Cantora palestina conta trajetória como refugiada no Brasil
O conflito no Oriente Médio é acompanhado por todo o mundo, mas de forma ainda mais intensa pelos refugiados e descendentes palestinos. Estima-se que 60 mil imigrantes e refugiados palestinos, incluindo os descendentes, vivem no Brasil, sendo a maioria em São Paulo, de acordo com levantamento da Federação Árabe-Palestina do Brasil (Fepal).
Entre eles, a cantora Oula Al-Saghir, cuja família saiu da Palestina em 1948, por causa dos conflitos na região, e foi se refugiar na Síria. Por isso, apesar de ter nascido na Síria, ela tem nacionalidade palestina.
“Lá, a gente não pega a nacionalidade de onde a gente nasce, como aqui no Brasil, a gente fica com nacionalidade do sangue de origem. Por isso, vivi toda a vida na Síria como refugiada palestina.”
Após uma temporada no Egito, ela veio para o Brasil em 2015, em busca de um lugar seguro e que aceitasse a documentação da família. “Com o passaporte palestino, são poucos os países que deixam entrar. Então, não procuramos para onde gostaríamos de ir, mas sim qual o país que aceitava a nossa documentação, e o Brasil estava com as portas abertas naquela época para os sírios.”
Os irmãos, que moravam na Malásia e na Turquia, e a mãe, que estava na Palestina, também vieram para o Brasil.
Guerra
Nos últimos meses, Oula assiste com apreensão às notícias do conflito entre Israel e o grupo Hamas, na Faixa de Gaza. Apesar de não ter mais familiares em Gaza, ela sente a impotência de não poder ajudar seu povo.
“A situação está muito difícil. Não dá para fazer nada para ajudar, só ver as notícias da TV, contando as pessoas que estão morrendo todo dia. “Isso me deixa com muita raiva, ver os números aumentando todo o dia, e não são números, são vidas, são sonhos. Há alguns dias estavam dormindo na cama deles, na escola deles. Hoje não tem nem mais escola, nem professores, nem água, energia nem nada”, lamenta Oula.
Ela também critica a falta de apoio internacional ao povo palestino. “Estão bombardeando todo dia, toda noite, toda hora. Estão perdendo tudo e não têm nenhum apoio no mundo.”
Música
Na busca por um lugar em São Paulo onde pudesse ouvir música árabe e matar a saudade de casa, Oula foi desafiada pelo dono do centro cultural onde fazia aula de português, que falou: “por que você mesma não começa?”. A partir daí, começou a organizar e participar de eventos como cantora de música árabe.
Para ela, a vida artística é uma oportunidade para corrigir a imagem da mulher árabe no Brasil. “Foi uma oportunidade de apresentar um exemplo do que existe sobre mulheres árabes, que podem trabalhar com o que quiserem, podem ser artistas, cantar, atuar, desenhar, viajar, estudar, podem escolher. Não é aquela imagem comum que a maioria conhece sobre as mulheres árabes, que estão presas em casa controladas pelos pais e maridos”, explica.
Oula também considera que realizou o sonho do pai, que também era músico, com quem começou a cantar com 4 anos de idade. “A paixão dele passou para mim, e era o sonho dele que eu fosse cantora profissional. Mas nos países árabes precisa de mais luta para a mulher conseguir um lugar e respeito para trabalhar nessa área.”
Após sair da Palestina por causa dos conflitos, o pai faleceu aos 70 anos devido a complicações por um tiro que recebeu durante a guerra da Síria
Orquestra
Atualmente, Oula integra a Orquestra Mundana Refugi, formada por músicos brasileiros, imigrantes e refugiados de diversas partes do mundo. Ela diz que foi a primeira participante do grupo, que começou em 2017.
Ela conta que a aceitação do público no Brasil é incrível. “Quando a gente faz o nosso repertório, eu sinto que estou viajando, imagino o público que está assistindo. Eles podem conhecer mais sobre nossos países, sobre as causas que levaram cada um a sair de seus países”.
A orquestra fez uma apresentação gratuita ma última quinta-feira (9), na Catedral Metropolitana de Brasília, na Esplanada dos Ministérios.