vir se estabelecer no país. Segundo eles, na capital de Roraima, “o mercado já está saturado”.
Segundo as autoridades brasileiras, cerca de 260 mil venezuelanos vivem no Brasil atualmente. De acordo com a Acnur, até julho de 2020, mais de 130 mil venezuelanos tinham pedido refúgio no país. Desses, 38.359 foram admitidos até junho deste ano, conforme dados disponíveis na plataforma digital mantida pelo Comitê Nacional para os Refugiados (Conare) e pela Acnur.