Doutora em Geologia fala sobre o combate ao racismo na área da ciência
Neste mês de novembro a Radioagência Nacional traz histórias de cinco mulheres negras incríveis que contribuem para a pesquisa nacional nas mais diversas áreas de conhecimento e que ainda atuam na luta por Direitos Humanos e contra o racismo.
Hoje contamos a trajetória de Adriana Alves, professora da área de Geologia da Universidade de São Paulo, USP, há mais de 10 anos. Seu trabalho está focado na mineralogia e petrologia ígnea, que é um ramo da geologia que se dedica a entender como as rochas evoluem, desde a sua geração como magma vulcânico, até a sua solidificação como rocha. Sua pesquisa investiga a Província Magmática do Paraná e como ela influência nas mudanças climáticas:
"Essas províncias se formam mais ou menos em 1 milhão de anos. então as lavas trazem muitos gases: CO2, enxofre, cloro flúor e tudo isso é descarregado para atmosfera. Quando essas lavas chegam na superfície em quantidades muito grandes, para que o equilíbrio seja restabelecido, porque o tempo é muito curto, então o clima desanda completamente. Hoje, a gente credita três das cinco extinções em massa a atividade vulcânica. Então a pergunta nasce do porque que essa província apesar de ser tão grande, tão vasta, tão volumosa, não causou uma extinção em massa como a gente vê para as outras. Então passamos a discutir justamente os que são os desencadeadores da mudança climática que são os gases."
Em paralelo a trajetória de cientista, Adriana trilha um caminho de defesa dos Direitos Humanos e de combate ao racismo na ciência. Ela já foi coordenadora do Escritório USP Mulheres.
"Cheguei a ir para pró-reitoria recém-criada para a Reitoria de Inclusão e Pertencimento na Área de Diversidade. E o que eu vi era um trabalho imenso a ser feito com poucos recursos, uma equipe pequena, então o desafio era muito maior."
Esse período trouxe à tona algo que pode ser sutil, mas que pode ser também um empecilho para o desenvolvimento e avanço das mulheres, e das mulheres negras em especial, na carreira científica: o tempo de luta, de afirmação, pode tirar um tempo valioso da pesquisa.
Adriana, além de tudo, é mãe da Flora e da Serena. Ela se programou para a chegada das filhas, que já passaram muitos momentos no laboratório com a mãe cientista.
Mãe, cientista, professora, defensora dos direitos humanos... Adriana acredita na mudança. Tem visto na USP, que adotou o sistema de cotas raciais somente em 2017, uma pequena revolução. E se emociona com os alunos e alunas negros e negras que estão tem oportunidade de ocupar o espaço acadêmico.
Episódio 2 – Adriana Alves - Professores sonham alunos
BEATRIZ: Neste mês de novembro a Radioagência Nacional traz histórias de mulheres negras incríveis que contribuem para a pesquisa nacional nas mais diversas áreas de conhecimento. E ainda atuam na luta por Direitos Humanos e contra o racismo.
FRAN: Eu sou a Fran de Paula, jornalista negra e vamos falar aqui de mulheres potentes.
BEATRIZ: E eu sou Beatriz Arcoverde, também uma jornalista negra. Juntas, nós conversamos com cinco pesquisadoras que dão o tom nas suas áreas de atuação.
VINHETA: Ciência: Mulheres negras dão o tom 🎶
FRAN: No processo de pesquisa para esse podcast nos deparamos com um desafio: encontrar as mulheres negras que atuaram nas ciências aqui no Brasil. Seus nomes, suas pesquisas, suas contribuições. Nada está ao alcance de um clique. Foi preciso pesquisar, pesquisar e pesquisar mais um pouco.
SOBE SOM🎶
BEATRIZ: Não que elas não existam, precisamos deixar claro. De fato, há uma dificuldade para acessar os espaços acadêmicos. Em novembro do ano passado a Universidade do Estado do Rio de Janeiro divulgou o estudo Diversidade Racial na Ciência, que apontou que mulheres pretas, pardas e indígenas representam apenas 2,5% do dos professores nos programas de pós-graduação nas áreas de ciências exatas, da terra e biológicas no Brasil.
