Oito doutorandos indígenas vão fazer intercâmbio na França
Guatá, na língua guarani, tem, entre outros sentidos, o de caminhar, viajar, se movimentar. Agora, oito doutorandos indígenas cruzam o oceano, de avião, para alçar um novo voo. A viagem é rumo a um intercâmbio na França.
O programa Guatá de bolsas de mobilidade é iniciativa da Embaixada da França no Brasil que, desde o ano passado, seleciona estudantes indígenas para o intercâmbio de seis a dez meses em universidades do país europeu.
Os oito indígenas brasileiros selecionados iniciam a jornada neste mês. São dois guaranis, dois terena, além de integrantes dos povos pipipã, xokleng, tupinambá de Olivença e trumai.
A estudante guarani nhandeva Maristela Aquino, de 44 anos, é uma das contempladas pelo programa e vai estudar na Universidade Paris 8. Nascida e criada em aldeias guaranis do Mato Grosso do Sul, ela foi professora em escolas indígenas antes mesmo da graduação. Decidiu cursar pedagogia com muito esforço, tendo que trabalhar na limpeza da casa de um fazendeiro, enquanto estudava.
Hoje, ela já concluiu o mestrado e é doutoranda pela Universidade Federal da Grande Dourados, no Mato Grosso do Sul.
A pesquisa de Maristela explora a agroecologia, e propõe alternativas sustentáveis para combater a fome e a insegurança alimentar nas aldeias indígenas.
Na luta por melhores condições nutricionais, ela participa de um projeto para garantir a soberania alimentar das comunidades guarani do estado, em busca de uma alimentação sem agrotóxicos.
A oportunidade de trocar conhecimentos em outro país, para ela, é muito enriquecedora. Em Paris, ela promete carregar a luta indígena.
Outro bolsista do projeto é o doutorando Idjahure Kadiwel, de 34 anos, filho do ator Mac Suara Kadiwel, um dos pioneiros indígenas no cinema brasileiro. Nascido no Rio de Janeiro, ele decidiu retomar o contato com as origens terena aos 18 anos, quando foi ao Mato Grosso do Sul.
Esta retomada foi tão importante que, hoje, doutorando em antropologia pela Universidade de São Paulo, ele planeja escrever sua tese sobre o canto terena, que faz parte da tradição de sua família. A paixão pela música não fica só no meio acadêmico, mas também gravou um disco recentemente.
Ele já fez intercâmbio na França em outro momento, ainda na graduação, e há pouco tempo viajou para a Europa para participar de conferências e eventos culturais.
Dentre os desejos, Idjahure listou a vontade de escrever artigos em francês durante o intercâmbio e de ser professor no exterior. Ele também planeja levar a realidade indígena brasileira para os pesquisadores europeus.
Segundo a adida para Ciência e Tecnologia do Consulado da França em São Paulo, Nadège Mézié, há um grande interesse das universidades francesas de receber os doutorandos indígenas. Para ela, a troca de conhecimentos é enriquecedora para todos os estudantes.
Este ano, o programa Guatá conta com a participação de 11 universidades brasileiras e selecionou oito bolsistas. O número é superior ao do ano passado, o primeiro do projeto, quando participaram cinco universidades e quatro estudantes.
O programa funciona como um doutorado sanduíche, onde os alunos têm maior liberdade para participar de aulas e seminários. E conta com passagem aérea, ajuda de um professor supervisor e bolsa de € 1.700 por mês enquanto durar o intercâmbio.
*Com informações de Vitor Abdala e supervisão de Tâmara Freire.