Para manter supremacia, futebol de cinco adapta rotina na quarentena

Técnico Fábio Vasconcelos fala dos desafios do paradesporto

Publicado em 06/05/2020 - 16:08 Por Juliano Justo - Repórter da TV Brasil e da Rádio Nacional - São Paulo

Ele defendeu o gol da seleção brasileira de futebol de cinco por nove anos (entre 2003 e 2012) e faturou três ouros paralímpicos (2012, 2008 e 2004) e um título mundial (2010). E desde 2013, como técnico, aumentou ainda mais a lista de conquistas (ouro na Rio 2016 e nas Copas de 2018, em Madri, e 2014, em Tóquio). Com esse respeitável currículo, Vasconcelos disse que procura tirar algo de bom do adiamento dos Jogos de Tóquio: “O momento é difícil. Começamos o planejamento no final do ano passado. Um trabalho integrado com toda nossa equipe multidisciplinar: fisiologista, preparador físico, nutricionistas. Em janeiro, começou o trabalho com bola. E logo na sequência tudo parou. Só que, quem trabalha com alto rendimento, não pode lamentar muito. Seguimos em contato direto com os atletas, vendo a realidade de cada um para que, no mínimo, a preparação física não seja prejudicada”.

Outro ponto abordado pelo treinador é a recuperação das lesões. “Nesse sentido, a parada é muito favorável. Ricardinho vinha com uma lesão muscular. Cássio e Jefinho estavam adiando procedimentos cirúrgicos para depois dos Jogos, mas os incômodos estavam muito grandes. Agora, eles já estão bem e fazendo a preparação física”.

Grand Prix do Japão

O futebol de cinco foi uma das primeiras modalidades afetadas pela pandemia. O Grand Prix do Japão foi cancelado ainda no mês de março. Uma chance desperdiçada para o treinador brasileiro avaliar muitos atletas da nova geração. “Já estávamos em contato com o nosso ex-preparador físico [Eduardo Ugioni]. Ele recebeu uma proposta para trabalhar na China e nos passou as informações de que o negócio era sério mesmo. Foi uma pena. Porque era mais uma chance de testar jovens talentos. Meu esquema tático é bem intenso e preciso muito dessas peças de reposição. Se os jovens já estão acostumados a vestir a amarelinha é sempre melhor, geralmente as competições são longas e com jogos todos os dias. Um dos maiores exemplos de que esse trabalho dá certo é o Tiago Paraná. Apostei nele antes da Rio 2016, quando era bastante jovem, e hoje ele é uma realidade”.

Adversários

O paraibano Fábio Vasconcelos, de 45 anos, lembra de uma preocupação que os dirigentes tinham em 2013, quando ele assumiu o comando da equipe. “Claro que a maior rivalidade do esporte era Brasil e Argentina. Foram várias finais, em diversas competições. Mas sabíamos que o futebol de cinco não podia ficar restrito apenas a esses dois times”, recorda. Depois disso algumas equipes se desenvolveram e foram conquistando espaço. Um exemplo são as finais paralímpicas, que trouxeram o tetracampeonato para a seleção nacional: em 2004, o adversário foi a Argentina. Mas, depois os adversários foram diferentes. A China chegou na decisão em casa nos Jogos de 2008. A França perdeu para o Brasil em 2012. E o Irã foi finalista nos Jogos do Rio de Janeiro. “Graças a Deus aquela nossa preocupação de uma modalidade polarizada entre Brasil e Argentina no alto nível, mas isso já está ultrapassado. Atualmente o futebol de cinco está consolidado no mundo. Um exemplo é o próprio Peru. No ano passado, durante os Jogos Parapan-Americanos de Lima, vimos uma equipe bastante jovem que evoluiu muito. O Japão também está renovando. A Inglaterra é forte, mas infelizmente não se classificou para Tóquio. A Espanha é uma rival que deve conquistar cada vez mais espaço. Temos que prestar muita atenção neles já nos Jogos do ano que vem”.