FRAN: Mas, para além dessa barreira inicial, que impede a entrada, e a permanência nas universidades, essas cientistas são, muitas vezes, vítimas do que o sociólogo português Boaventura Sousa Santos chama de epistemicídio. O conceito dá conta de discutir a destruição de algumas formas de saber locais e a inferiorização de outros, em nome do colonialismo.
BEATRIZ: Sueli Carneiro, no livro “Dispositivo de racialidade”, empresta o conceito e afirma que, através do epistemicídio, as pessoas negras são anuladas enquanto sujeitos do conhecimento e inferiorizadas intelectualmente.
FRAN: Daí a dificuldade de encontrar essas mulheres. Elas, de fato, não são muitas. E, quando conseguem ocupar os espaços, muitas vezes são invisibilizadas, com suas pesquisas e contribuição intelectual não recebendo o devido reconhecimento.
SOBE SOM🎶
BEATRIZ: Como reação a esse apagamento, iniciativas de preservação da memória e legado surgem pelo país. Foi por uma dessas iniciativas que conhecemos Maria da Glória, uma das primeiras mulheres negras a concluir o doutorado em geologia.
FRAN: O Coletivo Maria da Glória foi criado por estudantes negros do Instituto de Geociências da Universidade Federal da Bahia e, segundo o portfólio do projeto, busca preservar a memória de Maria da Glória e ser espaço de aquilombamento entre as pessoas negras do Instituto.
BEATRIZ: Maria da Glória nasceu em 1954. Em 1975 se graduou em geologia, na Universidade Federal da Bahia. Dois anos depois, começou a atuar como professora associada na mesma instituição. Foi também na UFBA que fez seu mestrado. O doutorado foi na Alemanha.
FRAN: O coletivo que recebe seu nome aponta que ela foi uma das primeiras mulheres pretas a fazerem parte do quadro de professores do Instituto de Geociências da UFBA. Um instituto que, ainda segundo o coletivo, é um ambiente majoritariamente masculinizado e branco.
BEATRIZ: Maria da Glória faleceu em 2013, aos 59 anos. Em sua atuação, contribuiu para a formação de gerações de geólogos, mestres e doutores. Também trabalhou na Secretaria de Minas e Energia do Estado da Bahia. Passou pela Petrobras, onde se envolveu com o estudo do vulcanismo em bacias mesozóicas. A cientista concentrou seus conhecimentos em geoquímica, geotectônica e petrologia.
FRAN: Pelo vocabulário, a gente percebe que a geologia é todo um universo, né? Mas, a grosso modo, é a ciência que estuda a origem, a formação, a estrutura e a composição da crosta terrestre, além das alterações sofridas no decorrer do tempo. No começo, não é nada fácil.
SOBE SOM🎶
ADRIANA: Eu, na verdade estava pensando em largar no primeiro ano. Porque a geologia é como se fosse aprender um novo idioma, com o alfabeto cirílico. Foi muito difícil o começo, mas depois que eu peguei o jeito, aprendi um pouco do vocabulário e comecei a ir bem aí não tinha mais para nenhum outro curso, eu resolvi que queria ser geóloga mesmo. Não sabia em que área ainda.
BEATRIZ: Essa é a Adriana Alves. Adriana é geóloga e também professora.
SOBE SOM🎶
ADRIANA: Eu sou Adriana Alves. Eu Sou professora da Universidade de São Paulo, já há mais de 10 anos e trabalho com mineralogia e petrologia ígnea, de rochas magmáticas, né. É um ramo da geologia que se dedica a entender como as rochas evoluem, desde a sua geração como magma mesmo, até a sua solidificação como rocha. A gente tenta entender o que que acontece nas entranhas do planeta para formar as rochas, é, que a gente chama de ígneas, né?
FRAN: Em sua pesquisa, Adriana investiga a Província Magmática do Paraná.
