Conselho decidirá se arte Wajãpi ainda é representativa do patrimônio brasileiro
Os membros do Conselho Consultivo do Patrimônio Cultural do Instituto do Patrimônio Histórico e Artístico Nacional (Iphan) se reúnem nesta quinta-feira (27), em Brasília, para, entre outros temas, avaliar a manutenção da arte kusiwa, dos índios Wajãpi do Amapá, entre as formas de expressão reconhecidas como patrimônio cultural imaterial do Brasil.
Junto com o ofício das paneleiras de Goiabeiras (ES), a arte kusiwa foi um dos primeiros bens imateriais registrados no país, em 2002. O complexo sistema de representação gráfica é a forma com que os Wajãpi do Amapá costumam retratar e perpetuar seus saberes, modo de vida, mitologia e tradições e será o primeiro dos bens imateriais nacionais a ter o processo de revalidação analisado.
Os membros do conselho consultivo Iphan irão avaliar se, ao longo dos últimos 15 anos, as pinturas com que os Wajãpi do Amapá decoram seus corpos e objetos mantiveram o sentido que lhes rendeu a inscrição no Livro de Registro das Formas de Expressão.
“Como o patrimônio cultural é dinâmico, é vivo, criado e recriado pelas comunidades, deve, a cada dez anos, ser reavaliado pelo conselho consultivo do Iphan para verificar se as características que fundamentaram o registro se mantêm e se interessa à comunidade manter o bem sob registro”, explicou à Agência Brasil o diretor do Departamento do Patrimônio Imaterial do Iphan, Hermano Queiroz. Se a avaliação for positiva, o título de Patrimônio Cultural do Brasil será revalidado. Do contrário, a arte kusiwa será mantida no Livro de Registro, mas apenas como uma expressão cultural de seu tempo.
Segundo Queiroz, o título concedido ao complexo sistema iconográfico da tribo que, desde 2008, também é reconhecido pela Organização das Nações Unidas para a Educação, a Ciência e a Cultura (Unesco) como Patrimônio Cultura Imaterial da Humanidade, resultou em uma valorização da forma de expressão tradicional pela própria comunidade indígena.
“Índios Wajãpi do Amapá que antes não se interessavam pela arte kusiwa agora se interessam. Eles têm orgulho de dizer que são portadores de um bem que é reconhecido como patrimônio. E formaram seus próprios pesquisadores para divulgar e dar mais visibilidade a sua cultura. O registro os motivou a se ter uma gestão muito mais autônoma deste patrimônio.”
Em setembro de 2009, a Fundação Nacional do Índio (Funai) inaugurou o Centro de Formação e Documentação Wajãpi, dentro da terra indígena, para abrigar o acervo de fotografias, imagens, filmes, CDs, DVDs, documentos escritos, pesquisas e livros da tribo.
Apropriação indevida
Mantido o título de patrimônio cultural, o plano de salvaguarda da arte kusiwa aprovado em 2002 será atualizado, estabelecendo novas ações para valorizar, divulgar e apoiar a sustentabilidade da forma de expressão dos Wajãpi do Amapá. Em todos os processos de reconhecimento ou revalidação, o plano também deve prever formas de proteger os bens imateriais da apropriação indevida.
“Temos que imaginar que, além de uma forma de mercantilização e folclorização dos saberes tradicionais, o que leva a um esvaziamento dos seus conteúdos simbólicos, também pode ocorrer de empresas se apropriarem indevidamente desses bens, comercializando-os sem a autorização da comunidade e sem repartir os benefícios”, alertou Queiroz. Segundo ele, há alguns anos, o Iphan teve que acionar judicialmente uma empresa que estava vendendo vários produtos decorados com os motivos gráficos kusiwa. Por infringir a propriedade intelectual indígena e um patrimônio cultural do Brasil, a empresa teve que recolher todos os produtos irregulares e indenizar a comunidade com projetos de valorização da cultura Wajãpi.
“O pedido para que a arte kusiwa fosse reconhecida e registrada como um patrimônio imaterial surgiu da preocupação dos Wajãpi do Amapá com o desinteresse dos mais jovens e com a exploração comercial dos grafismos, que estavam sendo indevida e irregularmente reproduzidos em papéis de parede, lençóis de cama e outros produtos, sem o consentimento da comunidade”, contou o diretor.
“Os Wajãpi do Amapá acreditam que os espíritos de seus ancestrais acompanham os desenhos. Na lógica dos índios, que se consideram apenas os guardiões desses grafismos, a reprodução dos desenhos sem autorização pode trazer prejuízos enormes, disseminando a guerra, a fome e doenças”, explicou.
Colegiado
O conselho consultivo do Iphan é composto por 21 membros, representantes de órgãos de Estado, entidades de classe e da sociedade civil organizada, todos especialistas em preservação do patrimônio material e imaterial.
Pelo menos três outros bens registrados como patrimônios imateriais há mais de dez anos estão em processo de revalidação pelo conselho consultivo do Iphan: o samba de roda do Recôncavo Baiano; o ofício das paneleiras de Goiabeiras (ES) e a celebração do Círio de Nossa Senhora de Nazaré (PA). Segundo Queiroz, a perspectiva é que os dois primeiros processos sejam concluídos em breve. “Todos os processos de revalidação são complexos e demandam uma mobilização social muito grande”. O processo de revalidação da arte kusiwa está em análise há cerca de cinco anos.