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Cultura

Gestores buscam caminho para descentralizar políticas de cultura

Evento reúne gestores e artistas em Vitória
Elaine Patricia Cruz – Repórter da Agência Brasil*
Publicado em 15/08/2023 - 00:12
Brasília
Brasília (DF) 25/07/2023 - A Ministra da Cultura, Margareth Menezes, participa de uma café da manhã com as profissionais de imprensa por ocasião do Dia Internacional da Mulher Negra, Latino-Americana e Caribenha, no Centro Cultural Banco do Brasil (CCBB).
Foto: Joédson Alves/Agência Brasil
© Joédson Alves/Agência Brasil

Com participação da ministra da Cultura Margareth Menezes, um evento que ocorre segunda-feira (14) e terça-feira (15) em Vitória (ES) está reunindo gestores de todos os estados brasileiros para discutir e traçar estratégias para democratizar e descentralizar a cultura no país. Chamado de Encontro Nacional de Gestores da Cultura, o evento acontece na Universidade Federal do Espírito Santo (UFES).

A ministra disse que uma das metas de sua pasta é a “descentralização do fomento para o setor cultural do Brasil”. “As ações que estamos fazendo, a partir da Lei Paulo Gustavo, já têm essa capilaridade porque 98% das cidades do Brasil mandaram seus planos de ação”, disse a ministra a jornalistas após participar do encontro, já no Palácio Anchieta, sede do governo do Espírito Santo.

“Agora, nosso diálogo é auxiliar aquelas pequenas prefeituras a criarem seu plano de ação. Tem uma diretoria no ministério acompanhando isso. E, em seguida, vem o Sistema Nacional de Cultura com a Lei Aldir Blanc que prevê, durante cinco anos, esse mesmo aporte a todas as cidades”, acrescentou.

Segundo a ministra, o governo também pretende investir mais na cultura por meio do Programa de Aceleração do Crescimento (PAC). “Não adianta só fazer o fomento. É preciso prover as cidades de equipamentos de cultura. Queremos chegar nas favelas e nas pequenas cidades. Teremos os CEUS (Centros de Artes e de Esportes) da Cultura e os CEUS ambulantes, como carros e barcos levando cultura para todos os lugares do Brasil”.

Para os gestores e artistas que estão participando do encontro em Vitória, o governo precisa olhar para outras formas de se fazer cultura no país. Uma dessas pessoas é Jamilda Bento, filha de paneleiras e integrante da Banda de Congo Panela de Barro.

“Somos filhas, netas e bisnetas dessas mulheres que embarreiam suas mãos com barro há mais de 500 anos para modelar um dos maiores ícones da cultura capixaba e do Brasil, que é a panela de barro, onde fazemos nossa moqueca e nossa torta capixaba”, explicou.

Jamilda explicou que o ofício das Paneleiras de Goiabeiras de Vitória é o primeiro patrimônio cultural imaterial brasileiro e que esse saber ancestral precisa ser uma política pública permanente, que independa de mandatos ou de partidos políticos.

“Temos discutido muito essa política de editais, que é necessária e tem seu devido valor, mas que não dá conta da pujança dessa diversidade cultural que nós temos no Espírito Santo e em todo o Brasil. Temos que ter políticas públicas contínuas, independente de quem esteja no governo. Temos que fazer também um diálogo com a educação”, disse Jamilda, em entrevista à Agência Brasil.

“Precisamos de políticas públicas que tenham continuidade, que valorizem esses fazeres. Precisamos de leis que reconheçam esse notório saber dos nossos mestres e mestras que, muitas vezes, ao fim da vida, ficam à mercê e só podem contar com os familiares. Por que não reconhecemos ainda esses saberes dos mestres?”, questionou.

Para o secretário de Cultura da cidade de Camutanga, na Zona da Mata Pernambucana, Fernando Alexandre de Godoi Neto, o governo precisa também olhar para a produção cultural que é produzida nas pequenas cidades brasileiras. “As leis de incentivo vêm dar uma base forte a todos os municípios, de forma geral. Claro que, percentualmente, de acordo com [o tamanho de] cada município. Há anos atrás, já tinha leis de beneficio, mas elas ficavam centralizadas nas grandes metrópoles, às capitais do estado. E o interior ficava muito esquecido, mesmo sendo tão rico culturalmente”, disse ele à reportagem. “Há uma cultura enorme para ser mostrada e para ser valorizada. E não se valoriza apenas com a questão financeira. É preciso também dar visibilidade”, ressaltou.

Segundo Godoi Neto, em seu município há várias formas culturais que precisam ser valorizadas, como a ciranda popular, o repente e o cavalo marinho, do mestre Inácio. “A cultura do cavalo marinho vem atrelada desde a época da cana-de-açúcar, dos senhores de engenho. Inclusive, no início, eles tinham que brincar [de cavalo marinho] escondidos dos senhores de engenho. Em alguns momentos, essa cultura foi esquecida no nosso município, mas estamos tentando resgatá-la. ”, contou.

