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Duelo de MCs movimenta a cena hip hop no país até dezembro

Termina neste sábado prazo para fazer inscrição na repescagem
Akemi Nitahara – Repórter da Agência Brasil
Publicada em 10/10/2020 - 15:50
Rio de Janeiro

Em sua nona edição, a temporada 2020 do Duelo de MCs já começou mobilizando mais de 1,7 mil artistas de 25 estados e do Distrito Federal. Apenas o Rio Grande do Norte não fará a etapa seletiva estadual, mas representantes do estado podem se inscrever na repescagem, com prazo até amanhã (11), pelo site do Duelo.

Neste ano, as 26 etapas estaduais estão ocorrendo em estúdios profissionais, mas sem público presente e com transmissão online, por causa da pandemia de covid-19. Até o dia 22 de novembro, 208 MCs se enfrentam nas seletivas, com oito participantes em cada etapa que definirão os finalistas que se enfrentam nos dias 12 e 13 de dezembro.

Já batalharam os MCs de Roraima, Amapá e Pará. Hoje (10) é a vez do Amazonas, amanhã o Acre e no feriado de segunda-feira (12) disputam uma vaga na final nacional os MCs de Rondônia. Todos os duelos estão sendo transmitidos pelo aplicativo do Duelo de MCs e depois o conteúdo fica disponível no canal do Youtube do coletivo Família de Rua, organizador do evento.

Freestyle

Segundo um dos idealizadores do Duelo de MCs, Pedro Valentim,  as batalhas de freestyle, onde os competidores disputam com rimas improvisadas na hora, ocorrem há muito tempo no Brasil, tradicional na cultura hip-hop. O projeto do Duelo começou em 2007 com o coletivo de Belo Horizonte Família de Rua, do qual faz parte, e desde 2012 o evento passou a ser nacional.

O formato da competição vai permitir que todos os estados participantes tenham representantes na final. “Cada estado fez uma curadoria para chegar em 16 nomes que foram para votação popular e júri técnico, para chegar aos oito nomes que estão batalhando em cada estado. Foram garantidas duas vagas para mulheres em cada estado. Aí vai ter um campeão ou campeã em cada estado, com 26 finalistas”, disse Valentim.

Os outros seis finalistas virão da repescagem, somando 32, o dobro dos anos anteriores. A organização vai receber até 1.500 inscrições para esse processo e fará um sorteio para preencher 550 vagas para homens, 550 para mulheres e 20 para pessoas não binárias.

“Vamos sortear 1.120 vagas para uma dinâmica de batalhas no Discord, um aplicativo de trocas de mensagens por voz. Serão 70 chaves de 16 MCs pelo Discord para chegar nos seis nomes que completam a final. Na segunda-feira, vamos fazer o sorteio e já começam as batalhas, de manhã e de tarde.”

Manas, minas e monas

De acordo com Valentim, como arte urbana e periférica, a cultura hip hop acompanha os movimentos da sociedade. E o empoderamento das mulheres, negros e negras e pessoas LGBTQI+ precisa ser garantido também neste espaço.

“A gente tem discutido muito questões ligadas à comunidade LGBT e tudo que está em torno dessas pautas, que são urgentes, como o racismo e questões ligadas à sociedade nesse momento. A participação das mulheres tem crescido, ainda é muito aquém de um lugar desejado, mas tem aumentado gradativamente e significativamente. E isso é um reflexo nas batalhas.”

Com cada estado tendo pelo menos duas mulheres nas seletivas, o Duelo de MCs conta com pelo menos 52 mulheres participando da disputa, “brigando nas cabeças por esse título e isso é algo extremamente importante”, ressaltou Valentim.

Uma delas é a cantora Bianca Manicongo, conhecida como Bixarte, de João Pessoa. Ativista trans, aos 19 anos, ela começou a participar das batalhas de MCs há dois anos e conquistou espaço para mais mulheres, cis e transgêneros, dentro do movimento hip hop da Paraíba.

