Aldeia Maracanã mantém tradições indígenas e cobra reconhecimento

Publicado em 19/04/2017 - 17:41 Por Akemi Nitahara - Repórter da Agência Brasil - Rio de Janeiro

Rio de Janeiro - Na Aldeia Maracanã, representantes de diversas etnias participam de atividades especiais para lembrar o Dia do Índio (Tomaz Silva/Agência Brasil)

Representantes de diversas etnias participam de atividades especiais para lembrar o Dia do Índio na Aldeia MaracanãTomaz Silva/Agência Brasil

Aos poucos, a Aldeia Maracanã vai levando vida ao asfalto e concreto na área onde funcionou o Laboratório Nacional Agropecuário do Rio de Janeiro (Lanagro), no entorno do Estádio do Maracanã, derrubado para as obras da Copa do Mundo 2014. Pedaços do asfalto foram retirados para dar lugar a pés de milho, abóbora, mandioca, mamão, goiaba, hortaliças e plantas medicinais.

Sem água encanada, energia elétrica ou apoio do governo, 10 famílias indígenas de diversas etnias, como Ashaninka, Guajajara, Kati, Tembé, Apurinã, Manauara e Kaiowá, retornaram ao antigo imóvel no fim de 2016 e mantêm o local habitável de acordo com as tradições ancestrais. “Aqui não temos água, luz, assistência. Nós recebemos aqui água da chuva, a luz ninguém liga, a fogueira é nossa luz. Também não temos botijão de gás, fazemos tudo na fogueira. As pessoas do sistema vêm aqui e não entendem como a gente vive assim. A nossa religião aqui e o cosmos: o Sol, a Lua”, disse o indígena Korubo, da tribo de mesmo nome que vive isolada na divisa do Acre com o Amazonas.

Hoje (19), no Dia do Índio, o grupo organizou uma mobilização para pedir que a área seja transformada em uma universidade indígena. “Nós temos uma Universidade Indígena para transmitir a nossa cultura, o meio ambiente, o respeito à terra mãe. É muito diferente de uma universidade acadêmica, que fala mais da Europa, da Grécia, dos deuses do Platão. O que o índio tem a ver com esses deuses? Não tem nada a ver. Aqui nós temos uma universidade nativa, damos cursos, ensinamos a não desmatar”, contou Korubo.

Desocupação

No mesmo terreno, fica o prédio histórico que abrigou o Serviço de Proteção Indígena (SPI) do Marechal Rondon e, posteriormente, o Museu do Índio até a década de 1970. O imóvel ficou abandonado até a ocupação pelos indígenas em 2006. Em 2013, houve uma reintegração de posse violenta por parte do estado e uma parte dos ocupantes aceitou apartamentos do Programa Minha Casa, Minha Vida, após passarem um ano e quatro meses morando em contêineres na Colônia Curupaiti, antigo local de isolamento de portadores de hanseníase, na zona oeste do Rio.

Após a desocupação, o governo do estado prometeu restaurar o prédio e transformar o local em um Centro de Referência da Cultura dos Povos Indígenas, porém, até o momento nada foi feito. A Secretaria de Estado de Cultura, responsável pelo projeto, foi procurada pela Agência Brasil, mas não respondeu até a publicação desta reportagem.

Um dos líderes da resistência da Aldeia Maracanã, Ash Ashaninka, disse que todo o imóvel, num total de 14,3 mil metros quadrados, que incluem o prédio tombado e toda a área no entorno, foram doados pelo Duque de Saxe, marido da princesa Leopoldina, para a criação do SPI.

Segundo Ashaninka, o grupo quer o desmembramento da concessão do Maracanã e entorno, para retirar a área da aldeia do processo. “A gente vem discutindo para a construção de uma universidade. Não queremos mais ser souvenir, eu não quero que a minha foto saia por aí e diga para todo mundo que o indígena está bem no Brasil, que é lindo, maravilhoso. Mas que está sendo destruído, está sendo massacrado.”

Para o líder, a criação de uma universidade indígena no local representa autonomia, respeito e reconhecimento aos povos tradicionais. “Nós queremos o nosso protagonismo, chega de dar o nosso conhecimento para as universidades, seus bancos de dados, e eles venderem para as farmácias. Nós, da Aldeia Maracanã, temos o nosso próprio banco de dados. Nosso conhecimento todo é garantido para aqueles que realmente querem se curar, não para aqueles que querem lucrar, que querem ser egocêntricos vaidosos. O que queremos é que reconheçam que realmente nós ajudamos muito o Brasil. Ajudamos muito aos brancos, aos imigrantes, aos invasores. Então queremos respeito, porque a nossa cultura é forte, é ancestral, somos mais antigos que a Bíblia.”

Processo

Amanhã (20), o grupo da Aldeia Maracanã terá uma audiência no Ministério Público Federal (MPF) para tratar do processo de reintegração de posse da área, segundo outra liderança do local, José Guajajara.

“Na época, em 2013, a posse era nossa e do laboratório do Ministério da Agricultura, a área estava aos cuidados do ministério. Mas ele não pode ser desmembrado, são 14,3 mil metros [quadrados], está no Cartório de Registros do Rio de Janeiro. Nossa luta é pelo imóvel, não é o prédio, nós queremos administrar esse imóvel, temos condições de administrar esse imóvel e reformar esse patrimônio.”

Dia do índio

Durante a manhã, a aldeia recebeu escolas para uma visita guiada e conversa sobre as tradições indígenas. À tarde, a celebração aos antepassados seguiu com cantos na língua das etnias, pintura, grafismo e encantamento.

Apesar das atividades especiais, Ash Ashaninka disse que a data não é de comemoração e que todo dia é Dia do Índio. “Assim como existe um santo para cada dia do ano, também existe uma etnia para cada dia. O dia do indígena é todo dia, porque todo dia tem indígena morrendo, tem indígena sendo humilhado, sendo criticado.”



Aldeia Maracanã mantém tradições indígenas

Edição: Luana Lourenço

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