Seca faz incêndios em florestas maduras crescer 152% na Amazônia
Estudo publicado na revista científica Global Change Biology mostra que no ano passado houve uma queda de 16% no total de focos de incêndio na Amazônia, além de redução de 22% no desmatamento. Mas mesmo assim, o bioma vem enfrentando outro desafio: os incêndios em áreas de vegetação nativa ainda não afetadas pelo desmatamento. Os incêndios em áreas das chamadas “florestas maduras” cresceram 152% no ano passado, em comparação a 2022.
Ao destrinchar as imagens de satélite, os pesquisadores detectaram que os focos em áreas florestais subiram de 13.477 para 34.012 no período. A principal causa é a seca na Amazônia, cada vez mais frequente e intensa.
Além dos eventos prolongados registrados em 2010 e 2015-2016, que deixam a floresta mais inflamável e provocam a fragmentação da vegetação, o bioma passa por uma nova estiagem no biênio 2023-2024, o que agravou ainda mais a situação.
Tanto que o Programa Queimadas, do Instituto Nacional de Pesquisas Espaciais (Inpe), aponta que o total de focos de calor no primeiro trimestre de 2024 em toda a Amazônia foi o maior dos últimos oito anos – os 7.861 registros entre janeiro e março, representando mais de 50% das notificações no país (o Cerrado vem em seguida, com 25%). O mais alto número até então havia sido no primeiro trimestre de 2016 – 8.240 para o total do bioma.
“É importante entender onde os incêndios estão ocorrendo porque cada uma dessas áreas afetadas demanda uma resposta diferente. Quando analisamos os dados, vimos que as florestas maduras queimaram mais do que nos anos anteriores. Isso é particularmente preocupante não só pela perda de vegetação e desmatamento na sequência, mas também pela emissão do carbono estocado”, afirma o especialista em sensoriamento remoto Guilherme Augusto Verola Mataveli, da Divisão de Observação da Terra e Geoinformática do Inpe.
Perda de resiliência
Quando o fogo atinge florestas maduras, alertam os pesquisadores, a resiliência da floresta fica comprometida. Isso afeta, entre outras coisas, sua capacidade de criar um microclima úmido abaixo do dossel das árvores para conter e reciclar a umidade dentro do ecossistema.
Outro ponto destacado pelos cientistas é que a crescente inflamabilidade da floresta torna-se um desafio para os agricultores tradicionais. Eles normalmente usam o fogo controlado como forma de manejo de áreas de subsistência. Isso demanda incentivo a cadeias de produção para que sejam livres dessa prática.
Sudoeste do Amazonas
No ano passado, alguns pesquisadores do grupo responsável pelo estudo publicado na revista Global Change Biology já haviam identificado esse aumento de incêndios em “florestas maduras” localizado em uma fronteira emergente de desmatamento no sudoeste do Amazonas, na região de Boca do Acre, entre 2003 e 2019.
“Além da gravidade dos incêndios em áreas de florestas maduras atingirem, por exemplo, árvores mais antigas, com maior potencial de estoque de carbono, contribuindo para o aumento do impacto das mudanças climáticas, há o prejuízo para as populações locais. Manaus é um desses casos, que foi a segunda cidade com a pior qualidade do ar no mundo em outubro do ano passado”, afirma Mataveli.
Outros estados registraram situação semelhante, incluindo o Pará, onde a contagem de focos de calor em florestas maduras em 2023 foi de 13.804 – ante 4.217 casos em 2022.
Roraima
Uma das piores situações está configurada em Roraima, que concentra mais da metade dos registros de incêndio do bioma. Com a quinta maior população indígena do país – 97.320 pessoas –, o estado viu 14 dos seus 15 municípios decretarem emergência em março por causa do fogo.
A fumaça provocada pelas queimadas provocou a suspensão de aulas. A seca severa tem afetado comunidades indígenas, deixando-as sem acesso a alimentos e expostas a doenças respiratórias, entre outros impactos.
O Ibama/Prevfogo informa que tem atuado, desde novembro do ano passado, em conjunto com outras instituições nas ações de prevenção e no combate aos incêndios, atualmente concentrados em diferentes regiões de Roraima. Segundo o órgão, desde janeiro, são mais de 300 combatentes, além de quatro aeronaves que dão apoio ao trabalho.
Para amenizar o problema, o grupo de cientistas sugere o aumento de operações de comando e controle e a expansão de brigadas de incêndio, além do desenvolvimento constante de sistemas de monitoramento.
“Com o uso de inteligência artificial, podemos tentar desenvolver sistemas que, além de mostrar onde ocorreram os incêndios, façam uma predição dos locais com mais propensão de ocorrer e assim ter áreas mais específicas como foco de prevenção”, complementa Mataveli.
*Com informações da Agência Fapesp