“Dentro do hip hop, eu comecei tentando criar novos fins e novas saídas para o meu corpo e me ver naquele espaço, porque eu nunca vi travesti batalhando. Então, eu tive que entrar nesse espaço, hackear e começar a abrir para que outras pessoas como eu pudessem vir também. A minha poesia é uma autodefesa, a gente sempre vê travesti como a morta, corpo encontrado. Eu entro pela ideia de ressignificar o rap e a poesia através do meu corpo.”

Para ela, a inserção na cultura hip hop foi também um processo de autodescoberta e autoafirmação. “Foi um pouco difícil no começo, principalmente por ser uma travesti e nunca negar isso. Eu comecei ainda levantando uma bandeira de bicha, mas nesse processo eu encontrei a 'mulheridade' do meu corpo. É um desafio, eu costumo dizer que as pessoas matam sete leões por dia, mas nós mulheres trans e travestis matamos oito, com a transfobia, todos os dia, para poder chegar em casa para dormir.”

Bianca ficou em terceiro lugar no ano passado na competição de poesia falada Slam Brasil e tem participado da organização de batalhas de mulheres MCs na Paraíba. Citando o rapper paulista Criolo, ela afirma que o hip hop é movimento de resistência, como um quilombo moderno, fortalecido pelo Duelo Nacional.

“O hip hop é um movimento altamente marginalizado desde a sua origem, como o samba foi, como outros ritmos foram. Então, a gente começa a transformar o hip hop em um quilombo moderno, onde a gente vem se refugiar e se organizar para criar expectativas de vida.”

Cultura da periferia

Em sua dissertação de mestrado,na Escola de Música da Universidade Federal de Minas Gerais (UFMG), Gustavo Souza Marques pesquisou a cultura hip hop e a música rap no Duelo de MCs, acompanhando o trabalho da Família de Rua entre 2007 e 2013. O músico explica que a cultura hip hop surgiu na década de 1970 nos Estados Unidos, como uma expressão da cultura periférica negra e latina. Ela envolve expressões artísticas de rua, com a dança break, a música rap e as artes visuais do grafitti.

Os encontros festivos no bairro de South Bronx, em Nova Iorque, eram chamados de break, wild style ou block party, festa de quarteirão, e tinham um foco forte na dança. O termo hip hop, de quadril ou cintura e pulo ou salto, foi desenvolvido posteriormente pelo MC Keith Cowboy, do grupo Grandmaster Flash & The Furious Five. Quando chegou ao Brasil, na década de 1980, o movimento hip hop teve forte adesão nas periferias empobrecidas do país.

Porém, o pesquisador destaca que a influência vem de Kingkston, capital da Jamaica, onde ocorriam os dancehalls, bailes de rua com caixas de som potentes nos quais os deejays que animavam o baile declamavam rimas junto à música tocada nas radiolas. Além disso, “diferentes gêneros musicais característicos da diáspora africana desenvolveram esse recurso discursivo, no qual o cantor fala em determinados trechos enquanto o instrumental e as vozes de apoio são mantidos”.

Segundo Valetim, a cena da cultura hip hop já está consolidada em todos os estados do Brasil. E como cultura de periferia e das juventudes negras, é um ambiente de militância e crítica social.

“Se mantém nesse lugar de crítica, de botar o dedo na ferida, escancarar as mazelas da sociedade. Mas, no Brasil, a gente tem se permitido falar de outras coisas nesses últimos anos. Os artistas têm falado de todas as pautas, a diversidade está presente na cultura hip hop. Mas esse lugar da combatividade e apontar questões que a sociedade precisa discutir continua sendo uma força do hip hop e do rap”.

O termo rap vem do inglês rhythm and poetry, ritmo e poesia, e foi cunhado pelo DJ Afrika Bambaataa, inspirado nas ideias de líderes negros como Malcolm X e Martin Luther King J., além do Partido dos Panteras Negras. O rapper é a pessoa que rima e está associado ao trabalho autoral de músicas. O MC, Mestre de Cerimônia, está mais relacionado às batalhas de rimas improvisadas.