No Rio, escolas públicas buscam parcerias para melhorar ensino médio
Estudar em horário integral em uma escola pública é realidade para 12 mil alunos do ensino médio da rede estadual do Rio de Janeiro. Eles estão matriculados em escolas que mantêm parcerias com instituições ou empresas privadas. Além do currículo obrigatório do Ministério da Educação (MEC), essas escolas oferecem ensino profissionalizante voltado para a ciência, tecnologia e cultura, empreendedorismo e têm uma carga-horária extra de línguas estrangeiras. Tudo com foco no mercado de trabalho. Em algumas, o estudante já sai com o registro em conselhos regionais.
A Secretaria Estadual de Educação do Rio (Seeduc) tem convênios ou termos de cooperação técnica em 98 unidades. Entre as empresas que participam desta Parceria Público Privada estão: Instituto Oi Futuro, Instituto Grupo Pão de Açúcar, Lojas Americanas, Lafarge, Senac-RJ, Senai-RJ, Sebrae-RJ, Peugeot Citroen e Fundação de Estudos do Mar (Femar). Outros cinco colégios da rede estadual têm o chamado ensino médio intercultural, com o apoio do Ministério de Educação, Cultura e Esporte da Espanha; da Superintendência do Condado de Prince George dos Estados Unidos; da Universidade Normal de Hebei, na China; do Consulado Geral da França no Rio de Janeiro e do Centro Cultural Brasil-Turquia (CCBT).
Cerca de 16 mil alunos já se formaram por meio dos convênios. Não há processo seletivo. Os candidatos devem se inscrever pelo site.
Chico Anysio
O pequeno prédio de três andares com forro térmico verde pode passar despercebido por quem circula pela Amaral, curta rua residencial e arborizada no Andaraí. O letreiro é discreto: C.E. Chico Anysio. Lá dentro, porém, a educação pública é diferenciada: 290 estudantes do ensino médio têm, além das aulas do currículo básico, uma grade complementar para o desenvolvimento socioemocional e de empreendedorismo.
Inaugurado em 2013, no local onde antes funcionava uma escola particular, o Colégio Estadual Chico Anysio adotou o modelo de educação integral voltado para oferecer aos jovens as “condições para desenvolver as competências cognitivas e socioemocionais necessárias para viver no século 21”, segundo o Instituto Ayrton Senna, parceiro do projeto nessa e em mais 34 escolas estaduais. O instituto fornece a metodologia e a formação dos gestores, além do acompanhamento da proposta.
O diretor da unidade, Willmann Costa, explica que o desenvolvimento cognitivo e socioemocional são dois componentes importantes para a formação do indivíduo. Para ele, o principal diferencial da escola são os seus profissionais e a vontade de fazer diferente.
“A Chico Anysio é assim porque tem toda uma estrutura que é feita dentro da escola; a Secretaria Estadual de Educação (Seeduc) não nos dá uma condição melhor. As parcerias não dão nada de material; oferecem a mesma formação que é dada para outras escolas. Mas uma coisa é você se apropriar do que recebe e acreditar no que está fazendo: outra é você ir para a formação e depois não executar”, destaca.
O estudante Lucas Paulo Rodrigues Gonçalves, do 3º ano do ensino médio, diz que entrou para o colégio “por acaso”, quando a seleção ainda era por sorteio, depois de não ter conseguido se inscrever no concurso para outros colégios públicos, como o Centro Federal de Educação Tecnológica Celso Suckow da Fonseca (Cefet-RJ) e o Colégio de Aplicação da Universidade Federal do Rio de Janeiro (CAP-UFRJ). Para Lucas, morador de Belford Roxo, na Baixada Fluminense, o trabalho desenvolvido na escola melhorou seu relacionamento com a própria família.
“A meu ver, as outras escolas não têm a integração que a gente tem com o professor, que é bastante amigo. Eu gosto de ficar aqui, é a única escola que mudou minha vida de fato, eu nunca teria isso em outra escola. O Projeto de Vida abre novos horizontes, mostra o caminho, te faz refletir e a metodologia te faz achar o caminho correto para seguir. Ajudou bastante com minha família, agora eu sei compreender melhor os outros”.