“Houve um momento que mestre Inácio queria queimar o cavalo marinho, queimar o brinquedo dele, com todos os uniformes e fantasias, como forma de protesto por falta de incentivo. Mas estamos aos poucos convencendo o pessoal a se formalizar. Ter um CNPJ [Cadastro Nacional da Pessoa Jurídica, a identificação de uma empresa formal] hoje é importante para poder receber recursos”, finalizou.

De acordo com o ator, arte-educador, MC e artista Leo Castilho, que enfrenta uma surdez, a cultura também precisa ser mais acessível. “É muito importante a gente chamar as pessoas com deficiência para criar isso junto [uma política pública cultural acessível] E, a partir disso, a gente consegue ter novos caminhos”, disse ele. “Precisamos criar leis para integrar essas pessoas. E principalmente focando na questão da atitude, para além do que está no papel. O Brasil é uma das maiores referências mundiais com relação à cultura. Já temos uma força, mas está na hora de mudar e apresentar a [cultura produzida] por pessoas com deficiência para o mundo”.

Para a professora Luciene Pratti Chagas, fundadora do Instituto Serenata d'Favela, a cultura precisa também lembrar da população mais vulnerável, que vive nos morros brasileiros. “A cultura na periferia é um caldeirão de potência”, disse ela, à Agência Brasil. “Tem um turbilhão de meninos produzindo cultura hoje nas periferias”, lembrou ela.

Mas para que a cultura alcance essas crianças e jovens é preciso, entre muitas coisas, de formação. “Em um primeiro momento, eles precisam de editais. Esses editais estão chegando. Mas num segundo momento, eles precisam de apoio para que eles tenham condição de fazer esses editais. E isso tem a ver com formação. Eles precisam de orientação para fazer os editais”, falou Luciene.

Outro problema, disse ela, é que esses editais só são previsto para pessoas com idades acima dos 18 anos. “Há a questão da faixa etária para as produções e das criações. Nas rimas e na poesia existe uma faixa etária abaixo dos 18 anos, por exemplo. Precisa chegar a hora desse menino acima dos 16 anos também poder fazer [se inscrever nos editais] e ser contemplado também”, disse a professora. O instituto surgiu na comunidade Morro do Quadro, em Vitória, e reúne, atualmente, 319 crianças e jovens que se apresentam com coral, orquestra e dança

Para Fabrício Noronha, secretário da Cultura do Espírito Santo, e presidente do Fórum Nacional de Secretários e Dirigentes estaduais de Cultura, é preciso descentralizar os recursos da cultura para que ela alcance cada vez mais atores. “Nosso Fórum Nacional defende a política de descentralização de recursos”, disse ele, durante o evento. “No entanto, precisamos ter em vista que a execução das leis não são um fim em si mesmo e que temos que comemorar as adesões e agora partir para a qualidade e segurança jurídica desse processo. Isso precisa estar no centro de nosso horizonte agora. Temos marcos legais importantes e inovadores, temos recurso financeiro e precisamos agora descer ao Brasil profundo levando os conceitos, as práticas e as políticas para todos os cantos. Estamos falando de uma política pública com impacto na vida do cidadão. A cultura é estratégia para o desenvolvimento do Brasil”, acrescentou.

Segundo Eduardo Saron, presidente da Fundação Itaú, a democratização do acesso é algo fundamental, mas a cultura brasileira precisa ir além. “É claro que esse tema continua sendo necessário. É claro que isso continua central num país tão desigual quanto o nosso. Mas precisamos encontrar um novo patamar de referência. E para mim, isso é a democratização da participação”, afirmou. “Não adianta só fazer o acesso à produção cultural. É preciso também garantir formação, fomento e fazer com que as pessoas possam ser protagonistas e sujeitos da sua própria transformação”.

A ministra do Supremo Tribunal Federal (STF) Carmen Lúcia participou do evento nessa segunda-feira. Para ela, é preciso avançar ainda mais nessa discussão porque o acesso à cultura brasileira já é um direito garantido pela Constituição. “Eu proponho a cultura democrática. Não é preciso democratizar a cultura. É preciso culturalizar a democracia. Se não tiver a cultura democrática permanente vai haver, vez ou outra, uma tentativa de, tempestuosamente, se cercear esses direitos”, falou.

“É preciso que, na cultura democrática, todo mundo seja capaz de exercer seus direitos a tal ponto que se sedimenta o que chamamos em direito de ‘sentimento constitucional democrático’. Ou seja, quando a sociedade acredita nisso, ela é a própria barreira contra essas investidas autoritárias que se sucedem e que, nos tempos atuais, são desafios permanentes no Brasil e em outros lugares do mundo. É contra isso que a cultura precisa ser consolidada e reinventada, no sentido de não permitir que essas investidas deem certo”, acrescentou a ministra.

* A repórter viajou a convite do Itaú Cultural