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Política

Volkswagen admite que dentro da empresa havia colaboradores da ditadura

Camila Maciel – Repórter da Agência Brasil
Publicado em 14/12/2017 - 16:30
São Paulo
São Bernardo do Campo (SP) - O  historiador Christopher Kopper fala sobre relatório que aborda atuação da Volkswagen durante a ditadura militar brasileira (Rovena Rosa/Agência Brasil)
© Rovena Rosa/Agência Brasil
São Bernardo do Campo (SP) - O historiador Christopher Kopper fala sobre relatório que aborda atuação da Volkswagen durante a ditadura militar brasileira (Rovena Rosa/Agência Brasil)

Christopher Kopper, autor do relatório sobre a relação da Volkswagem com a ditaduraRovena Rosa/Agência Brasil

O presidente da Volkswagen Região América do Sul e Brasil, Pablo Di Si, admitiu hoje (14) que havia pessoas, dentro da empresa, que colaboravam com o regime militar (1964-1985). “Nós reconhecemos o que aconteceu na ditadura militar e que foram anos difíceis", disse Di Si, em evento no qual foi divulgado o resultado da investigação interna que apurou a relação da empresa com a ditadura. Di Si ressaltou que a colaboração não era institucionalizada, pois se dava pela ação de funcionários.

O evento não contou, contudo, com a presença de ex-funcionários da empresa reconhecidos como vítimas, que fizeram um protesto em frente à sede da empresa, em São Bernardo do Campo (SP).

O relatório foi antecipado pela Agência Brasil nesta quarta-feira (13), mostrando as principais conclusões do historiador Christopher Kooper, da Universidade de Bielefeld, na Alemanha, contratado pela matriz da Volkswagen para elaborar o estudo. Di Si disse que a empresa não tem planos para indenizar individualmente os trabalhadores perseguidos e que trabalha com o apoio a organizações sociais. Ele informou que o relatório foi entregue ao Ministério Público Federal (MPF), onde um inquérito investiga violação aos direitos humanos praticadas pela montadora.

Durante o evento, a Volkswagen inaugurou uma placa “em memória a todas vítimas da ditadura militar no Brasil” e anunciou o apoio à instituição Centro Cultural Afro-Brasileiro Francisco Solano Trindade, que funciona em São Bernardo. O presidente regional da empresa não informou o valor destinado à instituição. Questionado sobre o fato de a placa não citar os trabalhadores perseguidos na fábrica, Di Si disse que se trata de uma placa alinhada aos valores da empresa. “O que aconteceu aqui aconteceu em todas as empresas. Era um processo sistematizado do regime militar”, afirmou.

O presidente do Sindicato dos Metalúrgicos do ABC, Wagner Santana, falou sobre a necessidade de reparação aos trabalhadores. “[Eles] precisam ter sua vida reparada, diante da violência que sofreram, não só por esta empresa, mas por todas as outras que tiveram esse papel”, afirmou Santana durante a solenidade.

Ele elogiou a posição da Volkswagen por elaborar estudos sobre o papel da montadora na questão das  violações de direitos humanos durante a ditadura. “É um período que não gostaríamos de ter vivido, mas que não se deve apagar da nossa história para que nunca mais aconteça”, declarou.

Estudo

O historiador Christopher Kooper diz, no relatório, que não encontrou prova documental confirmando acordos institucionais sobre a disponibilidade de informação do Setor de Segurança Industrial da empresa para o governo militar. “Não encontrei provas de que a diretoria tenha dado nenhuma ordem para que o Departamento de Segurança Industrial, mas sabemos também que foram destruídos muitos documentos dessa época. Eu acho que a diretoria de Recursos Humanos tinha conhecimento do que estava acontecendo”, disse, em entrevista coletiva após o evento.

Segundo o estudo, tal relação se daria pela colaboração individual do então chefe de Departamento de Segurança Industrial, Ademar Rudge, que “agia por iniciativa própria, mas com o conhecimento tácito da diretoria”. Conforme o documento, essa colaboração ocorreu de 1969 a 1979. Pela avaliação de Christopher Kooper, Rudge “sentia-se particularmente comprometido com os órgãos de segurança”, por ter sido oficial das Forças Armadas.

Posição dos trabalhadores

Durante toda a manhã desta quinta-feira, ex-funcionários da Volkswagen reconhecidos como vítimas no processo do MPF estiveram na frente da empresa com panfletos em que explicavam aos demais trabalhadores por que se recusaram a participar do evento. “A empresa está com uma atitude extremamente unilateral, não nos consulta, não quer conversa oficial. Então, não podemos servir de boi de piranha para ninguém”, disse Lúcio Bellentani, que chegou a ser preso dentro da sede da empresa.

Em depoimento na Comissão Nacional da Verdade (CNV), Bellentani revelou que as práticas de tortura tiveram início dentro da própria unidade. Ele disse que discorda da proposição da empresa de apoiar projetos sociais como medida de reparação, sem que isso seja negociado junto com os trabalhadores e o MPF.

“Como ela [Volkswagen] vai financiar? Nós não somos parte desse trabalho? Por que não fomos consultados? Seria mais justo, mais correto. Tudo bem designar verba para entidades que fazem trabalho social, mas vamos conversar e fazer de forma conjunta?”, questionou Bellentani. Para ele, a ação deve estar comprometida com a perspectiva de memória, justiça e verdade, fazendo com que o papel da Volkswagen na ditadura público seja reparado por meio de ações educativas.

Inquérito

O relatório, contratado pela matriz da Volkswagen na Alemanha, foi produzido após instauração de inquérito civil pelo Ministério Público Federal para apurar a responsabilidade da montadora em “graves violações de direitos humanos”. A investigação foi iniciada após representação assinada pelas centrais sindicais brasileiras, sindicatos e ex-trabalhadores da empresa, em setembro de 2015. O pedido foi feito com base nas conclusões da Comissão Nacional da Verdade, que apontam a colaboração da empresa com a repressão, além de discriminar trabalhadores com atuação sindical.

Entre as condutas da empresa investigadas estão, por exemplo, permitir a prisão de funcionários no interior de suas unidades; perseguir trabalhadores por atuação política e sindical, criando “listas negras” para impedir contratação desses profissionais; produzir informações para encaminhamento aos órgãos de repressão; colaborar financeiramente com o regime e permitir práticas de tortura na sede da montadora.