Já Rodrigo Barbosa, também do 3º ano, conheceu o trabalho da Chico Anysio por antigos colegas e por meio de uma visita que fez ao colégio ainda no ensino fundamental. Ele diz que chegou a passar no concurso para o CAP-UFRJ, mas não se arrepende da escolha que fez.
“A minha principal dificuldade foi a carga horária, de 10 horas; normalmente nenhum aluno está acostumado”, diz.
Ele destaca alguns programas desenvolvidos na escola, como o Projeto de Vida e o Projeto de Intervenção e Pesquisa (PIP). “Ele [o Projeto de Vida] te direciona, já no 3º ano, foca no mercado de trabalho e aqui a gente aprende a se preparar para a entrevista [de emprego]. Já o PIP, que são projetos de intervenções fora da escola, ajuda também no currículo para o mercado de trabalho.”
Empreendedorismo
Em 2017 uma nova parceria, desta vez com o Serviço Brasileiro de Apoio às Micro e Pequenas Empresas (Sebrae), foi firmada pela Secretaria de Educação (Seeduc) para ofertar o Ensino Médio Profissionalizante em Empreendedorismo na Chico Anysio. “Os estudantes já se articulam, têm aulas sobre finanças, como lidar com um negócio, administração, toda essa noção”, explica o diretor.
O Sebrae fornece o material didático e a formação dos professores para as disciplinas específicas. Ao todo, a Seeduc mantém parcerias com o Sebrae para 82 escolas. Segundo Costa, a formação é para a equipe diretiva e a cada semestre os professores de empreendedorismo têm um dia de formação continuada.
Aluno do 2º ano, Jorge Matheus Rosendo Costa explica que já queria estudar na Chico Anysio pela proposta da área socioemocional e se interessou ainda mais após a inclusão do empreendedorismo no programa pedagógico. Para ele, as aulas de empreendedorismo contribuem para sua formação global como cidadão.
“O empreendedorismo vai muito além da questão da finança e das ciências contábeis; é comportamento. Quando a gente decide estar aqui, já faz um empreendimento na nossa vida. Hoje em dia, a gente entende que os mecanismos que existem, como a matriz SWOT [análise de Forças, Oportunidades, Fraquezas e Ameaças, da sigla em inglês], que foi desenvolvida para este ramo, podem ser aplicadas na nossa vida cotidiana. É você investir em você mesmo, acreditar em si, tem muito a ver com as competências socioemocionais”.
A matrícula para o Colégio Chico Anysio é feita pelo sistema unificado da Seeduc. No ano passado, a escola foi a mais procurada de toda a rede. A escolha dos estudantes, na proporção de 25 interessados para cada uma das 120 vagas para o 1º ano, é feita de acordo com critérios como estudar em escola pública, morar perto, ter a idade certa para a série e ser portador de alguma deficiência. Atualmente são 290 estudantes distribuídos em três turmas por série.
Segundo Costa, não há evasão na escola, apenas poucas desistências de alunos que pedem transferência por não se adaptar ao regime de 10 horas diárias na escola. Os estudantes têm aulas de todo o currículo básico, projetos complementares, além de almoço e três lanches diários.
Hebe Camargo
Olhando por fora, a estrutura metálica com dois andares se assemelha a um galpão de fábrica. Lá dentro, centenas de estudantes aprendem na prática sobre telecomunicações em laboratórios técnicos com os mesmos equipamentos da “vida real”. O Colégio Estadual Hebe Camargo fica escondido no meio do bairro Pedra de Guaratiba, na zona oeste do Rio de Janeiro, em uma ruazinha depois da Fundação Xuxa Meneguel, que doou o terreno para a construção em 2013. Também foi a fundação que pediu a homenagem à famosa apresentadora Hebe Camargo que dá nome à escola. O local tem um dos menores Índices de Desenvolvimento Humano (IDH) do município do Rio de Janeiro.
Inaugurada em 2014, a escola oferece ensino médio integrado com o técnico profissionalizante, financiado pelo Instituto Net Claro Embratel, que pagou pela estrutura dos laboratórios e mantém o salário dos professores do ensino técnico, além de outros suportes como ônibus para passeios e projetos, bem como a primeira anuidade do Conselho Regional de Engenharia e Agronomia (Crea) para todos os formados.
