Transplante em casos de 50% de compatibilidade deve ser visto com cuidado
O transplante de medula óssea de doador que não é 100% compatível, conhecido como haploidêntico, ainda é um procedimento experimental no Brasil e deve ser visto com cuidado, diz o diretor do Centro de Transplante de Medula Óssea (Cemo) do Instituto Nacional de Câncer (Inca), Luis Fernando Bouzas. “É uma técnica que ainda está se desenvolvendo, baseada em novos conceitos que surgiram nos últimos dois ou três anos”, disse Bouzas à Agência Brasil.
Coordenador do Registro Nacional de Doadores Voluntários de Medula Óssea (Redome) e do Registro Nacional de Receptores de Medula Óssea (Rereme), Bouzas explicou que o transplante haploidêntico ocorre quando a compatibilidade entre o doador e o paciente é de apenas 50%. Trata-se de um transplante “só familiar. E mesmo assim, só dá certo entre mãe, irmão e pai”.
Segundo a hematologista da Rede de Hospitais São Camilo, de São Paulo, Aline Guilherme, especialista em transplante de medula óssea, a técnica é consagrada mundialmente e é uma alternativa para atenuar a carência de doadores das etnias negra, indígena e asiática. O transplante haploidêntico é “feito nos hospitais mais famosos e conceituados em transplante de medula óssea, com resultados muito bons”. Legalmente, é considerado um tratamento experimental no Brasil, “mas é uma técnica já consagrada nos hospitais privados que têm habilitação para fazer esse tipo de transplante”.
Bouzas, porém, alertou que é preciso olhar com muito cuidado o transplante haploidêntico, “porque não serve para todo tipo de doença. Serve para algumas situações. A primeira decisão a ser tomada ainda é o transplante com doador familiar totalmente idêntico, ou seja, um irmão compatível, totalmente idêntico”. De acordo com o médico, somente 30% das pessoas encontram doador idêntico.
Em seguida, vem o doador não aparentado, inscrito no Redome, “que também tem que ser idêntico”. Segundo Bouzas, admite-se que haja, nesse caso, uma pequena diferença entre doador e receptor, mas ela não pode ser maior que 10%. “Porque, se for [maior], vai ser um resultado ruim”. O resultado é sempre melhor quando há compatibilidade total, disse ele.
Entre os doadores não aparentados, existem as alternativas do doador voluntário e do sangue do cordão umbilical. Por último, vem o transplante haploidêntico, em que o doador é um parente parcialmente compatível, considerado ainda por muitos especialistas como experimental. De acordo com Bouzas, alguns resultados analisados desse tipo de transplante são positivos, “quando são feitos com mãe ou, no máximo, irmão”.
Ele disse que isso tem uma explicação científica, que é o to de a mulher gestar uma criança durante nove meses e não rejeitar o filho, que tem metade dos genes da mãe e metade do pai. “Esse mecanismo de não haver rejeição é que permite um transplante haploidêntico. "Há uma certa tolerância entre mãe e filho e entre filho e mãe”.
Na avaliação do médico, está havendo um entusiasmo exagerado da parte de algumas pessoas em relação a essa opção de transplante, porque “todo mundo que tem mãe viva poderia ter um doador. Na verdade, não é bem assim, porque sabemos, por exemplo, que, para leucemia e algumas outras doenças, haveria um pior resultado com o transplante haploidêntico”. Há mais chance de a doença voltar no futuro e de não haver boa recuperação imunológica do transplante. “Ainda está em estudo e ainda há questões não resolvidas”, advertiu o médico. Por isso, não é uma solução definitiva, disse ele.
Aline Guilherme informou que, por se tratar de um procedimento de alta complexidade, poucas instituições são autorizadas pelo Ministério da Saúde a fazer esse tipo de transplante. A unidade Pompeia da Rede de Hospitais São Camilo, de São Paulo, é uma delas. Luis Fernando Bouzas disse que, em todo o Brasil, há 24 unidades que fazem esse tipo de transplante dentro ou fora do Sistema Único de Saúde (SUS).