logo Radioagência Nacional
Justiça

Especial 8 de Janeiro: Ato golpista foi planejado, diz diretor da PF

Mais de 300 pessoas foram condenadas por golpe de estado e depredação
Baixar
Priscila Mazenotti - Repórter da Rádio Nacional
08/01/2025 - 07:35
Brasília
RETROSPECTIVA_2023 - Atos golpistas de 8 de janeiro. - Foto: Marcelo Camargo/Agência Brasil
© Marcelo Camargo/Agência Brasil

Oito de janeiro de 2023, Praça dos Três Poderes, Brasília.

Naquele domingo à tarde, aconteceu o que quase ninguém imaginava: a invasão e depredação dos prédios do Congresso, do Palácio do Planalto e do Supremo Tribunal Federal por manifestantes contrários ao resultado das eleições e favor de um golpe no país..

Mas esse foi um cenário que começou a se desenhar lá atrás, mesmo antes dos acampamentos em frente a quartéis do Exército em várias cidades do país. Ainda em 2019, segundo o diretor-geral da Polícia Federal, Andrei Rodrigues, com os questionamentos, por exemplo, sobre a legitimidade das urnas eletrônicas. Os movimentos acabaram gerando a tentativa de invasão ao prédio da PF e de explosão de uma bomba no aeroporto de Brasília, na véspera do Natal de 2022, dois meses depois das eleições, já com Lula eleito.

Andrei Rodrigues conta que as atividades no QG do Exército em Brasília eram monitoradas. No dia anterior ao da invasão, 7 de janeiro, chegou a alertar outras autoridades:

“Tanto que no dia 7 de janeiro, eu, já como diretor-geral da Polícia Federal, provoquei uma reunião com a Secretaria de Segurança Pública do Distrito Federal e lá expus claramente que aquele movimento precisava ser contido. Poque aquelas pessoas estavam programando algo que não era legítimo, que não era democrático, ou seja, um golpe de Estado.”

Mesmo com o alerta, o que se viu foi uma atuação tímida e uma operação mal planejada das autoridades de segurança do Distrito Federal, reforça Andrei Rodrigues. O que resultou na prisão da então cúpula da Polícia Militar do DF e do secretário de segurança pública da época, Anderson Torres, e na decretação da intervenção na área de segurança da capital. Mas, para o diretor geral da PF, nada foi ao acaso. Houve planejamento.

“Então é muito mais do que mera cogitação. Há atos executórios desse plano, há vigilância do ministro Alexandre de Moraes, há impressão desses documentos, há um planejamento executado, há reuniões sendo feitas, há pagamentos de valores, há deslocamentos, há o processo de anonimização daqueles principais investigados. Ou seja, havia muitas ações em curso e que, felizmente não chegaram a efeito.”

O ataque golpista, a depredação e o que levou a isso tudo não surpreende especialistas. O que chama uma certa atenção foi a data escolhida. Uma semana depois da posse. Como ressalta Tales Ab´Sáber, psicólogo, escritor e professor do curso de Filosofia da Unifesp, a Universidade Federal de São Paulo.
“Quando já não havia mais nenhuma possibilidade de isso ter nenhuma eficácia política real, né? Totalmente fora do tempo, fora do esquadro, quando o Bolsonaro já havia fugido do Brasil, quando já havia se encerrado, propriamente, a trama estratégica do golpe que envolvia setores das Forças Armadas brasileiras, explicitamente, da reserva e da ativa.”

Ele complementa, é a escolha de inimigos pela extrema-direita:
“A extrema-direita, ela não funciona construindo contratos sociais ou construindo racionalidade, histórica, reconhecimentos ou mesmo cultura. Ela tá permanentemente numa lógica de guerra, que vai girando esse pião da guerra e elegendo os inimigos sistematicamente. Essa foi a emergência, né, da extrema-direita que vai desaguar no bolsonarismo.”

Seria uma espécie de delírio, de seita, como explica o psicanalista, Christian Dunker.

“Ou seja, mesmo que os indivíduos sejam clinicamente neuróticos, nas suas articulações individuais, quando eles se juntam, eles adquirem, né, um funcionamento delirante. Tanto que ele é um pouco como o funcionamento de seita.”

No dia da invasão, foram mais de 2 mil presos dentro e fora dos prédios da Praça dos 3 Poderes. Pelo menos mais de 300 pessoas foram condenadas por crimes como golpe de estado e depredação. O ministro do STF, Gilmar Mendes, avalia que havia uma espécie de raiva contra a Suprema Corte.

“Isso talvez seja fruto desse envenenamento da opinião das pessoas. Todo esse discurso de que o problema do Brasil estava no Supremo Tribunal Federal, de que o Supremo é que causou todos esses danos e ou supostos danos que imputavam ao desenvolvimento da sociedade. E é algo inclusive incompreensível, porque o que que o tribunal fez, por exemplo, no que diz respeito à pandemia? Pedir aplicação de normas racionais sobre a pandemia, repudiar o negacionismo.”

O fato é que, de 2022 pra cá para cá, vimos diversos capítulos dessa trama. Os mais recentes deles: um homem bomba que se explodiu em frente ao STF, em novembro passado, e um plano para matar o presidente Lula, o vice, Geraldo Alckmin, e o ministro do Supremo, Alexandre de Moraes.

Mas tudo isso está interligado, num movimento articulado, mas voltado para interesses próprios, como analisa a jornalista e doutora em ciência da informação, Bianca Santana.

“A gente precisa compreender o bolsonarismo como esse fenômeno articulado, intencional e que provoca inúmeras pessoas em suas vulnerabilidades a se colocarem a serviço de uma causa, né? Que eles vendem como uma causa, mas que responde a interesses próprios.”

E os prejuízos foram materiais também. Foram destruídos móveis, salas, obras de arte, um relógio do século 17, presente da Corte Francesa a Dom João VI, telas de artistas como Di Cavalcanti, vasos de cerâmica…. E parte desse material volta neste 8 de janeiro ao Palácio do Planalto depois de ter sido restaurado. Símbolo da luta pela democracia.

*Com colaboração da TV Brasil e sonoplastia de Messias Melo

Quer saber mais sobre o tema? Confira o videocast Histórias em pauta: Grades de Janeiro produzido pela Radioagência Nacional, Caminhos da Reportagem, produzido pela  TV Brasil e a série de entrevistas e reportagens da Agência Brasil. 

x