O coordenador técnico da escola, Ricardo Costa Fonseca, destaca que o diferencial da unidade é a formação para o mercado de trabalho, mas o estudante também adquire as competências para fazer o Exame Nacional do Ensino Médio (Enem) e ir para a faculdade. “A pessoa pode ir direto para o trabalho na área técnica. Pode trabalhar para ajudar a família ou mesmo seguir o estudo. Temos casos diversos, tivemos hoje aqui um aluno brilhante que veio avisar que passou para medicina”, relata.
O Crea faz a certificação do curso e fornece o registro profissional para os formados. Além disso, o instituto patrocinador entrevista todos os estudantes para oferta de emprego. Segundo Fonseca, o interesse da Embratel é ver o efeito do investimento e do trabalho depois de três anos.
“Uma parte vai para a área técnica, outra vai seguir a vida. Muitos têm dificuldade financeira de continuar [estudando]. Então, a grande diferença é que [quem se forma] tem a opção de trabalhar – e rapidamente. Tem empregabilidade, está escrito na testa, tem capacidade para fazer oito tipos de trabalho na área de telecomunicações.”
Os estudantes estudam em tempo integral, das 7h às 17h – e recebem almoço e três lanches. Cumprem, em três anos, uma carga horária de 1.600 horas de formação técnica, 400 a mais do que o exigido pelo Crea. O diretor do colégio, Willian Oliveira Menezes, ressalta também a autonomia e o protagonismo dos estudantes na formação.
“No 3º ano, a gente organiza eventos com o mercado de trabalho, traz profissionais das áreas para conversar [com os alunos]. O 1º e 2º ano são mais abertos, tem teatro dança, que eles gostam muito, trazem suas ideais”, completa Menezes.
Os alunos se envolvem diretamente em eventos e projetos como a Semana Nacional de Ciência e Tecnologia e ajudam na construção e manutenção da infraestrutura tecnológica do colégio, como exercício prático do curso.
Telecomunicações
O interesse pela escola tem crescido. Segundo o diretor, na primeira turma sobraram cinco vagas. Já no ano passado, 2 mil estudantes pediram uma vaga no colégio no primeiro dia de matrícula. Aluno do 3º ano, Felipe Marques diz que procurou a unidade pela oferta de ensino integral e pelo curso profissionalizante, mesmo sem saber do que se tratava.
“Eu não conhecia muito bem, mas queria algo diferente, que me ajudasse no trabalho. Entrei aqui e gostei muito. Não tinha noção, foi por acaso. Eu me encaixei perfeitamente na parte técnica, pretendo já sair daqui colocando o currículo para começar a trabalhar. Depois, eu penso em fazer faculdade, estudar engenharia de telecomunicações”.
Rafaela Araújo, do 3º ano, gosta do curso e quer já fazer faculdade. “Não conhecia a escola direito, me inscrevi para ver como era, eu só sabia que era ensino técnico e integral. Acho que aqui no bairro não tem outras opções de escola assim. Eu gosto do curso, são várias coisas diferentes e eu gosto de tudo. A gente aprende sobre as ondas, sobre posição do satélite. Eu pretendo fazer faculdade, mas ainda não sei o curso”.
O diretor explica que tem feito reuniões com a comunidade local e nos colégios de ensino fundamental para explicar a proposta do Hebe Camargo. Atualmente são 420 estudantes, divididos em quatro turmas de cada série. A entrada no colégio é feita apenas no 1º ano, pelo sistema de matrícula da Secretaria de Estado de Educação (Seeduc), que prioriza estudantes que fizeram o ensino fundamental em escola pública e que morem na região. Para o ano que vem, a direção pretende aumentar para 180 o número de vagas no 1º ano.
Escola modelo do Sesc
A Escola Sesc de Ensino Médio (Esem), em Jacarepaguá, é uma ilha de prosperidade no sistema educacional brasileiro e também na comunidade. Em meio a favelas da zona oeste do Rio de Janeiro, na saída da via expressa Linha Amarela, os 131 mil metros quadrados do campus chamam a atenção pela arquitetura moderna com concreto armado e estrutura metálica aparente, além dos espaços livres e arborizados.
Inspirada nos modelos americanos de boarding school, a Esem segue o conceito de escola-residência, onde os 495 alunos - 11 turmas de cada série, com 15 alunos cada - se dividem entre atividades escolares do currículo básico de manhã, aulas complementares e extracurriculares de tarde, além de atividades culturais, sociais e afazeres domésticos, já que moram no campus.
