Caminhos da Reportagem mostra brasileiros em busca de saúde
No Brasil, uma grande parcela da população precisa se deslocar para buscar atendimento de saúde, principalmente aqueles serviços mais especializados e de mais complexidade. A família do Vitor, de 9 anos, saiu de uma pequena cidade do Tocantins, Brejinho de Nazaré, em busca de diagnóstico e tratamento para ele. Primeiro, eles foram para Palmas, onde o pequeno foi diagnosticado com insuficiência renal crônica. Mas lá não havia tratamento para crianças e a família acabou se mudando para Brasília. Já na capital do país, a mãe de Vitor faleceu em decorrência de um câncer. Hoje, o pai, Fernando Pereira, cuida sozinho do filho, que é acompanhado no Hospital da Criança. “Se o médico que acompanha mandar ele para qualquer lugar eu vou. Onde tiver um tratamento melhor, eu vou sempre estar do lado dele”, afirma o pai.
A presença de um hospital de referência é um fator que atrai muitos migrantes para uma cidade. Na pesquisa Regiões de Influência das Cidades, divulgada em 2020, o IBGE mapeou os deslocamentos da população brasileira em busca de serviços de saúde. O estudo listou, por exemplo, 30 cidades para onde um grande número de pessoas se deslocam quando precisam de atendimento especializado e de alta complexidade, como por exemplo, tratamentos de alto custo envolvendo internação, cirurgias, ressonância magnética, tomografia e tratamentos de câncer. Entre essas 30 cidades, há capitais e também referências no interior do país, como Barretos, em São Paulo.
Barretos é um centro de referência para atendimento de câncer e recebe gente de todo o país. O diretor médico do Hospital Infantojuvenil, Luiz Fernando Lopes, afirma que “Barretos é um espelho, é um exemplo que é possível tratar pelo SUS gratuitamente, com a melhor qualidade, com todos os exames sofisticados que são possíveis”. Ele explica que o hospital conta com várias casas de apoio para as famílias que se deslocam até a cidade para algum tratamento no hospital. O tratamento, a alimentação e a acomodação são gratuitos.
Valrislene dos Santos saiu de Boa Vista, Roraima, e se mudou para Barretos com a filha, Hanna, para tratar um tipo de câncer ocular chamado retimoblastoma. Hana foi diagnosticada com 1 ano e 8 meses de idade. Elas moraram por quase quatro anos em uma das casas de apoio do hospital. “Aqui eu não tinha ninguém. Era eu e eu mesmo, entendeu? Então nessas horas a família faz muita falta.”, conta Valrislene. Hana hoje tem 9 anos, já passou por dois tratamentos no Hospital Infantojuvenil e faz acompanhamento agora de seis em seis meses.
A distância da família também é uma realidade de Cristiano Abreu e de Fabiana Bezerra, que se mudaram para São Paulo em busca de transplante. Cristiano deixou sua cidade natal, Ilhéus, na Bahia, e foi há seis anos para a capital paulista para fazer o transplante de coração. “Metade da minha vida eu tinha uma vida normal, metade com a miocardiopatia. Agora, restante da minha vida, eu tenho um coração novo para poder ter uma outra forma de viver”, ele conta. O coração compatível chegou em fevereiro de 2020. Agora ele segue fazendo acompanhamento no Instituto do Coração (InCor) e não vê a hora de voltar para a Bahia.
Rafaela deixou a pequena cidade de Picuí, na Paraíba, para viver em São Paulo em 2020, já durante a pandemia de coronavírus, e aguarda na fila de transplante de pulmão. Para estar perto do hospital em São Paulo e se preparar para a cirurgia, Rafaela precisa estar longe da família. Ela se emociona ao falar dos dois filhos e do tempo que passa longe deles. “Quando eu vim, eu disse ‘eu vou por eles, pelos meus filhos’, porque por mais que me doa ficar longe, eu tenho que ficar boa pra acompanhá-los. Então isso é o que me move”, explica.
A família de Fabiana Medina também passou um tempo dividida. Ela saiu da Venezuela em busca de uma vida melhor em Manaus. Mas o pai, que continuava vivendo no pais vizinho, sofreu um AVC e não conseguia fazer o tratamento. Já com o pai no Brasil, Fabiana se mudou com ele e a filha para Brasília, quando conseguiu uma vaga para ele na Rede Sarah de Hospitais de Reabilitação.
A neurocientista e presidente da Rede Sarah, Lucia Willadino Braga, aponta que 34% dos pacientes atendidos nos hospitais do Distrito Federal são de fora. A telemedicina é uma possibilidade que a especialista traz para esse cenário de migração por saúde. Para o enfrentamento da pandemia, a Rede Sarah viu a necessidade de fazer o teleatendimento e, segundo ela, pesquisas comprovaram que a ferramenta foi eficaz. “Eu acho que quando a gente está falando em uma medicina sem fronteiras, de uma migração, a ferramenta da telemedicina vem contribuir muitíssimo, vem agregar muito para a qualidade do nosso atendimento e para viabilizar um atendimento melhor das pessoas que vêm de fora”, ela diz.
O presidente do Conselho Nacional de Secretarias Municipais de Saúde (Conasems), Wilames Freire, acrescenta estratégias que podem ser adotadas no país, como fortalecer os investimentos nas regiões de saúde e nas macrorregiões de saúde, para que elas tenham condição de resolver os problemas regionalmente evitando que essas famílias que procuram tratamentos de alta complexidade tenham que se deslocar.
Ricardo Dantas, pesquisador em Saúde Pública da Fundação Oswaldo Cruz (Fiocruz), reforça que não adianta esperar que haja atendimento especializado, como UTI, em todos os municípios. “É necessário que o governo do estado interfira e mobilize seus recursos para que a população tenha acesso aos serviços”, argumenta, ao ressaltar ainda que é preciso apoiar o SUS e diminuir as desigualdades de saúde existentes no Brasil.
- Caminhos da Reportagem:
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