ADRIANA: O que a gente tem são províncias muito raras. O vulcanismo geralmente está em limite entre placas tectônicas, né, e algumas províncias estão para dentro desses limites, estão fora deles, dentro dos continentes. São manifestações de vulcanismo, que a gente, pra você ter uma ideia, a gente chama de províncias ígneas gigantes, é um volume absurdo de lava que é expelida para superfície, em termos geológicos, elas saem quase que instantaneamente né? Porque a terra tem 4.5 bilhões e essas províncias se formam mais ou menos em 1 milhão de anos. Então, as lavas trazem muitos gases: CO2, enxofre, cloro, flúor e tudo isso é descarregado pra atmosfera, quando essas lavas chegam na superfície em quantidades muito grandes para que o equilíbrio seja restabelecido. Porque o tempo é muito curto, então o clima desanda completamente. Hoje, a gente credita três das cinco extinções em massa à atividade vulcânica. A pergunta nasce do por que que essa província, apesar de ser tão grande, tão vasto, tão volumosa, não causou uma extinção em massa como a gente ver para as outras. Então passamos a discutir justamente os que são os desencadeadores da mudança climática, que são os gases.
BEATRIZ: Adriana foi dessas crianças sabidas, interessadas pelos números. E nunca deu trabalho para estudar. Pelo contrário...
ADRIANA: Eu dava trabalho pra parar de estudar, na verdade. Tenho até uma anedota que a gente conta, eu tenho uma irmã gêmea, né? Então nós ficávamos sozinha em casa e toda criança sonha faltar na escola, né? Um dia que meu irmão nos deixou trancada em casa, a gente pulou a janela para ir para escola e a casa foi assaltada. A gente sempre gostou muito de estudar, sempre tirou nota excelentes, então a escola era um lugar que eu queria estar, no geral, assim, eu gostava muito de estudar.
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FRAN: Ela conta que nunca havia ouvido falar em geologia. Na época, foi fazer curso técnico em processamento de dados, porque todo mundo falava que mexer com computador era a profissão do futuro. Durante o curso, um amigo a convidou para jogar RPG. Ali, conheceu a geologia.
ADRIANA: A ideia era seguir como analista de sistemas e durante o colégio técnico, um dos meus grandes amigos jogava um joguinho, que era similar ao RPG, mas era um joguinho de computador. E nos convidou, a mim e a uma terceira amiga, para jogar com ele. Terminou que ele virou biólogo, eu virei geóloga e essa minha terceira amiga seguiu na área de análise de sistemas, mas a gente seguiu exatamente as funções que a gente desempenhou no jogo, haha. Isso é engraçado, porque ele era o biólogo da expedição, era uma expedição para um asteroide que entrava em rota de colisão com a Terra e a ideia era uma missão da NASA para investigar o que que era esse asteroide, se havia modo de desviar a rota, uma expedição geológica mesmo, e eu era geóloga. Foi a primeira vez que eu entrei em contato com o que faz um geólogo. E aí quando eu fui prestar vestibular, eu sempre fui pragmática, eu juntei numa tabela, numa folha de papel, todos os cursos para os quais eu passaria com a nota de um simulado que eu tinha feito, que eu passaria para segunda fase. E geologia tava estava na lista. Então eu lembrei do joguinho que eu tinha jogado alguns anos antes, falei “ah, por que não?”
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BEATRIZ: A decisão por seguir carreira acadêmica não foi fácil. A pressão para ir para o mercado de trabalho é uma realidade para muitas mulheres negras, que precisam, em muitos casos, complementar a renda familiar. Adriana já estava trabalhando em uma consultoria e precisou lidar com a desconfiança da família.
ADRIANA: “Onde foi que eu errei, que vocês só gostam de estudar? Não gostam de trabalhar”. Eu cheguei a trabalhar eu fui, no meu quinto ano inteiro, eu fiz estágio numa consultoria, fui efetivada, ganhava mais, bem mais que meu pai, quando fui efetivada. É, foi muito duro largar, voltar para academia, foi muito difícil essa decisão. Mas chegou uma hora, principalmente em consultoria, que eu me vi fazendo mais do mesmo sempre. Não tinha espaço para criar, para aprender, era um serviço muito repetitivo. E se tinha uma coisa que eu tinha aprendido dos anos como telefonista, recepcionista, é que eu não queria um trabalho repetitivo. Eu queria algo que eu pudesse criar, aprender sempre, então eu decidi voltar. Eu pedi demissão, que foi um dia que minha mãe chorou horrores, pedi demissão e voltei para fazer o doutorado.
