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Entidades pedem projeto federal na Cracolândia

Para elas, ações da prefeitura e do governo de SP não têm resultados
Bruno Bocchini - Repórter da Agência Brasil
Publicada em 12/04/2023 - 17:33
 - Atualizada em 12/04/2023 - 19:07
São Paulo
São Paulo (SP), 12/04/2023 - Prédio antigo na esquina da rua Aurora com Santa Ifigênia, no centro da capital. Entidades que realizam trabalhos sociais na região da Cracolândia, no centro da capital paulista, estão pedindo para que o governo federal assuma a implementação de programas para o atendimento dos dependentes químicos que vivem no território. Segundo as entidades, os projetos da prefeitura e do governo do estado de São Paulo não estão dando resultado e acumulam denúncias de violações de direitos humanos. Foto: Rovena Rosa/Agência Brasil
© Rovena Rosa/Agência Brasil

Entidades que realizam trabalhos sociais na região da Cracolândia, no centro da capital paulista, pedem que o governo federal assuma a implementação de programas para o atendimento dos dependentes químicos que vivem no território. Segundo as entidades, os projetos da prefeitura e do governo do estado de São Paulo não estão dando resultado e acumulam denúncias de violações de direitos humanos.

Na última semana, nove entidades, entre elas o Centro de Convivência É de Lei, a Craco Resiste e o Instituto Adesaf (Articulação de Tecnologias Sociais e Ações Formativas) entregaram ao ministro-chefe da Secretaria de Relações Institucionais, Alexandre Padilha, um documento pedindo atuação direta do governo federal na região.

“É importante ressaltar o diagnóstico de que as interlocuções no nível municipal e estadual que foram tentadas não foram efetivas para que cessassem as violações de direitos humanos que ocorrem de forma sistemática no território, razão pela qual entendem que é necessária atuação direta do governo federal na região”, diz o texto do documento entregue ao ministro.

De acordo com as entidades, operações policiais são realizadas na região constantemente, com o uso de armas de efeito moral mesmo quando não há qualquer resistência da população aglomerada.

“O uso da força nessas operações é muitas vezes indiscriminado e há relatos e imagens de cenas como a de pessoas deitadas sob chuva e sobre poças de água ao longo de muito tempo aguardando averiguação e liberação.”

Segundo o documento, pessoas machucadas durante as operações, atingidas por balas de borracha ou por efeito de queda, não recebem nenhuma assistência e são obrigadas a aguardar paradas até o fim da ação policial.

“A gente chegou ao limite de todas as tentativas de denunciar e conter as violações de direitos humanos que vêm acontecendo. O motivo de a gente ir para a instância federal é porque a gente esgotou todas as possibilidades nas instâncias municipal e estadual”, destaca o médico psiquiatra Flávio Falconi, criador do projeto Teto, Trampo, Tratamento, entidade que também assina o documento entregue ao ministro de Relações Institucionais.

“O envolvimento do Padilha é para fazer pressão do ponto de vista da articulação entre os governos para que parem de violar os direitos humanos”, destacou. “É um problema que não vai ser resolvido pela forma como está sendo feito, e a gente não tem mais a quem recorrer”, ressaltou Falconi, que também faz parte da equipe do Programa de Orientação e Atendimento a Dependentes (Proad), serviço ligado ao Departamento de Psiquiatria da Universidade Federal de São Paulo (Unifesp).

Nos últimos dias, após operações policiais para a desobstrução de ruas na região, ocupadas por dependentes químicos, vários saques e invasões foram registrados no comércio local.

A articulação política para o acesso ao ministro contou com o gabinete do deputado estadual de São Paulo, Eduardo Suplicy (PT), que encaminhou o documento das entidades por ofício à Secretaria de Relações Institucionais.

Em nota, a Secretaria de Segurança Pública do estado de São Paulo disse que as polícias Civil e Militar seguem rigorosamente os protocolos de abordagem na área central, "em absoluta observância à legislação vigente". 

"O empenho da polícia nas ações se reflete nos números de produtividade: no 1º trimestre deste ano foram presos na região central 1.861 suspeitos, o que representa um aumento de 53% comparado ao mesmo período do ano passado". 

Já a prefeitura destacou, em nota enviada nesta quinta-feira, o seu programa na Cracolândia, o Redenção, é a política pública de maior duração que já atuou no território (2019 - 2023), “com resultados expressivos como queda no volume de pessoas que frequentam ou habitam a Cena de Uso Aberto (popularmente conhecida como Cracolândia), intensificação e variedade de serviços de tratamentos oferecidos e aumento de saídas qualificadas”.

De acordo com a administração municipal, mais de 300 beneficiários do programa estão empregados, “resultado da capacidade de reinserção profissional do Programa Operação Trabalho (POT Redenção), que conta com 1.000 vagas específicas para beneficiários em situação de vulnerabilidade e risco social”.

