Missão da OEA defende segundo turno presidencial na Bolívia
O diretor do Departamento de Cooperação e Observação Eleitoral da Organização dos Estados Americanos (OEA), Gerardo de Icaza, apresentou relatório da missão da entidade de acompanhamento das eleições bolivianas apontando problemas e defendendo a realização de um segundo turno. A proposta dividiu o Conselho da Organização, com delegações questionando o pleito boliviano e outras criticando a interferência da missão no processo daquele país. A representação boliviana descartou irregularidades.
As eleições gerais bolivianas ocorreram no domingo (20). O presidente Evo Morales disputa a recondução ao 4º mandato, tendo como principal opositor Carlos Mesa. Para vencer no primeiro turno, um candidato deve ter mais de 40% os votos, com diferença de mais de 10% do segundo colocado. Após o encerramento a votação, teve início o que é chamado no país de “contagem rápida”, por meio da transmissão de dados ao Tribunal Supremo Eleitoral.
A transmissão foi interrompida na noite domingo, quando Morales vencia por uma margem um pouco menor do que os 10% necessários para a vitória no primeiro turno. A contagem foi retomada no fim da segunda-feira. Considerando votos do exterior, Morales ganharia por uma pequena margem. A suspensão gerou a saída de integrantes do TSE.
Diante do quadro, opositores ao atual presidente promoveram atos contra sedes do Órgão Eleitoral Plurinacional (OEP). Segundo a autoridade, devido às manifestações violentas, atividades nos tribunais regionais em seis estados: Santa Cruz, Potosí, Chuquisaca, Beni, Tarija e La Paz, foram suspensas.
A totalização dos resultados, assim, permanecia no início do dia de hoje (23) inconclusa, após contabilizar 97,3% das atas eleitorais. O presidente concorrendo à reeleição, Evo Morales, possuía 46,22%, enquanto o desafiante Carlos Mesa havia chegado a 37,2%. Em terceiro lugar, Chi Hyun Chung chegou a 8,7%.
Explicações
A sessão do Conselho da OEA desta quarta-feira foi convocada pelas delegações do Brasil, da Venezuela, da Costa Rica e dos Estados Unidos. O governo da Bolívia solicitou a apresentação de explicações juntamente ao colegiado, o que foi agendado para amanhã (24). A administração boliviana também aceitou a realização de uma auditoria da organização sobre o pleito.
Em seu relatório, Gerardo de Icaza elencou problemas, como a falta de segurança no armazenamento de algumas urnas e questionou a interrupção da contagem pelo Tribunal Eleitoral, alegando que esta autoridade haveria perdido credibilidade no país. Icaza defendeu que mesmo se cumpridos os quesitos para a vitória, as autoridades eleitorais deveriam convocar um segundo turno.
“Com 96,78% das atas computadas, marca uma diferença de 9,48% entre os mais votados. Se mantida significaria um segundo turno. Em caso de que concluído o cômputo a margem de diferença for superior a 10% estatisticamente é razoável concluir que será por percentual ínfimo. Devido ao contexto e os problemas evidenciados no processo eleitoral, continua sendo uma melhor opção convocar um segundo turno”.
Bolívia
O embaixador da Bolívia na OEA, José González, trouxe explicações sobre o quadro. A Justiça Eleitoral do país tem dois processos que ocorrem de forma paralela. Um deles é o da transmissão de resultados preliminares (Trep, na sigla utilizada no país). O outro é a contagem oficial. A transmissão, continuou, não consiste na contagem final e é um mecanismo não oficial. Ele traz informações preliminares de cerca de 70% a 80% dos resultados. Uma vez finalizada a votação, é tirada uma foto da ata. Esta é transmitida a um centro, que faz a somatória.
Segundo o embaixador boliviano, não é possível ter os 100% da apuração no dia da eleição porque há eleitores em áreas rurais sem internet. Ele acrescentou que essa dinâmica havia sido anunciada antes. “Quero constar que quatro dias antes das eleições, o Tribunal Supremo Eleitoral fez uma conferência de imprensa na qual explicou amplamente justamente os detalhes da transmissão preliminar. E afirmou que iria fazer a contagem de 80% dos votos”, disse.