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FRAN: A veia de cientista já estava ali. Tanto que Adriana não precisou fazer o mestrado. Foi da graduação direto para o doutorado.
ADRIANA: É, na verdade, eu já tinha feito iniciação científica por três anos seguidos no mesmo tema. Então a minha monografia de conclusão já era considerada próxima do que é um mestrado. E quando fui fazer a inscrição pra pós, meu então orientador sugeriu que em vez de fazer o mestrado eu fizesse doutorado direto, que era uma modalidade que o programa tinha recém incorporado, e ele achava que eu tinha perfil. Aí eu falei “ah, tá bom, vamos ver no que dá” hehe.
BEATRIZ: E deu numa carreira consistente. Em 2014, Adriana entrava na USP como professora associada no Instituto de Geociências. Diferentemente da Sonia Guimarães, que está no nosso primeiro episódio e contou que sofreu muito quando entrou no ITA, o Instituto Tecnológico de Aeronáutica, Adriana conta que o processo dela foi um pouco menos traumático.
ADRIANA: Olha, eu tenho uma percepção bem diferente. Como é a minha segunda casa, aqui eu cheguei aos 18 anos e não sai mais, eu sempre me senti muito à vontade. Não é que eu não tenha percebido nuances de diferença de tratamento por parte dos professores, depois por parte dos pares. Tem, Óbvio. A gente é um microcosmo que reflete exatamente a nossa sociedade em todos os seus logros e desencantos. Mas, com os alunos, particularmente, eu tenho muito boa relação, muito boa. Um ou outro que é mais reticente, ou ficar um pouquinho mais de escanteio assim para falar comigo, porque eu também sou muito incisiva, sou um pouco intimidadora, alguns dizem. Mas no início da carreira, eu acho que era um pouquinho mais complicado, porque eu também era mais insegura e porque eu tinha idade mais próxima dos meus alunos, né? Eu virei professora aos 29, então era muito difícil a relação de imposição de respeito mesmo. Mas eu creditava, e credito ainda, isso mais à idade e a cara de menina que eu tinha no começo do que ao fato de eu ser uma mulher negra.
FRAN: O que não quer dizer que ela não sofreu racismo... principalmente dos colegas.
ADRIANA: Não é que a geologia é seja racista, pelo contrário. É muito racista. Entravam muito poucos negros, eram um por ano, todos éramos apelidados como um componente da feijoada. É muito racista. A diferença, eu acho que tá no fato de que as pessoas da minha geração achavam que o problema era nosso, a gente nunca achou, nunca problematizou, crescendo, né, como adolescentes, como jovens, nunca problematizamos a questão do racismo, era sempre tratado como um traço de personalidade de quem o fazia e um traço de fraqueza de quem sucumbia. Eu fui criada assim. Então, o que acontece hoje com os cotistas é que eles chegam politizados. Então eles sabem que o problema é do outro e se o problema é do outro, eles não têm nenhum problema, nenhuma amarra em apontar qual é o problema. Por muito tempo, eu não sabia nomear aquilo que eu tinha passado durante a universidade. Mas na pandemia, isso é engraçado, é eu tive uma necessidade de apontar e de pontuar todos esses acontecimentos e mandei e-mail para as pessoas, dizendo você fez isso, eu nunca esqueci, me afetou dessa, dessa e dessa maneira, foi muito terapêutico. Mas soa até, parece que é a democracia racial. “Ah, não, nunca senti nada”. Não. Eu senti sim, eu não sentia dos alunos, mas dos pares, em geral, dos alunos um ao outro, dos mais novos, mas aí eu passei a descobrir que eles são acintosos com todo mundo, é uma falta de respeito generalizada. Mas dos pares, enquanto eu era estudante, eu sentia muito sim. Depois de virar professora, talvez menos, porque também eu fiquei algumas ordens de magnitude mais bocuda e mais assertiva, então hoje ele não passa nada, as pessoas cuidam muito bem o que elas falam o próximo de mim.
