EUA: política de imigração lota abrigos para menores sem documentação
A superlotação dos chamados centros de atendimento do governo a crianças é um dos efeitos da política de tolerância zero contra a imigração irregular do governo de Donald Trump. Menores separados dos pais imigrantes, detidos nos Estados Unidos (EUA) por tentar entrar ilegalmente no país, estão sendo levados para esses abrigos. Com o aumento de detenções, há também maior número de crianças nas instituições.
De acordo com a Secretaria de Saúde e Serviços Sociais (HHS, a sigla em inglês), desde abril foi registrado aumento de 22% no número de menores que se encontram nesses locais, à espera de decisões judiciais sobre o destino de pais presos por imigração ilegal.
Segundo levantamento divulgado pela HHS, existem aproximadamente 11.200 crianças imigrantes nesses abrigos. Em abril, eram 8.800. Entidades de defesa de direitos humanos denunciam que os centros estão trabalhando com 95% da capacidade. O maior desses abrigos está localizado em Chicago, mas há locais adaptados para acolher menores em 14 estados.
A separação de famílias por causa da política migratória mais rígida e a situação de crianças que aguardam as decisões têm preocupado organismos da sociedade civil que lutam pelos direitos dos imigrantes. A União Americana de Liberdades Civis questiona em tribunais o modelo de política migratória adotado na administração Trump.
Sem estrutura
O advogado brasileiro Alexandre Piquet, especializado em imigração e direito de família nos Estados Unidos, disse à Agência Brasil que o problema vivido hoje no país com relação às crianças imigrantes mostra que o governo não estava preparado para executar de maneira adequada suas próprias diretrizes.
Segundo ele, antes de Trump, uma família sem permissão de entrada no país, abordada na fronteira, era deportada diretamente, agora os adultos são encaminhados a prisões porque o governo decidiu fazer com que essas pessoas respondam a um processo criminal, onde há, na maioria dos casos, uma prisão.
A lei sempre existiu de acordo com o profissional de imigração, mas antes o texto não era aplicado com o atual rigor.
“O problema disso tudo é que essas famílias entram normalmente com menores de idade e, nesse processo, as crianças são separadas dos pais com a justificativa de que os filhos não podem pagar pelos crimes", afirmou Piquet. “Assim, as crianças separadas dos pais são enviadas a esses abrigos e, em tese, deveriam ficar no máximo 72 horas nesses locais”.
Piquet explicou que com os pais presos e o trabalho de diferentes agências envolvidas (Imigração, HHS e a própria Justiça), muitas vezes os prazos não são cumpridos e o governo tem buscado outros abrigos temporários.
“As crianças ficam sob a responsabilidade da HHS. Obviamente, com o aumento do número de prisões não há uma estrutura adequada para elas”, destacou o brasileiro, que é membro da Associação Americana de Advogados de Imigração (Aila, a sigla em inglês).
ONU
O Alto Comissariado das Nações Unidas para os Direitos Humanos (Acnudh) condenou, na semana passada, a separação de crianças dos pais. A agência da ONU recomendou que as crianças sejam protegidas e afirmou que os Estados Unidos devem parar imediatamente com a separação de famílias.
Segundo a Acnudh, a medida é uma violação séria dos direitos dos menores. Em entrevista coletiva na semana passada, a porta-voz da agência, Ravina Shamdasani, lembrou que o governo dos EUA é o único no mundo que não ratificou a Convenção sobre os Direitos da Criança.
Brasileira presa
O caso da brasileira Jocelyn (sobrenome não divulgado a pedido da imigrante) foi destaque em vários canais de TV e na internet, nos Estados Unidos, no começo deste mês. Ela e o filho de 14 anos foram detidos na fronteira entre o México e os EUA em novembro do ano passado. Jocelyn afirmou que tentava atravessar a fronteira para pedir asilo e fugir do marido violento.
Depois de ser presa, a brasileira ficou oito meses separada do filho adolescente. Chegou a ser ser detida em uma prisão federal. O garoto foi levado a um abrigo para menores. Os dois só se reencontraram depois da ajuda de uma organização não governamental americana que atua em defesa dos direitos civis.
O advogado Alexandre Piquet afirmou que o caso de Jocelyn acabou chamando a atenção da imprensa, o que também fez com o que ganhasse repercussão internacional e a atenção de defensores de direitos civis e da própria ONU.
“O caso de Jocelyn foi uma situação extrema. Ficou oito meses no centro de detenção em Chicago, eles podiam se falar uma vez por semana e ele estava em condições que não eram ideais”, comentou.
Piquet, que também é especializado em direito de família nos Estados Unidos, informou que a brasileira está sendo apoiada e que entrou com uma ação contra o governo, por negligência, separação de família e pela infração de direitos constitucionais”.
O advogado lembrou que também há um movimento no Congresso americano - 75 democratas já enviaram carta ao governo ameaçando entrar com uma ação para que sejam criados abrigos temporários mais adequados.