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Cidade mais negra fora da África, Salvador completa 467 anos

Sayonara Moreno - Correspondente da Agência Brasil
Publicado en 29/03/2016 - 14:29
 - Actualizado en 29/03/2016 - 14:32
Salvador

 

Antigo cartão postal do tradicional bairro do Rio Vermelho, em Salvador. Foto acervo do Museu Tempostal

Antigo cartão postal do tradicional bairro do Rio Vermelho, em SalvadorFoto acervo do Museu Tempostal

A capital da Bahia já foi capital do Brasil e faz aniversário hoje (29). Há 467 anos, a Ponta do Padrão (Baía de Todos os Santos) recebia as embarcações de Tomé de Souza para fundar a Cidade de São Salvador, a mando do Rei de Portugal, Dom João III. O que não se sabia era que os problemas sociais e estruturais na época iriam interferir na sociedade soteropolitana quase 500 anos depois.

Segundo o historiador Rodrigo Lopes, mestre em História pela Universidade Federal da Bahia e professor da Universidade do Estado da Bahia, a localização estratégica definiu Salvador como primeira capital, porque havia um entorno promissor como o plantio da cana-de-açúcar.

Para Lopes, Salvador “foi pensada pelos portugueses para ser a capital do império de ultramar. Por isso, ocupa um espaço privilegiado na história da América e na relação da América com outros continentes. Os navios que saíam de Portugal para comprar especiarias em outros continentes tinham que parar em Salvador para reabastecer de mantimentos e fazer manutenções. Além disso, era a entrada principal para o Brasil e para as possibilidades que o Brasil oferecia às nações europeias.”

Ancestralidade africana

O censo de 2015 do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE) mostra que Salvador tem quase 3 milhões de habitantes. E, de acordo com um recente estudo de várias universidades brasileiras, a capital baiana tem a maior ancestralidade africana, a partir de estudos genéticos: 50,8%, sendo considerada a cidade mais negra fora do continente africano.

Apesar de várias cidades brasileiras terem sido locais onde o trabalho escravo existiu, o historiador explica que, em Salvador, isso foi mais forte e contribuiu para a formação da “ebulição cultural” permanente da cidade (como a musicalidade e o sincretismo religioso) e para que, ainda hoje, a população negra continue sendo discriminada e tendo menos oportunidades.

“O racismo que se observa em Salvador nos escandaliza mais pela grande quantidade da população negra que tem. Mas não é diferente de outros lugares do Brasil, onde também há racismo. A questão é que, após o período escravocrata, no Brasil essa população libertada não foi absorvida nem pelo mercado de trabalho, nem pela sociedade como um todo. Então, é uma população marginalizada, a quem era negada a educação e os acessos. Tudo isso contribuiu para a manutenção de uma visão preconceituosa que a gente observa hoje nas mais variadas formas. Em Salvador isso é mais gritante porque é numa cidade tão afrodescendente”, comenta o professor.

Aula sobre história

A história de Salvador e o debate sobre como ela influencia o atual cenário da capital baiana vão ser contadas por Rodrigo Lopes em uma aula, no Museu Tempostal, no Pelourinho, hoje (29). Com o tema “Salvador, Sec. XIX – Direções urbanas e abastecimento” o bate-papo será permeado por imagens do acervo do museu, como fotografias e cartões postais da época, retratando os bairros, as feiras e os portos de Salvador no século XIX.

De acordo com as explicações de Rodrigo Lopes, o problema atual da infraestrutura soteropolitana é secular, o que explica questões ainda existentes. Mas ele pondera que isso não justifica a falta de políticas públicas ou investimentos na cidade.
“Nós temos muitas petições em documentos antigos oficiais, destinados ao Imperador Dom Pedro II, reclamando das encostas de Salvador, em que 'uma simples chuva a cidade desmorona', a salubridade das ruas, com esgoto a céu aberto, muita sujeira no cais do porto. Então, são coisas que a gente vai costurando e percebendo que, hoje, temos resquícios disso tudo”, compara.

“A gente percebe, nesse contexto, desde épocas remotas, que há uma ação do poder público nessas questões. Há uma continuidade de uma corrupção endêmica, um patrimonialismo que faz com que esses administradores achem que a coisa pública é coisa deles. E isso explica a falta de investimentos e algumas questões seculares e ainda tão urgentes, como saneamento público. Tudo isso existe desde sempre em Salvador”, completa.

Na análise do acadêmico, Salvador merece uma população mais cidadã, que cuide mais da cidade e leve em conta a importância da conservação na estrutura e no patrimônio cultural que tem a capital baiana.