Autonomia e oportunidade
As regras de convivência são rígidas, com proibição de visitar o quarto de colegas e obrigação de desligar as luzes às 22h, além de se afastar do convívio familiar por seis meses. Mesmo assim, mais de 8 mil jovens de todo o país se inscrevem a cada ano no processo de seleção para ser um dos 165 contemplados que ingressarão no 1º ano, com a oportunidade de ter um ensino integral, que estimula a criatividade e a autonomia intelectual, além de residência e cinco refeições por dia, tudo gratuito. A escola é mantida integralmente pelo Serviço Social do Comércio (Sesc), entidade privada com caráter público.
Aos 17 anos, Matheus da Silva está no 3º ano e não se arrepende de ter deixado Valparaíso, cidade goiana do Entorno do Distrito Federal, para se juntar ao que ele chama de “família Esem”.
“Quando a família vem deixar os alunos aqui, o processo de desligamento é bem estranho, você dá um abraço no seu pai sabendo que só vai vê-lo de novo daqui a seis meses. Mas eu consegui me adaptar bem, achei que ia ser pior. Formei uma família de amigos, pessoas que eu vou levar para sempre na minha vida, de lugares que eu nunca tinha tido contato, como Maranhão e Rio Grande do Sul”, conta Matheus.
O jovem pretende seguir carreira na área de engenharia aeroespacial e diz que a Esem foi a melhor experiência de sua vida, com oportunidades inimagináveis na sua cidade de origem. “[Nas aulas extras] Fiz introdução a cálculo, física aplicada e álgebra linear. Isso me dá base para o vestibular que eu vou fazer e me prepara muito para a faculdade - essa é a grande vantagem que a escola oferece. Além de ter uma base curricular muito boa, ela te oferece alçar horizontes maiores”.
Acolhimento e afeto
O diretor da Esem, Luiz Fernando de Moraes Barros, que também é professor de literatura na escola, destaca duas palavras para o sucesso do modelo: acolhimento e afeto, com investimento também na diversidade.
“É uma comunidade de afeto, porque é a escola, mas é também a casa desses jovens. Aprendizagem mediada pelo afeto, as vivências residenciais mediadas pelo afeto, então eles se sentem em casa. Há uma atmosfera de acolhimento que não favorece a evasão. O nosso índice de saída, por questões de adaptação, religiosas, de saudades da família, não chega a 1%.”
Cerca de 50% dos 80 professores da escola também residem no campus, junto com suas famílias, e atuam como tutores e mentores dos jovens. O diretor explica que a proposta pedagógica estimula o processo criativo, a autonomia intelectual e o compromisso social, com os jovens tendo o protagonismo da própria aprendizagem.
“Esse é um projeto que se quer modelo e a gente entende que consegue alcançar esse lugar de investimento nas diversidades, na autonomia, na criatividade e na formação dos jovens para um claro compromisso social”, diz.
“O Sesc é uma instituição social e, portanto, a formação que a gente desenvolve aqui com os nossos jovens está claramente a serviço da formação de sujeitos preparados para atuarem na sociedade e se constituírem como verdadeiros transformadores da realidade social”, completa.
Além das disciplinas da base nacional curricular, trabalhadas de forma interdisciplinar e contextualizada, a escola oferece o currículo complementar. O estudante indica o que quer cursar ao longo do ano nas áreas artísticas, esportivas, de ciências humanas e ciências exatas. Há também aulas de letramento digital, iniciação científica e qualificação profissional, além de projeto social com foco não assistencialista. A comunidade do entorno também tem acesso aos cursos de artes e atrações culturais realizadas no teatro que fica dentro do campus.
A Escola Sesc de Ensino Médio completou 10 anos em 2018 e já formou sete turmas, chegando à marca de mil alunos formados no ano passado.
Embora reconheça a dificuldade de replicar o modelo completo, Barros destaca a publicação, no ano passado, de um manual para formação docente em educação híbrida. O livro traz a reflexão sobre as mudanças tecnossociais do século 21 e a experiência pedagógica da Esem, com uso da inovação educativa e o incentivo a repensar os tempos e espaços da escolarização.