São Paulo (SP), 12/04/2023 - Praça Princesa Isabel em Campos Elísios, região central. Entidades que realizam trabalhos sociais na região da Cracolândia, no centro da capital paulista, estão pedindo para que o governo federal assuma a implementação de programas para o atendimento dos dependentes químicos que vivem no território. Segundo as entidades, os projetos da prefeitura e do governo do estado de São Paulo não estão dando resultado e acumulam denúncias de violações de direitos humanos. Foto: Rovena Rosa/Agência Brasil
Praça Princesa Isabel, no centro da capital paulista, um dos pontos de concentração do fluxo da Cracolândia que foi dispersado em ação policial em maio de 2022 - Rovena Rosa/Agência Brasil

Programa do governo federal

As entidades pedem uma atuação direta do governo federal na Cracolândia a partir da implementação do programa Moradia Primeiro, atualmente em desenvolvimento no Ministério dos Direitos Humanos e da Cidadania. O projeto é baseado no programa Housing First, originalmente desenvolvido nos Estados Unidos, e já aplicado também no Canadá, na Austrália e alguns países europeus.

O projeto busca enfrentar a situação de rua, antes de qualquer outra medida, por meio da oferta de moradia permanente, integrada a serviços de apoio habitacional, clínico e de reintegração comunitária. O Housing First foi inspiração também para o projeto De Braços Abertos, utilizado na Cracolândia de São Paulo na gestão do atual ministro da Fazenda, Fernando Haddad, quando foi prefeito da capital paulista, de 2013 a 2016.

“O Moradia Primeiro é uma estratégia, com a população em situação de rua, de garantia do morar, do acesso a uma moradia protegida e assistida para essas pessoas em alta vulnerabilidade, como porta de entrada de acesso a outros direitos”, explicou o diretor de Promoção dos Direitos da População de Rua do Ministério de Direitos Humanos e da Cidadania, Leonardo Pinho.

“A ideia do Moradia Primeiro é dar esse passo fundamental. No entanto, o governo anterior não deixou nenhum recurso orçamentário para a política de população de rua. Estamos neste processo de diálogo interministerial para poder avançar com essa agenda. No entanto, com essa ressalva, de que o governo anterior não deixou nenhum recurso para essa política no orçamento federal. O orçamento é zero”, destacou.

De acordo com Pinho, apesar da falta de recursos do governo federal para a população em situação de rua no governo federal, o projeto será colocado em prática em Brasília com recursos advindos de emendas parlamentares de deputados federais.

“Nós estamos pactuando agora a última etapa com o governo distrital. A nossa expectativa é que, já em maio, a gente consiga começar o processo aqui. A ideia é começar com 100 pessoas, junto com política de assistência social”, informou.

Uma das possibilidades, em São Paulo, caso o governo federal consiga, ainda em 2023, recursos realocados de outros ministérios, é fazer parcerias com entidades da sociedade civil que já atuam na região.

“Tem uma iniciativa que não é do poder público, mas que já iniciou, que é o Morar Primeiro, com o padre Júlio Lancellotti. Sempre há a possibilidade de fomentar experiências de organizações da sociedade civil. O novo marco regulatório das organizações da sociedade civil permite que se tenha termos de cooperação diretos [do governo federal] com a sociedade civil”, disse Pinho.

Para a antropóloga e pesquisadora na Universidade de São Paulo (USP) Amanda Amparo, o governo federal tem autonomia para realizar um programa próprio na Cracolândia, sem a lógica de concorrências com os outros projetos já ativos no território. “Em nada iria afrontar os projetos que a prefeitura e o estado estão tão fazendo lá. O governo federal abre uma política e torna ela acessível para as pessoas, e as pessoas vão acessar conforme a necessidade delas, não é exatamente uma lógica de concorrência”, avaliou.

“Assim como o estado e prefeitura tem já, há muitos anos, trabalhados de forma separada. A prefeitura trabalha com Redenção, o estado sempre trabalhou com Recomeço. Também não é problema fazer uma ponte, conversar, e ver de que forma é possível fazer uma interlocução entre os Poderes.”

Novo centro de acolhida

Na noite desta terça-feira (11), o governo do estado de São Paulo inaugurou na Cracolândia um novo centro de acolhida para dependentes químicos, o Hub de Cuidados em Crack e Outras Drogas. Segundo o governo do estado, o grande diferencial do novo centro será o de estabelecer um protocolo de manejo adequado à singularidade de cada caso, “potencializando as oportunidades para o desenvolvimento de um processo de convencimento e tratamento do dependente químico”.

“O que estamos inaugurando aqui é um equipamento público de apoio. Uma grande porta de entrada para que o trabalho do estado, prefeitura e entidades que já atuam no acolhimento, convencimento e encaminhamento possam ter uma retaguarda de tratamento com uma ampla linha de cuidados “, disse o vice-governador Felicio Ramuth.

De acordo com o governo, no novo centro há uma ala com capacidade para acolhimentos, avaliação dos riscos médicos e clínicos 24 horas, com leitos de hospitalidade dia e noite para acolhimento de curta duração e encaminhamento.

O Hub também possui uma ala clínica de saúde voltada para desintoxicação, centro de monitoramento do processo de recuperação e reinserção, assim como salas multiúso para grupos de mútua ajuda, espaços para grupos de abordagem de organizações sociais e de apoio a grupos de familiares.

Matéria alterada às 19h06 do dia 12/4/2023 para inclusão do posicionamento da Secretaria de Segurança Pública de São Paulo e às 15h01 do dia 13/4/2023 para acréscimo da manifestação da prefeitura da capital paulista.