Advogado de família da vítima dificultou acusação a policiais, diz promotor

Publicado em 29/03/2017 - 00:31 Por Elaine Patricia Cruz – Repórter da Agência Brasil - São Paulo

Após os sete jurados terem decidido absolver os três policiais acusados de terem executado Fernando Henrique da Silva, o promotor de acusação Rogério Leão Zagallo lamentou que seu assistente de acusação, o advogado Richard Bernardes Martins Silva, tenha pedido a absolvição de um dos réus durante a fase de debates, ocorrida ontem (28). Para o promotor, o advogado, que foi contratado pela família da vítima, atuou em favor dos réus.

“Essa absolvição tem que ser tributada ao advogado contratado pela família da vítima. Nunca vi um advogado da família da vítima, chamado tecnicamente de assistente de acusação, fazer a defesa e apologia da absolvição do réu. Isso enfraquece o discurso condenatório, que já era um discurso difícil pela ideia de que a gente estaria acusando policiais contra bandidos”, disse o promotor, na saída do júri popular, que terminou por volta das 22h de ontem.

Segundo Zagallo, a atuação do advogado trouxe uma dificuldade a mais para o processo. “A sociedade, tão desassossegada com a questão da violência, vê na morte de uma pessoa como o Fernando, um inimigo. Até entendo essas pessoas. Mas isso se reflete no julgamento. E o policial militar é sim um herói para aqueles que tiraram de circulação os inimigos da sociedade”.

A jornalistas, o promotor questionou a atuação de Silva. “O fato é que ele não era advogado do réu e defendeu os interesses do réu e isso enfraqueceu o discurso da acusação”, disse. Questionado se caberia algum processo ao advogado da vítima, Zagallo disse que “isso fica na consciência dele”. “Vou até estudar o aspecto ético dentro do estatuto da OAB se cabe algum processo”, disse. “Esse advogado comigo não trabalha mais”.

Absolvição

Durante a fase de debates, o advogado contratado pela família se dirigiu aos jurados e pediu a absolvição do policial Samuel Paes, que é visto em imagens de celular empurrando a vítima do telhado de uma casa no bairro do Butantã, em São Paulo. Logo após esse pedido, o promotor voltou a falar aos jurados, dizendo ter “perdido o tesão” de continuar com o julgamento. A frase de Zagallo foi repetida depois pelos advogados dos réus, que utilizaram a divergência entre os dois membros da acusação para apelar aos jurados pela absolvição dos policiais.

Zagallo disse que vai interpor recurso, buscando um novo julgamento. “Estou convicto e com a consciência tranquila de ter demonstrado que os acusados executaram [a vítima]. Não houve legítima defesa”, disse

Em sua defesa, Silva disse “estar com a consciência tranquila”. “Tenho o maior respeito pelo promotor Rogério Leão Zagallo, mas não acredito nisso. Acho que é convicção. É muito difícil você chegar no plenário e atuar longe da sua convicção. Não é porque hoje sou assistente de acusação que vou mudar meus princípios, meu caráter e minha forma de atuar na advocacia. Hoje, após ver o vídeo 200 vezes, cheguei à conclusão de que o Samuel não teria intenção de matar. Ele simplesmente empurrou ou soltou a vítima, mas a decisão é soberana dos jurados e temos que respeitar”, disse.

Silva confirmou ter sido contratado pela família e que a mãe da vítima, que acompanhou os debates hoje no plenário do Fórum Criminal da Barra Funda, sabia que ele pediria a absolvição do policial. “Conversei com a dona Cleusa, expliquei para ela, e ela falou: 'Doutor, se o senhor tem essa convicção, sustente essa convicção'. Foi muito bem conversado com a dona Cleusa antes”, disse.

Questionado por jornalistas se a decisão dos jurados o fez sair do fórum vitorioso ou derrotado, ele respondeu “um pouco triste”. “A sentença tomou uma decisão e temos que respeitar”, disse o advogado, que vai falar com a família para saber se ela pretende recorrer da sentença.

A defesa dos réus

Ao sair do Fórum, o advogado de defesa dos réus, Nilton de Souza Vivan Nunes, agradeceu a Deus pelo resultado do júri. “A justiça de Deus foi feita porque não havia dúvidas de que esses homens eram inocentes e por isso foram absolvidos na íntegra”.

