Memória e Verdade #5: o legado da ditadura e transição incompleta
Ao longo da primeira semana de abril, a série Memória e Verdade: 60 anos do Golpe, do Radiojornalismo da EBC, buscou retratar o que levou o Brasil ao golpe em 1964 e a herança do regime dos militares no país.
Neste último episódio, pesquisadores, professores e ex-presos políticos ajudam a repensar o período de transição da ditadura para a democracia.
Questionados sobre as lições que tiramos com o fim do regime de exceção, nossos entrevistados afirmam que a transição democrática continua incompleta no Brasil.
O golpe militar, que completou 60 anos nesta segunda-feira (1/4), contou com o apoio de empresários, políticos, da imprensa e até dos Estados Unidos.
No player acima, é possível ouvir, baixar e compartilhar o episódio #5. Para conferir a relação dos outros capítulos sem sair desta página, clique aqui.
Memória e Justiça
Traídor da Constituição é traidor da Pátria. Conhecemos o caminho maldito. Rasgar a Constituição, trancar as portas do Parlamento, garrotear a liberdade, mandar os patriotas para a cadeia, o exílio e o cemitério...Promulgamos o Estatuto do Homem da Liberdade e da Democracia bradamos por imposição de sua honra. Temos ódio à ditadura. Ódio e nojo.
O discurso acima é do presidente da Assembleia Nacional Constituinte, Ulisses Guimarães, que aproveitou para repúdiar à ditadura durante a promulgação da nova constituição em 5 de outubro de 1988.
O jornalista e ex-preso político Franklin Martins reitera a importância desse constante repúdio e defende a investigação histórica como caminho para se aprender com o que se passou nesse período sombrio.
Conhecer o passado, estudar o passado, é fundamental para construir o presente e, principalmente, o futuro. Ninguém tem que ficar achando que conhecer o que aconteceu na ditadura, isso é remoer o passado. Isso é aprender com o passado. E não é só a esquerda aprender com o passado, são todos nós aprendermos com o passado. Osmilitares aprender com o passado, aprender que eles não podem querer tutelar a democracia.
Diferente de alguns países, como a Argentina, que puniram exemplarmente ditadores e torturadores, no Brasil ainda se espera justiça. É o que pontua a advogada Nadine Borges, que cobra uma atuação mais efetiva da justiça para assegurar os direitos humanos.
Para mim, uma das maiores lições que a gente tem em relação à ditadura é a permanência desse modelo omisso de atuação do Poder Judiciário no Brasil porque quando você tem uma comissão de Estado, como a gente teve, que foi a Comissão Nacional da Verdade, conseguiu algum grau de informação, nomear esses agentes públicos, a omissão ainda hoje do Judiciário, para mim, é um reflexo no nosso cotidiano da importância do Poder Judiciário nesse cenário de violações de direitos humanos.
Há ainda quem destaque a necessidade de reparação pelos crimes cometidos durante a ditadura militar, como o professor Juremir Machado da Silva.
O Brasil foi um dos poucos países a não fazer realmente uma acerto de contas com esse passado. A lei da amnistia foi passar a borracha num passado muito explosivo, beneficiando, principalmente, quem deu o golpe. Não puniu torturadores, não puniu ditadores, desde quando é que estava tudo zero a zero. O fato de não ter feito acerto de conta, julgar, mostrar a importância da democracia, fez com que algumas aventuras possam estar sempre prontas para retornar.
Já o enfrentamento à desinformação é lembrado pela historiadora Luciana Lombardo.
A gente precisa enfrentar um outro legado da ditadura, que é a disseminação de propaganda anti-comunista, anti-esquerda, de crise de informação que aparece a cada eleição. Tem esses mesmos medos que são mobilizados na sociedade a cada quatro anos de que as igrejas vão ser fechadas, os comunistas vão acabar com os valores da família. Toda essa ideia de ameaça que é reciclada a cada quatro anos no Brasil, ela precisa ser enfrentada como um discurso herdado da ditadura.
O sociólogo Marcelo Ridente afirma que falta a definição do papel das forças armadas na atual democracia.
Não foi feito um grande acerto de contas ou uma mudança profunda. A Constituição de 88 gerou muitos avanços sociais, mas tem aquele famoso utópico. Esses militares hoje muitas vezes recorrem a falar de que eles teriam o reconhecimento de que, uma vez, qualquer poder, ou judiciário, ou executivo, ou legislativo, podia poder chamá-los a intervir. Há uma certa divergência sobre o papel institucional do Nação Constitucional de 1988 e sobre isso.
Apurar os crimes da ditadura também foi a lição colocada pelo professor e ex-preso político Gilney Viana.
Eu acho que relembrar esses fatos é fortalecer a democracia no Brasil. Apurar os crimes da Ditadura é fortalecer a democracia no Brasil.Ter uma visão nova do papel dos seus amados é também, em relação de defesa da democracia, rever o seu passado arbitrário, dictatorial, é fortalecer a democracia. Ter rádios como a Nacional, jornais que divulgam isso, é fortalecer a democracia.
Por fim, o historiador Lucas Pedretti destaca que é preciso garantir a preservação da memória sobre as violações da ditadura.
A grande decisão que fica é que silenciar sobre isso não é o caminho para superar a repetição histórica, pelo contrário, porque o silêncio foi a opção da redemobilização e o que a gente viu foi a emergência de um processo absolutamente semelhante durante o bolsonarismo durante o 8 de janeiro, ou seja, a tentativa de uma solução autoritária,militar, anti-democrática, que atentava contra a soberania popular, para imposer todo o projeto político que era de combate a qualquer possibilidade de distribuição de renda, de ampliaçãodos direitos.
Confira todos os episódios da série
Jânio Quadros renuncia a presidência em agosto de 1961, abrindo uma crise na república. Militares tentam impedir a posse do vice-presidente, João Goulart. Uma manobra no Congresso cria o sistema parlamentarismo, derrotado por um plebiscito em 1963. O golpe estava em gestação. |
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Enquanto o ex-presidente João Goulart defendia reformas estruturais no país, militares planejavam o golpe de estado com apoio dos Estados Unidos. A ruptura foi efetivada com as tropas do general Olímpio Mourão chegando ao Rio de Janeiro em 1º de abril de 1964. |
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A tomada de poder pelos militares resultou em todo tipo de restrição civil e de violência. Políticos cassados, o Congresso fechado, novos ministros do STF indicados. Milhares de presos, torturados e mortos. Ditadores governam por atos institucionais autoritários. |
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Com os horrores da ditadura, a sociedade passa a exigir a volta da democracia. A esquerda se dividiu formando algumas organizações clandestinas que buscaram uma resistência armada. A democracia foi reconquistada apenas com a Constituição de 1988. Mesmo assim, a justiça nunca foi realizada. |
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Após 60 anos do golpe militar, a transição democrática continua incompleta no Brasil. Pesquisadores, professores, ativistas e ex-presos políticos falam sobre a lição da ditadura para a democracia atual brasileira. |
Por dentro da série
A série Memória e Verdade resgata diferentes momentos dos 60 anos de golpe de Estado no país.
Reportagem | Gésio Passos |
Sonoplastia | Jailton Sodré |
Edição do especial | Daniela Loguinho |
Edição Radioagência e implementação web | Leyberson Pedrosa |