MP e ONU defendem implantar sugestões internacionais sobre direitos humanos
O Ministério Público Federal e o Alto Comissariado das Nações Unidas para os Direitos Humanos cobraram a criação no Brasil de mecanismos de monitoramento e a implantação de recomendações feitas no âmbito da Organização das Nações Unidas para a concretização dos princípios da Declaração Universal de Direitos Humanos no país.
O assunto foi discutido em audiência pública realizada hoje (27) no Ministério Público Federal, em Brasília, para revisar a Declaração, que completa 70 anos. O documento foi elaborado e aprovado no contexto do pós-guerra como um marco para a afirmação da dignidade humana e o respeito às garantias fundamentais pelos Estados.
A procuradora federal dos Direitos do Cidadão, Déborah Duprat, lembrou que o Brasil assumiu o compromisso de acatar as recomendações feitas pelos diversos países no âmbito da ONU, mas ainda não houve providências de execução de procedimentos para verificar o que foi realizado pelas instituições públicas dos três Poderes.
“Não contamos com um sistema de monitoramento. E ele é fundamental porque não podemos falar em direitos humanos sem um componente muito forte de controle social. É preciso que a sociedade esteja se apropriando e controlando a atuação do Estado nesta temática, também porque a falta de monitoramento impede o Brasil de apontar os ganhos que porventura tenha ao longo deste processo”, destacou.
Xavier Mena, do Alto Comissariado da ONU para os Direitos Humanos, reforçou o pleito da procuradora. “Um mecanismo pode ser elaborado pelas instituições já existentes no Estado, que permitiria ao Brasil contar com um ente para coordenar a implementação e a avaliação sobre o andamento das obrigações”, ponderou.
Implementação
A distância entre convenções internacionais e sua implementação foi pontuada pela presidente da Comissão de Direitos Humanos do Senado, Regina Sousa (PT-PI). “O Brasil assina todas as convenções modernas, mas há uma dificuldade para fazer valer essas convenções. As vivências das violações e o atraso da legislação são muito evidentes, como a representação da mulher no Parlamento e a precarização dos empregos com a reforma trabalhista”, avaliou.
O ministro interino dos Direitos Humanos, Gustavo Rocha, disse que a nova gestão vai buscar “uma nova postura” na pasta em um momento delicado de tensionamento político com situações como a intervenção federal na segurança pública do Rio de Janeiro e a grande ocorrência de refugiados em Roraima.
“Seja antes, seja agora, muito pouco foi feito neste período em que o Ministério existe. Temos limitações do ano eleitoral e orçamento curto. Mas acho que vamos conseguir mudar um pouco a cara do Ministério. Já solicitei uma proposta de monitoramento para esses assuntos”, informou.
Alexandre Ghisleni, diretor de direitos humanos do Ministério das Relações Exteriores, argumentou que a implementação da revisão supõe um esforço de engajamento dos demais entes públicos, não somente do governo federal.
“A União não tem competência pra implementar todas as recomendações. Há algumas que exigem mudança de Lei, outras que se referem à questão da segurança pública, tratada com mais intensidade pelos governos estaduais. Há ainda aquelas relativas a punição de violações que envolvem todos os operadores do sistema de Justiça.”, enfatizou.
Recomendações
Este é o chamado terceiro ciclo da revisão de como os Estados aplicam as diretrizes previstas na Declaração Universal. No total, o Brasil recebeu 242 sugestões de países dos cinco continentes tratando dos mais diversos temas.
O Reino Unido propôs uma formação em direitos humanos nas forças policiais, além de privilegiar o policialmente baseado em evidências, com a meta de reduzir em 10% as mortes por agentes de segurança até o próximo ciclo.
Egito e Etiópia manifestaram preocupação com a Lei Antiterrorismo, defendendo que ela não seja usada para criminalizar defensores de direitos humanos e que respeite parâmetros internacionais. Estados Unidos, França e Ruanda ponderaram a importância de medidas com o objetivo de evitar e punir abusos por parte de agentes públicos vinculados ao cumprimento da Lei, como policiais e agentes carcerários.
Sistema penal e discriminação
Outro ponto levantado por países como Coreia do Sul, Espanha e Namíbia foi a necessidade de reduzir a população carcerária e assegurar direitos dentro do sistema prisional brasileiro, com a adoção de medidas de combate à tortura e outras formas de abusos nesses locais.
Áustria, Alemanha e México, entre outros, apontaram a melhoria do sistema judiciário como uma forma de enfrentar esse problema, qualificando as audiências de custódia, ampliando a ação das defensorias públicas e agilizando os processos e julgamentos, evitando o número e a duração de prisões provisórias.
Suécia, Madagascar e Argentina sugeriram a aprovação de leis e estratégias para combater a discriminação por raça e etnia, gênero e orientação sexual, em especial a violência motivada por essa causa. Nações como o Canadá defenderam ações para fortalecer segmentos vulneráveis, como os povos indígenas.
Conselho e pactos
Quanto aos organismos, Portugal, Uganda e Grécia sugeriram que o Brasil adeque o Conselho Nacional voltado ao tema aos chamados “Princípios de Paris”, além de garantir maior independência orçamentária e política ao órgão.
O país foi instado por nações como El Salvador e Finlândia a ratificar ou aplicar pontos específicos de protocolos e acordos internacionais como o do Pacto Internacional sobre Dirietos Econômicos, Sociais e Culturais, o Pacto Internacional sobre os Direitos da Criança e a Convenção Internacional sobre os Direitos dos Trabalhadores Migrantes e suas Famílias.