No domingo, os resultados preliminares foram apresentados com 83% dos votos. Em seguida, começaria a leitura pública das atas. Por isso, foi tomada a decisão de que o processo não continuaria no sistema de transmissão rápido. Sobre a renúncia de um dos integrantes do TSE, justificou que a decisão teria se dado pelo fato do magistrado não ter sido consultado.
González concluiu informando que a contagem continua e que o governo aceitou auditorias, inclusive da OEA, a recontagem das atas restantes e condenou os atos de violência contra as sedes da Justiça Eleitoral.
Apoios
A posição da missão da OEA recebeu apoios. A representação brasileira manifestou preocupação com o “quadro de questionamentos e incertezas que levanta dúvidas sobre a credibilidade e transparência do processo eleitoral na Bolívia”. O embaixador do Brasil na OEA, Fernando Simas Magalhães, disse esperar que o processo de apuração seja retomado respeitando a legislação nacional e concluído com transparência e lisura.
“Lamentamos episódios de violência, depredações públicas e privadas. Esperamos que decisões se orientem pelo respeito ao Estado de Direito e visem a paz. Fazemos apelos às autoridades eleitorais para que dúvidas e inconsistências sejam sanadas e não se repitam em um segundo turno das eleições”, disse. A posição foi expressada também pelo Itamaraty e pelo chanceler Ernesto Araújo por meio das redes sociais. O ministério disse concordar com a proposta do secretário-geral, Luis Almagro, de uma auditoria da eleição.
O Brasil apoia o relatório preliminar da @OEA_oficial, que aponta a existência de sérios problemas na eleição presidencial na Bolívia e indica a necessidade de um segundo turno para assegurar o pleno respeito à escolha popular e democrática.
— Itamaraty Brasil🇧🇷 (@ItamaratyGovBr) October 23, 2019
O representante dos Estados Unidos, Carlos Trujillo, argumentou que as autoridades eleitorais deveriam restaurar sua credibilidade e transparência ao processo. “Por que o governo interrompeu a divulgação de resultados? Porque ficou claro que não ganharia no primeiro turno. O governo alega problemas no sistema. Por que ele funcionou em outras eleições e não nesta? Por que funcionou para 80% dos resultados para autoridades fecharem a contagem por 24 horas. Deveria haver um segundo turno”, opinou.
O embaixador do Canadá, Hugh Adsett, foi em sentido semelhante. “O Canadá está preocupado com relatos de irregularidades, particularmente mudanças inexplicáveis e inconsistências envolvendo a contagem. A credibilidade vem da percepção de transparência e capacidade do Tribunal Superior. O Canadá pede que todas as partes tenham paciência até que a contagem oficial termine”, disse.
Críticas
Outros países criticaram. Os representantes da Nicarágua leram um comunicado do seu governo no qual rechaçaram a convocação da sessão, que não conta com a anuência do governo da Bolívia. Segundo o texto, há um grupo de países da OEA que insiste em intervir nos assuntos internos de outros Estados, violando a carta da OEA e de direitos internacionais, tentando impor suas agendas sobre outras nações soberanas.
“Fazemos chamado que se espere a informação final do Tribunal Supremo Eleitoral e se respeite a soberania e institucionalidade do Estado Plurinacional da Bolívia”, diz a nota.
A delegação de Barbados ponderou que seria mais equilibrada a realização de uma sessão em que todas as informações pudessem ser apresentadas, tanto da missão da OEA quanto do governo boliviano. A representação alertou para o risco de atitudes da organização sobre o processo eleitoral boliviano serem entendidas como “intervencionistas”.
A embaixadora do México, Luz Elena Rivas, alertou para o risco de instrumentalização política de uma ferramenta técnica da organização que deve ser usada para melhorar os processos democráticos respeitando o princípio de não intervenção nos assuntos internos dos países.
“Informe se dá apesar do pedido de escutar o chanceler de Bolívia sobre este mesmo tema. O trabalho das missões é de natureza técnica, e não vinculante segundo a carta democrática interamericana. Brinda assessoramento ou assistência, não dita eleições”, disse.
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