Promotores italianos revelam ligação da máfia com torcidas de futebol
Os chefes do crime italiano e a extrema-direita estão se aproveitando da força e das atividades lucrativas dos torcedores organizados de futebol em várias cidades italianas, com mafiosos tentando até mesmo assumir o controle de alguns clubes menores, de acordo com o principal promotor antimáfia da Itália.
Uma investigação realizada por promotores de Milão e pelo escritório do promotor nacional antimáfia descobriu que os grupos chamados "ultras" de Inter de Milão e Milan, dois dos maiores nomes do futebol italiano, supostamente se envolveram com gangues criminosas.
Segundo os promotores, os líderes dos ultras, com ligações com membros da famosa máfia italiana 'Ndrangheta, praticam fraudes com ingressos e esquemas de proteção em barracas de bebidas e estacionamentos ao redor do estádio San Siro, que é compartilhado pelos dois clubes.
Em setembro, a polícia prendeu 19 integrantes graduados dos ultras dos clubes como parte de uma investigação que ganhou urgência extra com o assassinato de Antonio Bellocco, uma figura importante da 'Ndrangheta e um proeminente ultra da Inter de Milão, do lado de fora de uma academia de boxe naquele mês.
Em um documento de prisão de 568 páginas, os promotores traçaram uma ligação direta entre os líderes da "Curva Nord" da Inter - o principal grupo ultra do campeão italiano - e a 'Ndrangheta, o maior grupo de crime organizado do país.
"A Inter, como clube, está em uma posição subserviente em suas negociações com os membros da Curva Nord", escreveram os promotores no documento, analisado pela Reuters.
Investigações posteriores também ligaram um importante ultra do Milan ao suposto tráfico de drogas e à 'Ndrangheta.
A infiltração criminosa se estende muito além de Milão, atingindo várias outras cidades italianas, com mafiosos buscando dominar torcedores e clubes em todos os níveis do futebol profissional, de acordo com os documentos e entrevistas com dois promotores.
Inter e o rival Milan, ambos de propriedade de investidores norte-americanos, disseram que estão cooperando com as autoridades.
"Quero assegurar a todos os nossos torcedores que nós somos a parte prejudicada, como disseram as autoridades", afirmou o presidente da Inter, Giuseppe Marotta, à emissora Sky em outubro. O clube não quis fazer mais comentários quando procurado pela Reuters.
O Milan disse que forneceu às autoridades toda a documentação solicitada. "Continuamos a seguir a orientação dos especialistas da promotoria para identificar e trabalhar nas áreas em que precisamos intervir", afirmou o clube em um comunicado.
"Controle militar"
A maioria dos clubes do futebol italiano é apoiada por grupos de ultras -- torcedores que levam faixas, coordenam os cânticos por meio de megafones e fazem exibições em estilo mosaico nos jogos. Seus rituais foram copiados por grupos de torcedores em toda a Europa.
Com raízes que remontam à década de 1960, esses grupos organizados sempre tiveram um elemento violento, entrando em conflito com gangues e se dividindo em uma série de facções rivais.
"O estádio é um lugar onde por muito tempo foi considerado necessário tolerar e, no máximo, conter exemplos de flagrante ilegalidade, governados por grupos organizados que exercem um controle quase militar sobre as arquibancadas", disse Giovanni Melillo, promotor-chefe antimáfia e antiterrorismo da Itália.
Ele afirmou à Reuters que esses grupos usam "intimidação e retaliação violenta" para controlar as atividades comerciais ligadas aos campos de futebol.
Os promotores intensificaram suas investigações sobre esses grupos após os assassinatos de dois líderes ultras da Inter com vínculos com o submundo do crime nos últimos dois anos.
Melillo coordena quatro promotores adjuntos dedicados a desvendar o cruzamento entre futebol, crime organizado e extremismo político em toda a Itália.
"As investigações... mostram o interesse dos grupos mafiosos em adquirir o controle de um clube de futebol, visto como um veículo extraordinário para a expansão dos negócios e o consenso social", acrescentou.
Assassinatos em Milão
Bellocco foi esfaqueado até a morte em um aparente acerto de contas em setembro por Andrea Beretta, de 49 anos, companheiro de liderança ultra da Inter, que alegou ter agido em legítima defesa.
Atrás das grades e temendo por sua vida, Beretta foi transferido para uma prisão longe de Milão e está cooperando com as investigações, de acordo com duas fontes judiciais.
A Reuters não conseguiu entrar em contato com ele para comentar o assunto.
Dois anos antes, Vittorio Boiocchi, um líder de 69 anos dos ultras da Inter com uma longa ficha criminal, foi morto a tiros do lado de fora de sua casa em um assassinato que permanece sem solução.
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