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Internacional

Missão da OEA defende segundo turno presidencial na Bolívia 

Suspensão na apuração levou a protestos; resultado ainda não saiu
Jonas Valente - Repórter da Agência Brasil
Publicado em 23/10/2019 - 22:53
Brasília
Eleições presidenciais na Bolívia
© Reuters/Ueslei Marcelino//Direitos Reservados

O diretor do Departamento de Cooperação e Observação Eleitoral da Organização dos Estados Americanos (OEA), Gerardo de Icaza, apresentou relatório da missão da entidade de acompanhamento das eleições bolivianas apontando problemas e defendendo a realização de um segundo turno. A proposta dividiu o Conselho da Organização, com delegações questionando o pleito boliviano e outras criticando a interferência da missão no processo daquele país. A representação boliviana descartou irregularidades.

As eleições gerais bolivianas ocorreram no domingo (20). O presidente Evo Morales disputa a recondução ao 4º mandato, tendo como principal opositor Carlos Mesa. Para vencer no primeiro turno, um candidato deve ter mais de 40% os votos, com diferença de mais de 10% do segundo colocado. Após o encerramento a votação, teve início o que é chamado no país de “contagem rápida”, por meio da transmissão de dados ao Tribunal Supremo Eleitoral.

A transmissão foi interrompida na noite domingo, quando Morales vencia por uma margem um pouco menor do que os 10% necessários para a vitória no primeiro turno. A contagem foi retomada no fim da segunda-feira. Considerando votos do exterior, Morales ganharia por uma pequena margem. A suspensão gerou a saída de integrantes do TSE.

Diante do quadro, opositores ao atual presidente promoveram atos contra sedes do Órgão Eleitoral Plurinacional (OEP).  Segundo a autoridade, devido às manifestações violentas, atividades nos tribunais regionais em seis estados: Santa Cruz, Potosí, Chuquisaca, Beni, Tarija e La Paz, foram suspensas. 

A totalização dos resultados, assim, permanecia no início do dia de hoje (23) inconclusa, após contabilizar 97,3% das atas eleitorais. O presidente concorrendo à reeleição, Evo Morales, possuía 46,22%, enquanto o desafiante Carlos Mesa havia chegado a 37,2%. Em terceiro lugar, Chi Hyun Chung chegou a 8,7%.

Explicações

A sessão do Conselho da OEA desta quarta-feira foi convocada pelas delegações do Brasil, da Venezuela, da Costa Rica e dos Estados Unidos. O governo da Bolívia solicitou a apresentação de explicações juntamente ao colegiado, o que foi agendado para amanhã (24). A administração boliviana também aceitou a realização de uma auditoria da organização sobre o pleito.

Em seu relatório, Gerardo de Icaza elencou problemas, como a falta de segurança no armazenamento de algumas urnas e questionou a interrupção da contagem pelo Tribunal Eleitoral, alegando que esta autoridade haveria perdido credibilidade no país. Icaza defendeu que mesmo se cumpridos os quesitos para a vitória, as autoridades eleitorais deveriam convocar um segundo turno.

“Com 96,78% das atas computadas, marca uma diferença de 9,48% entre os mais votados. Se mantida significaria um segundo turno. Em caso de que concluído o cômputo a margem de diferença for superior a 10% estatisticamente é razoável concluir que será por percentual ínfimo. Devido ao contexto e os problemas evidenciados no processo eleitoral, continua sendo uma melhor opção convocar um segundo turno”.

Centro de votação em Paracti, Cochabamba, Bolívia
Centro de votação de Santa Cruz, na Bolívia, após protestos contra a apuração das eleições - Reuters/Ueslei Marcelino//Direitos Reservados

Bolívia

O embaixador da Bolívia na OEA, José González, trouxe explicações sobre o quadro. A Justiça Eleitoral do país tem dois processos que ocorrem de forma paralela. Um deles é o da transmissão de resultados preliminares (Trep, na sigla utilizada no país). O outro é a contagem oficial. A transmissão, continuou, não consiste na contagem final e é um mecanismo não oficial. Ele traz informações preliminares de cerca de 70% a 80% dos resultados. Uma vez finalizada a votação, é tirada uma foto da ata. Esta é transmitida a um centro, que faz a somatória.