Supremacia

O histórico da seleção brasileira de futebol de cinco é impressionante. Desde 1997, na Copa América do Paraguai, são 197 jogos, com 143 vitórias, 42 empates e apenas 12 derrotas. E Fábio Vasconcelos é peça fundamental dessa trajetória desde 2003, sendo nove anos como goleiro e sete como técnico. “Minha vontade era encerrar a carreira como goleiro após os Jogos do Rio de Janeiro. Mas, em 2012, já vinha trabalhando muito mais como treinador de futsal convencional aqui em Campina Grande do que como goleiro. Por isso tomei a decisão. Não anunciei lá em Londres depois da conquista da medalha de ouro contra a França, mas a ideia já estava na minha cabeça”.

Ao assumir o cargo de treinador da equipe nacional, ele procurou respeitar o trabalho das comissões anteriores, mas implantando sua visão: “Trouxe algumas coisas do futsal. Sempre respeitando o trabalho feito anteriormente, procurei colocar em prática a minha visão de jogo com intensidade total. Mesmo tendo atletas de altíssima qualidade técnica, como Jefinho, Ricardinho e Nonato, a minha ideia é que todos precisam marcar e jogar. Transição da defesa para o ataque deve ter a participação de todos”.

Porém, o técnico lembrou, durante a conversa na live promovida pela CBDV, que o início não foi fácil: “Em 2013, sofremos muito para ganhar a Copa América na Argentina. Mas depois, no Mundial de 2014, a coisa já começou a fluir mais”.

Treinos

Segundo Vasconcelos, antes da quarentena, a equipe tinha uma média de 10 dias de treinos mensais no CT Paralímpico de São Paulo. Para a ideia de jogo trazer resultados, esse período é focado especificamente na parte técnica. “Cheguei para a comissão técnica e falei que a parte física deveria ser feita nos clubes ou nas casas dos atletas. Em São Paulo, o foco passaria a ser nos trabalhos com bola. Só que, nessa ideia de pressão e intensidade total, se o atleta não estiver muito bem preparado, ele não aguenta. Um exemplo claro é o Damião. Aos 44 anos, ele é um exemplo de dedicação”.

São mudanças necessárias para encarar um esporte que vem mudando muito. “Antes dos Jogos de Atenas, em 2004, tivemos apenas três etapas de treino. Claro que o time era diferenciado tecnicamente, mas hoje fazemos uma fase de treino por mês. E acredito cada vez mais na importância desse trabalho técnico e físico”.

Renovação

Com os Jogos Paralímpicos adiados, o paraibano pode se focar naquele que ele considera ser o seu maior legado: a renovação da modalidade. “Participei de três medalhas paralímpicas como goleiro, e o grupo era praticamente o mesmo. Em 2015, fui fazer a primeira convocação para a seleção de base e não consegui oito atletas. A seleção principal ganhava tudo e não tinha espaço para atletas mais novos. Os mais jovens iam para outras modalidades”, disse.

Ele começou, então, um trabalho de formiguinha para garimpar possíveis talentos. Telefonava a atletas e técnicos de clubes perguntando se havia garotos cegos jogando bola. Foi de região em região divulgando que o Brasil passaria a contar com uma equipe de base. O fruto é um grupo sub-23 hoje composto por mais de 20 atletas. A meta, a partir de 2025, é que essa seleção seja sub-18. “A média de idade da principal é de 27 anos, está muito próxima da sub-23, então estou buscando gente ainda mais jovem, com 12, 13 anos”, revelou Vasconcelos.

Mesmo que não esteja mais no comando até lá, a satisfação pelo trabalho desenvolvido já compensará todo o esforço: “Sei que vai dar frutos, seja para mim, como treinador, ou para outros que virão em breve. Com certeza, essa seleção de jovens será o meu maior legado”.

Edição: Fábio Lisboa

Últimas notícias