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MP analisa se atividade de cantora de funk de SP caracteriza trabalho infantil

Michèlle Canes - Repórter da Agência Brasil
Publicado em 03/05/2015 - 11:26
Brasília

O Ministério Público do Trabalho em São Paulo (MPT/SP) abriu um inquérito para analisar a atividade feita pela cantora infantil Mc Melody, de 8 anos. Segundo o procurador do MPT Marco Antônio Ribeiro Tura, responsável pelo inquérito, instaurado no dia 17, o objetivo é verificar se existe a prática de trabalho infantil, o que é proibido no país.

“O que vamos analisar é se há trabalho, se há provas de fato de que essa menina trabalha. Se ficar comprovado que ela não canta de maneira habitual, não faz show, apresentações para o grande público, não vai caracterizar propriamente um trabalho”. O procurador explica que ao MPT cabe a verificação do ponto de vista trabalhista na análise das denúncias recebidas sobre a atuação da menina e que o inquérito foi enviado também ao Ministério Público do Estado de São Paulo para análise de existência de outras possíveis violações na esfera penal. O pai de Melody foi notificado e será ouvido pelo MPT.

“O trabalho é proibido para menores de 16 anos salvo na condição de aprendiz, a partir dos 14. Só que várias atividades são terminantemente proibidas, inclusive acima de 16 e abaixo dos 18. São aquelas atividades que colocam em risco a integridade física, psíquica e moral das crianças e adolescentes”, ressalta o procurador, ao destacar o texto da Constituição Federal.

O Brasil é também signatário de convenções da Organização Internacional do Trabalho (OIT): a 138, que trata da idade mínima para trabalhar, e a 182. “A 182 estipula quais são as piores formas de trabalho infantil, que é toda forma de escravidão, tráfico de drogas, atividades ilícitas, e também determina a lista das atividades perigosas”, explica a coordenadora do programa de Combate ao Trabalho iInfantil da OIT no Brasil, Maria Cláudia Falcão.

A psicóloga Laís Fontenelle, do Instituto Alana, ressalta que o trabalho precoce pode ser prejudicial e levar a criança a pular etapas. “É um tempo [a infância] em que a criança está se desenvolvendo, ela precisa de um olhar mais atento, de se escolarizar, de se apropriar dos valores”.

“A pobreza leva ao trabalho infantil. Ela [a criança] passa a ter uma educação que não é a melhor, não estuda o suficiente ou para de estudar porque está trabalhando. Ela acaba tendo uma defasagem escolar e aí, para entrar no mercado de trabalho, vem com déficit e o mundo está cada dia mais competitivo, então vai ser muito difícil garantir um trabalho decente e sair do círculo da pobreza”, diz Maria Cláudia, acrescentando que grande parte das crianças que trabalham no Brasil está nas áreas urbanas.

A psicóloga do Instituto Alana chama a atenção para o fato de que, quando a atividade desenvolvida pela criança é ligada à área artística, esse trabalho é glamourizado pela sociedade, por isso há quem acredite que não seja prejudicial. “Acham que é tão legal, que a criança curte tanto ver a sua foto estampada. E será que ela curte? E todas as horas que ela passou ali para ser maquiada, que teve que ir para outro lugar, que muitas vezes pegou várias conduções, não se alimentou direito, tem uma pressão”.

O procurador do Trabalho explica que, com base na Convenção 138 da OIT e na legislação interna, alguns requisitos precisam ser atendidos ao tratar do trabalho artístico. “O primeiro deles é a excepcionalidade desse trabalho. Não é possível que ele seja tido como algo costumeiro, cotidiano”. O procurador ressalta outras exigências como alvará expedido por um juiz federal do Trabalho, observância de princípios de proteção da criança, quesitos relacionados à educação e a jornada de trabalho.

Ao se tornar signatário das convenções, o Brasil passou a reconhecer a existência do problema, o que, para Maria Cláudia Falcão, foi um passo importante. Desde a década de 90, segundo ela, além de ter uma legislação avançada, o país vem trabalhando em ações para a erradicação do trabalho infantil como a criação da Comissão Nacional de Erradicação do Trabalho Infantil, a coordenada pelo Ministério do Trabalho e Emprego, e do Programa de Erradicação do Trabalho Infantil (Peti). “O Brasil é reconhecido internacionalmente por todo o trabalho que vem sendo feito. Tanto que ao longo de 20 anos houve uma redução de quase 60% no número de crianças em situação de trabalho infantil entre 5 e 17 anos. Mas ainda temos 3 milhões”.

Para a representante da OIT, o Brasil teve grande avanço na faixa etária dos 5 aos 13 anos. “[Agora] acho que o grande desafio do Brasil hoje é a política para essa faixa etária de 14 a 17 anos que seria estimular a aprendizagem. Hoje, a aprendizagem no Brasil, apesar de ter um potencial muito grande, é muito baixa, as empresas não cumprem com a sua cota”. Maria Cláudia Falcão acredita que é preciso também garantir os direitos daqueles que podem trabalhar.

“O ideal seria que eles permanecessem na escola até que os 17 anos, entrassem na universidade, mas a gente sabe que essa é uma realidade que ainda não é possível para o Brasil. Então, para essa faixa etária, para aqueles que realmente precisam, a ideia é tornar [a atividade] formal e garantir um trabalho decente para esses adolescentes dessa faixa etária em que é possível, de acordo com a legislação brasileira, trabalhar,” diz.