Militares anunciam golpe no Gabão e prendem presidente reeleito
Oficiais das Forças Armadas do Gabão, país africano produtor de petróleo, disseram ter tomado o poder nesta quarta-feira (30) e colocado o presidente Ali Bongo em prisão domiciliar, depois que o órgão eleitoral do país localizado na África Central anunciou que ele havia conquistado um terceiro mandato.
Em um anúncio feito durante a noite pela televisão, oficiais graduados declararam que os resultados das eleições foram anulados, as fronteiras foram fechadas e as instituições estatais foram dissolvidas. Eles disseram que representavam todas as forças de segurança e de defesa do Gabão.
Centenas de pessoas saíram às ruas da capital Libreville para comemorar na manhã seguinte ao anúncio feito durante a noite, que parecia ter sido filmado do palácio presidencial, conforme as imagens da televisão.
Em outra declaração lida em rede nacional de televisão, os oficiais militares disseram que haviam detido Bongo, que assumiu em 2009 o lugar de seu pai, Omar, que governava o Gabão desde 1967. Os opositores dizem que a família fez pouco para compartilhar a riqueza do petróleo e da mineração do país com seus 2,3 milhões de habitantes.
Se bem-sucedido, o golpe seria o oitavo na África Ocidental e Central desde 2020. O último, no Níger, ocorreu em julho. Oficiais militares também tomaram o poder em Mali, Guiné, Burkina Faso e Chade, apagando as conquistas democráticas desde a década de 1990.
Crise institucional
Os oficiais, que se autodenominam Comitê de Transição e Restauração das Instituições, disseram que o Gabão estava "passando por uma grave crise institucional, política, econômica e social" e afirmaram que a eleição de 26 de agosto não foi transparente ou confiável.
Tiros foram ouvidos em Libreville após a declaração que anunciava a destituição de Bongo, mas as ruas estavam calmas antes do início das comemorações. Mais tarde, policiais se espalharam para proteger os principais cruzamentos da cidade.
Não houve nenhum comentário imediato do governo do Gabão.
Bongo, 64 anos, foi visto pela última vez em público votando no sábado (26). Ele havia aparecido em público antes da eleição com uma aparência mais saudável do que nas raras e frágeis aparições anteriores na televisão após ter sofrido um derrame em 2019.
Repercussão internacional
A primeira-ministra da França, Elisabeth Borne, disse que seu país, ex-governante colonial do Gabão, estava acompanhando a situação de perto.
O golpe cria mais incertezas para a presença da França na região. O país tem cerca de 350 soldados baseados no Gabão. As forças francesas foram expulsas do Mali e de Burkina Faso após golpes de Estado nesses países, em meio a uma onda de sentimento antifrancês, e os líderes golpistas do Níger também revogaram acordos militares com a França.
O Ministério das Relações Exteriores da China pediu que a situação no Gabão fosse resolvida pacificamente e disse que a segurança pessoal de Bongo, que visitou a China em abril, deve ser garantida.
O Ministério das Relações Exteriores da Rússia também disse que estava preocupado com a situação e esperava que a situação se estabilizasse.
Região restrita
O Níger e outros países do Sahel (faixa latitudinal do continente africano entre o deserto do Saara e a região equatorial) têm lutado contra insurgências islâmicas que corroeram a fé em governos democráticos. O Gabão, que fica mais ao sul, na costa do Atlântico, não enfrentou os mesmos desafios, mas um golpe seria mais um sinal do retrocesso democrático em uma região volátil.
O descontentamento contra o controle de 56 anos da família Bongo no poder vinha crescendo no Gabão, membro da Organização dos Países Exportadores de Petróleo (Opep). A agitação violenta eclodiu após a contestada vitória de Bongo nas eleições de 2016 e houve uma tentativa frustrada de golpe em 2019, meses depois que o presidente sofreu um derrame no exterior, levantando dúvidas sobre sua capacidade de governar.
"Achamos que os soldados vão querer se agarrar ao poder e estabelecer um diálogo nacional de algum tipo para elaborar uma nova Constituição, enquanto tiram os leais [a Bongo] da burocracia", escreveu François Conradie, principal economista político da Oxford Economics, em uma nota.
Os críticos de Bongo dizem que a família não conseguiu canalizar o petróleo e outras riquezas do Gabão para o desenvolvimento, enquanto cerca de um terço da população vive na pobreza.
O Gabão produz cerca de 200 mil barris de petróleo por dia, principalmente de campos que estão se esgotando. Entre as empresas internacionais que atuam no país estão a francesa TotalEnergies e a produtora anglo-francesa Perenco.
A mineradora francesa Eramet, que tem grandes operações de manganês no Gabão, disse que havia interrompido suas atividades.
Havia temores de agitação após as eleições presidenciais, parlamentares e legislativas, nas quais Bongo buscou um terceiro mandato contra 18 adversários.
Sua equipe rejeitou as alegações de fraude.
No entanto, a falta de observadores internacionais, a suspensão de algumas transmissões estrangeiras e a decisão das autoridades de cortar o serviço de internet e impor um toque de recolher noturno em todo o país após a votação levantaram preocupações sobre a transparência do pleito.
Os oficiais disseram que as instituições estatais que haviam dissolvido incluíam o governo, o Senado, a Assembleia Nacional, o Tribunal Constitucional e o órgão eleitoral.
Após o anúncio dos militares, o acesso à internet parece ter sido restaurado pela primeira vez desde a eleição de sábado.
O Centro Eleitoral do Gabão havia dito na quarta-feira que Bongo havia vencido a eleição com 64,27% dos votos e que seu principal adversário, Albert Ondo Ossa, havia garantido 30,77%.
*Reportagem adicional de Alessandra Prentice, Sofia Christensen, Sudip Kar-Gupta e Liz Lee
É proibida a reprodução deste conteúdo