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BEATRIZ: Adriana entrou na USP, como aluna, em 1999. Como ela diz, a universidade é a segunda casa. E ela tem visto a mudança nessa segunda casa. Mudança capitaneada pelos estudantes, que trazem novas perguntas e questionamentos. Não sem resistência. A USP foi uma das últimas universidades a aprovar as cotas raciais, em 2017.
ADRIANA: Quando foi a votação, eu já era professora quando foi a votação das cotas, eu tava tão desesperançada que eu saí, fui para casa, não, acompanhei a votação, não olhei e-mail, porque eu tava crente que não passaria. E aí minha amiga, uma outra moça negra que a professora, me ligou, “você viu que passou ?” E aí, o ano seguinte, quando eu fui na arquitetura almoçar, eu não consegui conter as lágrimas, não consegui, chorei igual criança pequena na fila do almoço. Porque era muita beleza negra junta, era, foi muito legal de ver, chorei, até hoje enche de lágrima porque eu nunca tinha visto e não achei que fosse ver.
FRAN: Nessa trajetória, Adriana trilhou um caminho de defesa dos Direitos Humanos e de combate ao racismo na ciência. Ela foi coordenadora do Escritório USP Mulheres. Esse período trouxe à tona algo que pode ser sutil, mas que pode ser também um empecilho para o desenvolvimento e avanço das mulheres, e das mulheres negras em especial, na carreira científica: o tempo de luta, de afirmação, pode tirar um tempo valioso da pesquisa.
ADRIANA: Modéstia a parte, eu sou boa no que eu faço. Mas eu passei a ser vista como a porta voz dos direitos humanos e isso começou a cansar. Eu não conseguia quase mais fazer geologia, orientar os meus alunos, porque é uma pauta que mobiliza muita coisa, tá na moda, né? Queria que ela fosse um pouquinho mais levada a sério, para além do modismo. Eu passei a me identificar mais como uma pessoa dos direitos humanos que como geóloga. Não é que as duas coisas sejam incompatíveis, não é isso, mas é que chegou um momento em que eu comecei a adoecer. Eu cheguei a ir para pró-reitoria, recém-criada, para a Reitoria de inclusão e Pertencimento na área de diversidade. E o que eu vi era um trabalho imenso a ser feito, com poucos recursos, uma equipe pequena, então o desafio era muito maior. E hoje eu falo, abertamente, que eu dei um passo maior do que a perna, porque o desafio é tão grande que era necessário seria necessário que eu estivesse um outro patamar da minha carreira para conseguir, tivesse uma horda de alunos tocando a pesquisa, tivesse uma equipe mesmo, um laboratório para chamar de meu. E eu sou muito nova, pelo menos nesse referencial uspiano da reitoria, eu sou muito nova de carreira. Implicava em abrir mão de muita coisa. E fora que tem que ter uma paciência de Jó, porque, por mais que haja vontade da mudança, tem uma frase que eu gosto muito, as pessoas querem te chamar para selfie e não para sentar junto e pensar um roteiro de um longa metragem. Foi muito difícil para mim lidar com essa dimensão de como a Reitoria pensava e ainda pensa a inclusão sociorracial.
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BEATRIZ: E Adriana, além de tudo, é mãe da Flora e da Serena. Pragmática, se programou para a chegada das filhas, que já passaram muitos momentos no laboratório com a mãe cientista.
ADRIANA: Ser mãe e pesquisadora, eu digo, tem prós e contras. O pró é que hoje eu procrastino, ainda procrastino muito, como todo bom pesquisador, mas procrastino muito menos, porque eu sei que tudo que eu tenho que fazer tem que caber entre a segunda e a sexta-feira das 9 às 17h30. Ainda faço muita coisa, esse ano inclusive inventei uma especialização que eu me arrependi algumas vezes, mas elas são o meu pé no chão, assim, do que realmente importa na vida. É muito fácil se perder na fogueira das vaidades que é a academia, de que o que importa é o seu fator H, o número de papers que você publicou naquele ano. E todo mundo sabe que no final da vida, quando a gente avalia, o que fica são as relações que a gente manteve, principalmente com os entes mais próximos, né? Então elas me ajudam a manter esse foco do que realmente importa. Apesar de eu amar o que eu faço, essa dimensão mais humana da minha vida são elas que trazem.
