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Saúde

Setor de saúde quer mais prazo para implantar Lei de Proteção de Dados

Elaine Patricia Cruz – Repórter da Agência Brasil
Publicado em 17/04/2019 - 20:32
São Paulo
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O setor de saúde ainda está inseguro com a implantação da Lei Geral de Proteção de Dados no país. Sancionada em agosto do ano passado pelo então presidente Michel Temer, a lei prevê um tempo de transição para entrar em vigor, o que pode ocorrer em fevereiro ou agosto do ano que vem. As associações, entidades e organizações que atuam na área de saúde consideram curto esse período de adaptação à lei.

Segundo a coordenadora do grupo de trabalho de Proteção de Dados da Associação Brasileira de Medicina Diagnóstica (Abramed), Rogéria Cruz, o setor está inseguro sobre o tem que fazer, o que pode e como fazer. "Nossa realidade é muito maior do que a lei contempla. Então, vejo o setor inseguro sobre quando [a lei] entra em vigor, inseguro se vai ter dinheiro para fazer os investimentos de que precisa, se vai ser penalizado, inseguro sobre como treinar os seus funcionários de forma adequada. O tempo é curto”, afirmou Rogéria, que participou nesta quarta-feira (17), de um evento na Federação das Indústrias do Estado de São Paulo (Fiesp) para discutir a implicação da lei na área de saúde.

Para o diretor de Desenvolvimento Setorial da Agência Nacional de Saúde Suplementar (ANS), Rodrigo Rodrigues de Aguiar., a insegurança é natural por causa das novidades trazidas pela lei. "A lei traz muitas responsabilidades e consequências para aqueles que não a cumprirem adequadamente. Além da multa, que já está prevista na lei e que é de um vulto muito impressionante de 2% do faturamento bruto das empresas, ela traz previsões de responsabilidade civil e criminal das pessoas. Então as pessoas, em geral, ficam muito preocupadas quanto à sua aplicação”, disse Aguiar.

“[A lei] vem de forma positiva, sem dúvida alguma. Só que a gente tem um desafio muito grande de pensar em adequação e adaptação, seja de sistema, de processo, de mapeamento que tem que ser feito”, disse a diretora jurídica da Associação da Indústria Farmacêutica de Pesquisa (Interfarma), Tatiane Schofield. De acordo com Tatiane, é preciso "otimizar" o processo de adaptação e de adequação. “Esse universo é gigantesco, e a gente precisa se organizar no setor, de forma geral e coletiva, para trabalhar essas questões mais importantes agora”, acrescentou.

Entre os desafios para a implantação da lei, Rogéria destacou a questão da portabilidade e das diferenças culturais no país. Em entrevista à Agência Brasil, ela citou também as questões do direito ao esquecimento e de a pessoa chegar lá e querer revogar. "Como eu trato isso hoje? Será que tem sistema para o caso de a pessoa hoje não querer isso, querer só aquilo? O quanto estarei suscetível?”, questionou Rogéria.

Para ela, o que mais preocupa é a diferença cultural no nosso país. "Uma territorialidade imensa, pessoas com compreensão do sistema de saúde distintas e realidades distintas. É difícil ter uma implantação tão massiva em tão curto espaço de tempo.”

A norma

A lei inclui regras sobre a coleta e o tratamento de informações de pessoas por empresas e órgãos do poder público. Pela norma, dados pessoais são informações que podem identificar alguém tais como o nome e o endereço, por exemplo. Existe ainda uma categoria chamada de “dado sensível”, que se refere a informações sobre origem racial ou étnica, convicções religiosas, opiniões políticas, saúde ou vida sexual. Registros como esses passam a ter maior nível de proteção, para evitar formas de discriminação. A lei prevê ainda que registros médicos não poderão ser comercializados.

A normatização e fiscalização dessa lei ficarão a cargo da Autoridade Nacional de Proteção de Dados, cuja criação está sendo proposta pela Medida Provisória (MP) 869, de 2018, que está em discussão nesta semana no Senado.

Rogéria Cruz disse que a transparência é importante para diminuir a insegurança do setor diante da nova lei e que, inicialmente, a Autoridade Nacional de Proteção de Dados deveria atuar mais na orientação ao setor. “A grande dificuldade é essa: não sabemos onde estamos transitando. Será que o meu sistema é compatível com o de outro hospital? Então também falta transparência para a gente." Na opinião de Rogéria, para dar certo, a Autoridade precisará compreender o setor e agir no intuito de orientar, de ver que existem realidades distintas.

Rogério Aguiar destacou o acerto do evento de hoje, ao reunir as principais lideranças e especialistas na matéria, para discutir, debater e chegar a algum encaminhamento e conclusões. "Com isso, vamos conseguir chegar mais maduros na época da vigência da lei.”

Mudanças

Segundo Aguiar, ainda não é possível dimensionar o quanto a lei vai mudar o setor. “Certamente teremos mudanças significativas, com muitos impactos, porque a lei traz conceitos novos e que não vinham sendo aplicados de forma tão robusta e substancial no setor. Mas, como é um setor que sempre tratou com dados sensíveis, um setor que não vai sair do zero, já tem alguma base de preparação para começar a aprender a aplicar essa lei. Teremos dificuldades, teremos desafios, mas certamente desafios possíveis de serem enfrentados e vencidos”, afirmou.

Para Aguiar, um dos desafios é a própria interpretação e aplicação da lei. “Como temos a previsão de uma Autoridade Nacional de Proteção de Dados, que ainda não foi constituída, ainda não sabemos como serão interpretados alguns dispositivos da lei. Por exemplo: como uma agência reguladora como a ANS vai ser enxergada pela Autoridade? Ela vai ser um dos controladores de dados, com uma série de responsabilidades, inclusive civis e criminais? Ou vai ser uma parceira da Autoridade Nacional, subsidiando-a com informações qualificadas do setor para regulação desse setor de saúde?" Ainda temos muitas dúvidas sobre como será a aplicação dessa lei, acrescentou.

Rogéria ressaltou que a lei é positiva, embora ainda haja alguns problemas a serem resolvidos. “Vai aumentar muito mais a transparência, uma necessidade que não é só do setor de saúde, mas do mundo."  O setor de saúde é complexo, e não se sabe se haverá tempo para que se organize de forma a atender na totalidade a lei, acrescentou a especialista. “Hoje temos formulários, que as pessoas assinam e que não necessariamente compreendem. Acho que essa lei vai trazer a possibilidade da gente trabalhar isso.”