Nunes esquivou-se de responder se a divergência entre o promotor e seu assistente de acusação facilitou a defesa dos réus. “Prefiro não tecer comentários até por questões éticas”, disse. "Não dá para eu saber o que efetivamente passou na cabeça dos jurados, mas entendo que os jurados são pessoas do bem e ordeiras e quer queira, quer não, não podemos nos esquecer que o indivíduo optou por um caminho do mal. O indivíduo tinha roubado uma moto e estava tentando roubar uma segunda moto, subiu no telhado, colocou senhoras em risco. Infelizmente essa foi a linha que ele conduziu a vida dele. Fico triste, claro. Preferíamos que o indivíduo tivesse se rendido, sido preso. Não adotamos aqui a linha de que bandidos devem ser mortos, mas entre morrer um bandido e morrer um policial, me desculpe, mas eu prefiro o policial vivo".

O julgamento

Em decisão rápida, de menos de 30 minutos, os sete jurados que compõem o Conselho de Sentença decidiram absolver os três policiais acusados de executar Fernando Henrique da Silva, 23 anos, no dia 7 de setembro de 2015. A decisão foi amplamente comemorada por parentes dos réus e por policiais que acompanharam o julgamento antes mesmo que a juiza Giovanna Christina Colares fizesse a leitura da sentença, por volta das 22h de hoje, isso porque a família recebeu a informação sobre a decisão dos próprios advogados dos réus.

Flávio Lapiana de Lima e Fabio Gambale da Silva eram acusados pelo Ministério Público por homicídio doloso qualificado (por motivo torpe, meio cruel e sem possibilidade de defesa da vítima), fraude processual (por alteração no local do crime) e falsidade ideológica (por terem dado versões falsas sobre o crime durante a investigação). Já o policial Samuel Paes era acusado por homicídio doloso.

Todos eles atualmente se encontram presos no Presídio Militar Romão Gomes, após investigação da Corregedoria da Polícia Militar. Com a decisão do júri popular, eles foram imediatamente soltos. Os policiais respondem também a processo que, em uma primeira decisão do conselho de sentença, condenou-os à expulsão da Polícia Militar. No entanto, este processo está atualmente parado, aguardando o resultado do júri popular.

O caso

Fernando estava em uma moto roubada com Paulo Henrique Porto de Oliveira, 18 anos, quando foi surpreendido por policiais na Rodovia Raposo Tavares. Durante a fuga, Fernando abandonou a moto e subiu em um telhado de uma casa no bairro do Butantã, na zona oeste da capital paulista, e foi cercado por policiais.

Imagens feitas à distância por celulares mostraram o policial Samuel Paes aproximando-se da vítima ainda no telhado, revistando-a e, aparentemente, jogando Fernando, rendido e desarmado, do telhado em direção ao quintal de uma casa. Depois da queda – cena que não foi registrada pelas imagens – os outros dois policiais, Flávio Lapiana de Lima e Fabio Gambale da Silva, que estariam no quintal aguardando, teriam atirado contra Fernando, que morreu no local.

O processo foi dividido em dois. Nos dias 13 e 14 deste mês foram julgados outros três policiais pela morte de Paulo. Imagens de câmeras de segurança mostraram Paulo saindo de uma lixeira, se entregando e levantando a camisa para mostrar que não estava armado. Em seguida, ele é colocado contra um muro, fora do alcance da câmera, momento em que teria sido morto. O vídeo mostra ainda um dos policias pegando uma arma na viatura para forjar um confronto e justificar a morte do suspeito.

No julgamento de Paulo, os sete jurados decidiram condenar o policial Tyson Oliveira Bastiane por homicídio, retirando todas as qualificadoras (utilização de meio cruel, motivo torpe e sem possibilidade de defesa da vítima) que poderiam aumentar sua pena. Bastiane também foi condenado pelos crimes de fraude processual, falsidade ideológica e porte ilegal de arma e sua pena foi fixada em 12 anos, 5 meses e 7 dias de reclusão, em regime fechado.

Os outros dois policiais foram absolvidos da condenação por homicídio. O policial Silvio André Conceição foi absolvido de todos os demais crimes e Silvano Clayton dos Reis foi condenado por fraude processual, falsidade ideológica e porte ilegal de arma e sua pena foi estabelecida em 4 anos, 11 meses e 17 dias de reclusão, mas ele poderá recorrer em liberdade.

Edição: Fábio Massalli

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