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FRAN: Mãe, cientista, professora, defensora dos direitos humanos... Adriana acredita na mudança. Tem visto na USP uma pequena revolução, se emociona com os alunos e alunas negros e negras.
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BEATRIZ: Ela sabe os desafios que esses enfrentam ao chegar no ambiente acadêmico e não se furta ao debate com seus colegas. Tem visto colegas repensarem a postura. E faz uma defesa apaixonada dos professores das escolas públicas, os do fundamental e ensino médio, que, todos os dias, sonham seus alunos.
ADRIANA: Eu não estaria aqui não fossem dois professores. Uma de português do ensino fundamental dois, antigo ginásio, e esse professor de física. Foram as pessoas que olharam para mim e disseram: você vai fazer faculdade. Essa professora de português me deu uma caixa de livros. Eu amava ler e a gente passava dias e dias na biblioteca, né? Tinha a escola e aí você andava um pouquinho, tinha uma biblioteca grande, pública, em Diadema. Então a gente fazia trabalho lá, não tinha internet, né? Você tinha que ir lá, pegar livro, pegar enciclopédia, eu fazia todo esse ritual e a gente amava ler. E ela descobriu que a gente amava ler, gostava das nossas redações. Primeira vez que um professor, né, falou, “olha vamos lá na minha casa”, me levou até a casa dela deu uma caixa de livros e eu ali avidamente. E ela foi a primeira pessoa que me disse, que a gente falava muito em terminar os estudos, né? Ela falou “não, estudo nunca termina, você vai estudar a vida inteira, você vai fazer faculdade, você vai fazer pós-graduação”. E é muito bonitinho pensar isso, porque foi a primeira pessoa que me sonhou, não foi minha mãe e não foi meu pai, foi a primeira pessoa que me sonhou foi essa professora de português. E o professor de física do nosso colégio, eu era péssima programadora, então enquanto programadora, ele falou assim, “enquanto programadora você seria excelente cientista, você não quer estar prestar alguma coisa com ciência”, né? Aí eu falei, “ah, eu nunca pensei em fazer faculdade”. E aí que ele falou “vou dar um simulado”, deu o simulado para os vários terceiros anos que tinha naquela época, e de todas as turmas, ele falou “olha isso esses dez aqui vale a pena”. Então, de graça, ele ia todo sábado de manhã fazer simulado conosco, revisar o conteúdo. Então, é isso, alguém tem que te sonhar, seja seu pai, um professor. Mas, geralmente, para essas comunidades mais vulneráveis, são professores. Eles têm papel essencial. Essencial.
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FRAN: Com a dica certeira destes professores, ela sonha e realiza, no dia a dia, suas pesquisas para um clima de qualidade e um mundo melhor.
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BEATRIZ: O podcast Ciência: Mulheres Negras Dão Tom é uma produção original da Radioagência Nacional.
FRAN: Gostou do conteúdo? Acesse as nossas produções em áudio, como os podcasts Imprensa Negra, Dos Griôs da África para as Periferias do Mundo - 50 Anos do Hip Hop e Golpe de 1964 - Perdas e Danos.
BEATRIZ: A produção, entrevista, roteiro, apresentação, montagem e edição foram feitas a quatro mãos. Por mim, Beatriz Arcoverde e pela Fran de Paula. A sonorização foi feita por mim, junto com Jaime Batista. Cibele Tenório gravou a vinheta. Gravação de áudio e entrevistas Jaime Batista. A arte é de Caroline Ramos. Interpretação em libras da equipe de tradução da EBC.
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Apresentação, produção, entrevistas, roteiro, edição e montagem |
Beatriz Arcoverde e Fran de Paula |
Sonorização | Beatriz Arcoverde e Jaime Batista |
Voz da Vinheta | Cibele Tenório |
Arte | Caroline Ramos |
Interpretação em Libras: | Equipe EBC |
Implementação na web:: | Beatriz Arcoverde e Lincoln Araújo |