Segundo o embaixador boliviano, não é possível ter os 100% da apuração no dia da eleição porque há eleitores em áreas rurais sem internet. Ele acrescentou que essa dinâmica havia sido anunciada antes. “Quero constar que quatro dias antes das eleições, o Tribunal Supremo Eleitoral fez uma conferência de imprensa na qual explicou amplamente justamente os detalhes da transmissão preliminar. E afirmou que iria fazer a contagem de 80% dos votos”, disse.

No domingo, os resultados preliminares foram apresentados com 83% dos votos. Em seguida, começaria a leitura pública das atas. Por isso, foi tomada a decisão de que o processo não continuaria no sistema de transmissão rápido. Sobre a renúncia de um dos integrantes do TSE, justificou que a decisão teria se dado pelo fato do magistrado não ter sido consultado.

González concluiu informando que a contagem continua e que o governo aceitou auditorias, inclusive da OEA, a recontagem das atas restantes e  condenou os atos de violência contra as sedes da Justiça Eleitoral.

Foto divulgada pela Agência Boliviana de Informação mostra o presidente boliviano Evo Morales votando em uma seção eleitora em Cochabamba, na Bolivia
Foto divulgada pela Agência Boliviana de Informação mostra o presidente boliviano Evo Morales votando em uma seção eleitora em Cochabamba, na Bolivia - ABI/Divulgação/direitos reservados

Apoios

A posição da missão da OEA recebeu apoios. A representação brasileira manifestou preocupação com o “quadro de questionamentos e incertezas que levanta dúvidas sobre a credibilidade e transparência do processo eleitoral na Bolívia”. O embaixador do Brasil na OEA, Fernando Simas Magalhães, disse esperar que o processo de apuração seja retomado respeitando a legislação nacional e concluído com transparência e lisura.

“Lamentamos episódios de violência, depredações públicas e privadas. Esperamos que decisões se orientem pelo respeito ao Estado de Direito e visem a paz. Fazemos apelos às autoridades eleitorais para que dúvidas e inconsistências sejam sanadas e não se repitam em um segundo turno das eleições”, disse. A posição foi expressada também pelo Itamaraty e pelo chanceler Ernesto Araújo por meio das redes sociais. O ministério disse concordar com a proposta do secretário-geral, Luis Almagro, de uma auditoria da eleição.

O representante dos Estados Unidos, Carlos Trujillo, argumentou que as autoridades eleitorais deveriam restaurar sua credibilidade e transparência ao processo. “Por que o governo interrompeu a divulgação de resultados? Porque ficou claro que não ganharia no primeiro turno. O governo alega problemas no sistema. Por que ele funcionou em outras eleições e não nesta? Por que funcionou para 80% dos resultados para autoridades fecharem a contagem por 24 horas. Deveria haver um segundo turno”, opinou.

O embaixador do Canadá, Hugh Adsett, foi em sentido semelhante. “O Canadá está preocupado com relatos de irregularidades, particularmente mudanças inexplicáveis e inconsistências envolvendo a contagem. A credibilidade vem da percepção de transparência e capacidade do Tribunal Superior. O Canadá pede que todas as partes tenham paciência até que a contagem oficial termine”, disse.

Críticas

Outros países criticaram. Os representantes da Nicarágua leram um comunicado do seu governo no qual rechaçaram a convocação da sessão, que não conta com a anuência do governo da Bolívia. Segundo o texto, há um grupo de países da OEA que insiste em intervir nos assuntos internos de outros Estados, violando a carta da OEA e de direitos internacionais, tentando impor suas agendas sobre outras nações soberanas. 

“Fazemos chamado que se espere a informação final do Tribunal Supremo Eleitoral e se respeite a soberania e institucionalidade do Estado Plurinacional da Bolívia”, diz a nota.

A delegação de Barbados ponderou que seria mais equilibrada a realização de uma sessão em que todas as informações pudessem ser apresentadas, tanto da missão da OEA quanto do governo boliviano. A representação alertou para o risco de atitudes da organização sobre o processo eleitoral boliviano serem entendidas como “intervencionistas”.

A embaixadora do México, Luz Elena Rivas, alertou para o risco de instrumentalização política de uma ferramenta técnica da organização que deve ser usada para melhorar os processos democráticos respeitando o princípio de não intervenção nos assuntos internos dos países.

“Informe se dá apesar do pedido de escutar o chanceler de Bolívia sobre este mesmo tema. O trabalho das missões é de natureza técnica, e não vinculante segundo a carta democrática interamericana. Brinda assessoramento ou assistência, não dita eleições”, disse.

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